Boi bombeiro? Como seria se o Pantanal fosse transformado em pasto
Controlar as queimadas recentes no Pantanal é uma atividade complexa e nem mesmo a temporada de chuvas parece ser a solução definitiva. Uma teoria começou a ser ventilada por políticos e pessoas ligadas ao agronegócio: a expansão da pecuária no local ajudaria a evitar novas queimadas. Mas isso ajudaria na preservação do ambiente? E em um cenário mais extremo, como seria se o Pantanal fosse transformado em pasto?
Com ou sem a teoria do "boi bombeiro", os números dos incêndios na região não são nada agradáveis. De acordo com dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2020 as chamas consumiram mais de 4,3 milhões de hectares (43,4 mil km²) do bioma. Já o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) aponta que, até o início de novembro, foram registrados mais de 21 mil focos de incêndio.
A presença da pecuária no Pantanal não é, necessariamente, um problema. Historicamente, a região é usada para esse fim e também para a agricultura. A questão aqui é como isso é feito: há meio século, essas atividades eram desempenhadas em sua maior parte pela população local e usando métodos mais integrados com o ecossistema, como a criação de gado solto.
Esse tipo de gado, e em quantidades limitadas, de fato se alimentava da vegetação nativa do local no período de cheias, evitando que o acúmulo desse material —ou seja, folhas e galhos secos— se tornasse um prato cheio para as chamas.
O problema é que esse tipo de criação deu espaço à pecuária que não se adapta às exigências do ambiente. Na verdade faz o inverso: adapta o ambiente às suas necessidades. Em geral são criações de gado destinadas a serem competitivas e lucrativas, especialmente para exportação. Por isso, quanto mais uniforme for o ambiente no qual os bois são criados, melhor.
Essa mentalidade leva à destruição do bioma nativo com a derrubada de árvores para darem lugar ao pasto. Assim, a pecuária sirva para qualquer coisa, menos para a preservação do Pantanal.
Atividade humana piora o problema
Muitos dos incêndios que destroem a vegetação nativa têm origem em propriedades privadas da região. A prática normalmente é proibida na região entre 15 de julho e 15 de setembro —neste ano, começou em 1º de julho e foi estendido até novembro—, período de maior seca e, portanto, mais propenso ao surgimento de incêndios fora de controle.
Mas, na prática, é como se a proibição não existisse, já que o número de focos de calor registrados nesses meses foi 57% superior aos de 2019.
No caso dos incêndios deste ano, por exemplo, um estudo do Instituto Centro de Vida (ICV), uma ONG voltada à sustentabilidade, concluiu que o fogo teve início em cinco fazendas em Poconé, que fica a pouco mais de 100 km de Cuiabá (MT).
Apesar disso e da situação crítica do momento, a fiscalização foi afrouxada neste ano: em Mato Grosso do Sul, as autuações feitas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) relacionadas a desmatamento e queimadas ilegais entre janeiro e setembro caíram 22% em comparação com o mesmo período de 2019.
Meio do caminho
Considerado um bioma de transição entre a extremamente úmida Amazônia e florestas secas como o Cerrado e o Chaco, o Pantanal é uma verdadeira colcha de retalhos em sua composição. É uma mistura de áreas alagadas com outras mais secas que resultam em uma enorme biodiversidade.
Segundo a WWF-Brasil (integrante da Rede World Wide Fund for Nature), já foram registradas no Pantanal pelo menos 4.700 espécies, entre as quais estão 3.500 espécies de plantas (árvores e vegetações aquáticas e terrestres), 325 peixes, 53 anfíbios, 98 répteis, 656 aves e 159 mamíferos.
Não é simples precisar a sua área, mas ele se estende por três países: Brasil, Bolívia e Paraguai. A sua maior porção fica no Brasil, onde ele se localiza nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Perda irreparável
Em termos práticos, transformar o Pantanal em grande pasto é algo inviável, por causa da necessidade de se aterrar grandes áreas para realizar o feito. Mas, considerando a hipótese de se fazer isso, os resultados seriam terríveis.
Se a mera presença de atividades como pecuária e agricultura em grande escala já representa um risco para o bioma, intensificar o uso da área para esse fim poderia causar danos irreparáveis não apenas para o Pantanal.
O desmatamento de regiões próximas a rios, por exemplo, pode intensificar o escoamento de sedimentos — e, consequentemente, nutrientes — e diminuir a qualidade do solo ao redor de áreas do tipo, afetando diretamente a biodiversidade.
Sem a cobertura natural da terra, a evotranspiração —processo pelo qual as plantas reciclam água— diminui. O solo fica mais quente e há impactos consideráveis na formação de nuvens e chuva. Isso cria um ciclo vicioso, que reduz ainda mais a cobertura vegetal e gera condições favoráveis para a ocorrência de incêndios.
Isso inicia outro ciclo vicioso, já que aumenta a presença de carbono na atmosfera, deixa o planeta mais quente, piora a qualidade de vida da humanidade como um todo e causa impactos consideráveis em atividades que dependem da terra e de animais, como a agricultura e pecuária.
Definitivamente, não é uma boa ideia.
Fontes:
Rodrigo Lemes Martins, mestre em Biologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e doutor em Ecologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor do Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Henrique Abrahão Charles, mestre em Biologia Animal no Curso de Pós-graduação do Instituto de Biologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e biólogo-chefe do Parque Natural da Restinga do Barreto (RJ)
Luiz Aragão, mestre em Biociências e Biotecnologia pela Universidade Estadual do Norte Fluminense, doutor em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), professor associado na University of Exeter (Reino Unido)
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