Gerador de ozônio "mata" coronavírus, mas não deve ser usado em pessoas
Sem tempo, irmão
- Em ambientes fechados, gerador de ozônio matou 99% do Sars-CoV-2
- Mas o uso de gás contra o vírus da covid ainda é controverso
- Anvisa afirma não ter recebido evidências científicas que comprovem eficácia
- Órgão não regula equipamentos destinados a uso não terapêutico
Os casos de covid-19 estão aumentando no Brasil e, ao que parece, esse pesadelo está longe de ter um fim. Enquanto isso, pesquisadores têm desenvolvido tecnologias para combater a transmissão do vírus, como spray que mata o coronavírus e protege a máscara, tinta misturada com cobre para deixar superfícies livres do microrganismo e, agora, geradores de ozônio.
Recentemente, a brasileira Wier descobriu que dois dos seus produtos têm a capacidade de inativar o Sars-Cov-2, coronavírus causador da covid-19. Trata-se dos geradores de ozônio OZmini e OZpro, que já eram usados para higienizar locais fechados, como salas comerciais, sala de aula, transporte público, automóveis e até mesmo residências.
A empresa solicitou aos pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (Universidade de São Paulo) que testassem os equipamentos para saber se eles também eram capazes de agir contra o novo coronavírus.
Os testes liderados pelo pesquisador do ICB-USP, Lucio Freitas Junior, mostraram que ao entrarem em contato com o vírus, as moléculas de ozônio conseguem inativá-lo. A eficácia do OZmini foi de 99,34% e a do OZpro, de 99,96%, contra o organismo.
Mas em uma nota técnica publicada esse ano, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) afirma que não foram apresentadas ao órgão evidências científicas que comprovem a eficácia do uso do ozônio como desinfetante contra o Sars-CoV-2.
A empresa disse a Tilt que apresentou os laudos à Anvisa para obter uma certificação do uso dos geradores com esse fim. Mas foi informada que equipamentos que usam ozônio na desinfecção de ambientes e superfícies não são considerados produtos saneantes. Portanto, não estão sujeitos à regularização da Anvisa.
O que mostraram os testes?
O biólogo e pesquisador do ICB-USP Lucio Freitas Junior contou a Tilt que a instituição tem os dois únicos laboratórios do país com a segurança necessária para testes com patógenos ativos transmitidos pelo ar, como é o caso do Sars-Cov-2. Por isso, eles têm disponibilizado a estrutura para testes a pedido de empresas.
O laboratório da universidade estoca o coronavírus a -80º C, mantendo todas as suas propriedades interativas —isto é, que permitem infectar outras células.
Foi nesse lugar protegido que uma amostra contendo o vírus foi dividida em duas: uma foi exposta ao ozônio produzido por cada uma das máquinas, de maneira individual; e a outra parte ao ar atmosférico comum. O objetivo era comparar os efeitos do ozônio na primeira amostra.
Os dois geradores transformam o oxigênio que a gente respira em gás ozônio por meio de um processo que mistura radiação ultravioleta, ondas de choque, elétrons de alta energia e radicais livres, segundo a Wier.
Após 25 minutos de exposição de amostras de coronavírus ao ozônio produzido pelo OZmini e 15 minutos ao produzido pelo OZpro, seguido de dez minutos de descanso, os dois grupos foram colocados em contato com uma cultura de células.
"O vírus que não sofreu exposição ao ozônio entrou normalmente na célula e nós tivemos uma cultura de células bem infectadas, enquanto o que foi exposto ao ozônio teve uma redução de 99% [da sua efetividade], quase à exaustão", conta Freitas Junior.
Como o ozônio age sobre o Sars-Cov-2?
Segundo a Anvisa, na forma de gás o ozônio é capaz de inativar diferentes vírus de DNA e RNA, com ou sem membranas, em diferentes superfícies. O teste encabeçado pelo pesquisador da USP verificou se essas propriedades se aplicam ao novo coronavírus.
Isso acontece, de acordo com Freitas Junior, porque as moléculas da substância são bastante instáveis e, por isso, interagem com lipídios e proteínas que revestem o vírus.
"Quando exposto, o ozônio oxida as moléculas e torna esse vírus incapaz de invadir a célula ou de ser incorporado por elas", explica. Ele afirma que a substância penetra no microorganismo e destrói os componentes que o mantém ativo —em outras palavras, "mata" o vírus. "Quanto maior a concentração de ozônio, mais rápido o microrganismo é inativado", garantiu a Wier em nota.
Uma nota técnica da Anvisa adverte que o uso do ozônio como desinfetante —no caso de bactérias nocivas— acontece a uma concentração muito elevada, "acima dos níveis considerados seguros para os seres humanos". A nota não fala na ação do gás contra o coronavírus porque, segundo órgão, não foram apresentadas à Anvisa evidências científicas que comprovem sua eficácia contra o Sars-Cov-2.
"O reconhecimento do risco de consequências patológicas após a exposição de pessoas e animais experimentais ao gás ozônio levou a restrições no seu uso em áreas públicas", diz o texto.
Desse modo, o gás não pode ser usado em câmaras de desinfecção nem em ambientes com pessoas. Equipamentos como os dois geradores da Wier devem ser usados apenas em lugares fechados vazios.
O que acontece se a gente se expuser ao ozônio?
Do mesmo jeito que o ozônio interage com a membrana no coronavírus, ele pode interagir com a membrana que reveste também as nossas células.
Segundo a Anvisa, estudos mostram os efeitos do gás em pessoas expostas por até oito horas a um ar ambiente contendo ozônio:
- Diminuição da função pulmonar;
- Tosse;
- Irritação na garganta;
- Dor, queimação ou desconforto no peito ao respirar fundo;
- Aperto no peito;
- Chiados na respiração;
- Dispneia (dificuldade de respirar).
A exposição a curto prazo pode causar lesões nas células epiteliais das vias aéreas do sistema respiratório. Também leva alergênicos e poluição a serem inalados mais facilmente. "Maiores concentrações diárias de ozônio estão associadas ao aumento de ataques de asma, de internações hospitalares, da mortalidade diária e outros marcadores de morbidade", diz o texto.
Por isso, Freitas Junior explica que quem fizer uso dos geradores vai ter que garantir que ninguém esteja no ambiente enquanto ele estiver sendo usado —nem os operadores dos equipamentos.
"Vamos imaginar que a gente tenha um ônibus que voltou e está no intervalo entre uma corrida e outra, ou vagão de metrô, ou a escola, ou a sala de aula. Você poderia fechar esses ambientes e colocar o equipamento gerador de ozônio por um tempo, sem pessoas dentro", explica o pesquisador do ICB-USP.
Freitas Junior explica ainda que, por serem instáveis, após um tempo as moléculas de ozônio vão se transformar em oxigênio novamente e que só depois desse período as pessoas podem voltar a ter contato com o ambiente. "O tempo é específico para cada ambiente. Tudo é calculado com relação à metragem [do local]", diz.
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