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Made In Brazil

Os cientistas que brilharam na pandemia


Jorge Kalil, o médico que busca spray nasal como vacina para o coronavírus

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Imagem: Arte/UOL

Bruna Souza Cruz

De Tilt, em São Paulo

07/12/2020 04h00Atualizada em 10/12/2020 18h44

Quando pensamos em vacinas contra o coronavírus (e só pensamos nisso ultimamente), imaginamos injeções ou, no máximo, gotinhas. Mas, o médico brasileiro Jorge Kalil escolheu trilhar um caminho inovador: um spray nasal capaz de bloquear a entrada do micro-organismo no corpo humano.

Professor titular de imunologia clínica e alergia da Faculdade de Medicina Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Laboratório de Imunologia do Incor (Instituto do Coração), ele caminha para criar uma vacina que fortalece o sistema imune das mucosas e torna a proteção mais duradoura.

Desde o comecinho da pandemia, os pesquisadores da equipe do médico coletaram o material de 220 pessoas contaminadas pela covid-19 e, com a ajuda de análises microscópicas e software de bioinformática, conseguiram identificar fragmentos do vírus —que servem para dar início ao desenvolvimento da vacina, com a criação de uma partícula semelhante ao coronavírus, o VLP (virus-like particle, em inglês).

Essa espécie de vírus oco, sem o material genético, traz boas respostas imunes, sem risco de transmissão da doença. A equipe desenvolveu um antígeno vacinal que aumenta o nível de anticorpos do tipo IgA nas mucosas e a resposta celular nas vias aéreas superiores e no pulmão, onde a doença é mais grave.

O protótipo já está sendo refinado para que ocorra uma prova de conceito e, nos próximos meses, deve começar a produção em maior quantidade para testes pré-clínicos (de segurança). Por fim, vem a fase clínica —se tudo correr como planejado, o Brasil pode começar a fazer testes com esta vacina já no primeiro semestre de 2021.

Pesquisas internacionais também já se concentram em encontrar formas de imunização diretamente nas mucosas, o que fortalece mais um caminho com potencial efetivo no combate ao coronavírus.

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Imagem: Arte/UOL

Em texto de 2016, o jornal da USP descrevia Kalil como "O domador de crises". Na época, ele ganhou fama pelo talento em resolver encrencas quando estava à frente do Instituto do Coração (InCor) e do Instituto Butantan, onde coordenou a atualização dos protocolos de produção de soros, a modernização das fábricas e acelerou o desenvolvimento de novas vacinas, como a da dengue. Nem de perto era uma crise com a urgência como a que vivemos hoje.

A encrenca de hoje é garantir que o Brasil consiga uma vacina nacional, para que não dependa da fila internacional quando as primeiras vacinas chegarem. Segundo ele, o país que conseguir resultado positivo primeiro vai abastecer seus cidadãos, depois enviará para os países parceiros e só depois exportará aos demais. Isso significa que, se o Brasil ficar dependente de descobertas estrangeiras, pode ficar por longo período sem acesso à imunização.

Claro que a experiência pesou no novo desafio. Kalil estuda o assunto há mais de 30 anos e já ajudou a produzir vacinas contra o Streptococcus pyogenes, que causa a febre reumática, e a chikungunya.

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No Laboratório de Imunologia da USP, ele desenvolve pesquisas em diferentes frentes e coordena cerca de 20 profissionais diretamente ligados ao trabalho em torno da vacina spray.

Nesse grupo, estão cientistas do Incor, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e da Escola Paulista de Medicina (Unifesp), entre elas, pós-doutorandos, técnicos de nível superior e auxiliares de gestão, além de nomes como os pesquisadores Edecio Cunha Neto, Keity Souza, Rafael Almeida e Edilberto Postol, da FMUSP, Silvia Boscardin, Edison Durigon e Paolo Zanotto, do ICB, e o pesquisador Marco Antonio Stephano, do departamento de Ciências Farmacêuticas.

Eles trabalham na vacina com VLP, porque ela já possui histórico de uso (por exemplo, a do HPV) e tende a ser mais robusta, na comparação com vacinas de tecnologia mRNA, que insere no soro uma partícula sintética do RNA mensageiro do vírus. Este segundo tipo está sendo testado nos EUA, mas costuma ter resposta mais tímida.

Em junho deste ano, Kalil foi convidado pelo governo norte-americano para integrar o DSMB (sigla em inglês para Quadro de Monitoramento de Dados e Segurança), formado por pesquisadores recebem apoio dos Estados Unidos para acompanhar ensaios clínicos de vacinas para a covid-19, e levou para lá a experiência do grupo brasileiro.

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"Acho impressionante como no século 21 as pessoas não veem tudo o que a ciência trouxe, inclusive o fato de elas estarem vivas", resume ele.

Embora destaque a qualidade crescente das pesquisas feita no país, o médico diz que são os países desenvolvidos os que apostam em educação e ciência.

"Apesar de estar há 40 anos lutando, e a minha geração ter aumentado muito a qualidade de ciência no Brasil, ainda não conseguimos mostrar para a sociedade brasileira, consequentemente à classe política e empresarial, o valor que a ciência tem", conclui.

Este texto faz parte da série "Made In Brazil", que descreve o trabalho de 10 cientistas de ponta brasileiros que atuaram brilhantemente no combate ao coronavírus durante a pandemia.

Tilt, o canal de ciência e tecnologia do UOL, acredita no trabalho dos cientistas brasileiros, que conseguem fazer pesquisa de ponta mesmo com falta de recursos, estrutura e apoio. Para valorizá-los e conseguir que recebam o apoio que merecem, trazemos aqui uma curadoria dos nomes "made in Brazil" que impressionaram a nós e à comunidade científica internacional.