Presidente da Fundação Palmares lidera ataque virtual racista a cabelo afro
O presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, usou uma reportagem de Tilt para liderar nesta sexta-feira (18) uma onda de ataques a cabelos afro nas redes sociais. Após compartilhar o texto "O que fones de ouvido brigando com o cabelo afro dizem sobre diversidade", que tratava dos desafios enfrentados por pessoas com penteado afro na hora de usar fones, Camargo, que é careca, recomendou que negros abrissem mão dos fios. "Corta o cabelo, pô", escreveu.
A partir daí, seus seguidores passaram a direcionar ataques de cunho racista ao cantor e produtor de conteúdo Guil Anacleto, 27 anos, que aparece na reportagem. O cantor foi vítima de ofensas na web como "cotonete de limpar orelhão". Bastante abalado, Anacleto disse a Tilt que foi pego de surpresa pelos ataques: "Eu fiquei muito assustado de ver tanto ódio e falta de empatia concentrados diretamente em mim".
"Quando você está na mira do canhão é muito mais assustador do que quando vê de fora. Apesar de dolorido, espero que esse caso mostre para as pessoas que o racismo existe sim e é muito cruel. Seguirei com a minha arte. Se estiver incomodando essas pessoas, então estou no caminho certo."
Sérgio Camargo ainda compartilhou uma foto sua usando fones de ouvido com a seguinte legenda: "Não tenho do que reclamar, fica a dica".
"Ensinam pretos a defender seu 'cabelo afro', em vez da educação livre de doutrinação e do método Paulo Freire. Depois, com suas vastas cabeleiras, reclamam da falta de oportunidades para pretos no mercado de trabalho'", acrescentou.
No fim da tarde de sexta, ele ainda provocou: "Está lançado o carequismo. Vidas carecas importam", escreveu, em referência ao movimento Vidas Negras Importam, que luta contra a morte violenta de jovens negros em todo mundo. Procurada pela reportagem via ligação e e-mail, a Fundação Palmares não se pronunciou sobre o caso.
Procurados pela reportagem, Twitter e Instagram informaram que analisam a onde de ataques virtuais.
Não é inédita a reação às críticas de influenciadores negros a fones de ouvido. No início deste mês, a colunista de Splash Andreza Delgado, 24, também foi vítima dos mesmos ataques ao publicar uma foto do acessório quebrado.
"Essa reação não é surpresa alguma pois acabo de viver algo parecido", desabafou Andreza.
"Quem nunca reclamou do design de um produto como uma calça que não serviu ou um acessório que não agradou? Mas quando a crítica é feita por um determinado grupo da sociedade, aí vira um problema", diz.
De acordo com um estudo da Universidade de Southampton, do brasileiro Luiz Valério de Paula Trindade, PhD em sociologia, a internet tem se tornado um ambiente cada vez mais hostil para pessoas negras.
No livro resultante de sua tese de doutorado, "No Laughing Matter: Race Joking and Resistance in Brazilian Social Media" (Sem Motivo para Risos: Piadas Raciais e Resistência nas Mídas Sociais Brasileiras, em tradução literal), ele mostra que mulheres negras são a maioria das vítimas de discursos de ódio de cunho racistas na internet brasileira.
Os ataques são mais frequentes contra jovens de 20 a 35 anos em ascensão social. O engajamento depreciativo pode ser atraído até três anos após uma publicação.
"A consequência deste fenômeno é amplificar o impacto negativo do conteúdo nas vidas das vítimas", explica Trindade.
"No imaginário coletivo, é naturalizado que posições de liderança, comando e prestígio social são ocupadas por pessoas brancas. Portanto, ao levantar suas vozes nas redes sociais, homens e mulheres são alvo dos ataques, porque, para agressores, essas pessoas devem permanecer em sua 'legítima' posição de inferioridade social."
As ofensas ao cabelo também não são mera casualidade ou opinião estética, diz, porque o penteado é um marcador racial visível.
"Os ataques que exploram negativamente a estética do cabelo afro são racistas porque visam desvalorizá-lo. Estes discursos visam colocar negros em condição de inferioridade".
Trindade explica que os ataques não são menos graves por serem iniciados por uma pessoa negra: "Ideologias racistas não necessariamente estão associadas à cor da pele", explica. "Se a pessoa acredita nos pressupostos e na naturalização da supremacia branca, ela vai defender este tipo de ideia em qualquer contexto."
Controlar comentários depreciativos de cunho racial viraram um desafio cada vez maior para plataformas como Instagram e Twitter. Procuradas por Tilt, as redes sociais responderam que investigam o caso.
Em nota, o Twitter declarou que "proíbe o comportamento abusivo e a conduta de ódio. Inclusive, a atualização da política contra conduta de ódio que passou a incluir, recentemente, a linguagem que desumaniza alguém devido à sua raça, etnia ou origem, foi consequência de uma consulta pública formal que fizemos às pessoas para entender como melhorar nossas regras".
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