Como é possível gêmeos terem pais diferentes? A ciência explica
Sem tempo, irmão
- Raro em humanos, o fenômeno é chamado de superfecundação heteropaternal
- Ele depende de uma uma conjunção de fatores para ocorrer naturalmente
- Por isso que ter gêmeos de pais diferentes é quase como ganhar na loteria
- Há casos em que uma mulher, já grávida, engravidou outra vez semanas depois
É raro em humanos, mas mulheres pode sim gerar gêmeos de pais diferentes, tal como acontece com outros seres do reino animal. Embora incomuns, vez ou outra a gente fica sabendo de casos desse tipo por causa tanto da popularização dos exames de DNA quanto dos avanços na medicina reprodutiva.
Foi graças a essa capacidade que no ano passado uma mulher conseguiu gerar, ao mesmo, tempo dois bebês para um casal homossexual, cada um de cada pai. Claro que no caso dela, todo o processo foi feito em laboratório de maneira bastante detalhada para que a gravidez gerasse dois filhos para o casal, mas a chamada superfecundação heteropaternal pode acontecer de maneira natural.
Em 2016, um casal vietnamita descobriu que os filhos gêmeos tinham pais diferentes quando as crianças já tinham dois anos de idade, após a família desconfiar que um deles havia sido trocado na maternidade, dada a diferença entre eles.
Em 2009, uma mulher norte-americana contou com detalhes, na TV, como descobriu que os filhos gêmeos não tinham o mesmo pai. Surpresa com a diferença entre eles, ela decidiu fazer um exame de DNA e descobriu que as chances de os irmãos serem do mesmo pai era nula. Ela admitiu que estava tendo um caso na época em que engravidou, mas o marido acabou assumindo o filho do amante como dele.
Há poucos casos como esses registrados na literatura médica principalmente porque eles dependem de uma conjunção de fatores para ocorrer naturalmente:
- É preciso que a mulher libere dois óvulos no mesmo ciclo menstrual;
- Ela deve ter relações com pelo menos dois homens diferentes durante o período fértil (que dura mais ou menos cinco dias)
- É preciso que os espermatozoides de ambos consigam realizar a proeza de fecundar os óvulos e que ambos os embriões se desenvolvam adequadamente.
Mas não se sabe ao certo o que faz com que fêmeas de diversas espécies, inclusive a humana, produzam mais de um gameta em um único ciclo reprodutivo. Segundo o médico especialista em reprodução humana Arnaldo Cambiaghi, da clínica IPGO, isso acontece naturalmente, mas pode ser mais comum se a mulher estiver fazendo tratamento com indutores de ovulação.
Apesar de nunca ter visto pessoalmente nenhum caso de gêmeos gerados por uma mulher com pais diferentes, ele conta que presenciou um casal de mulheres que conseguiu. Como a mulher que ficaria grávida só tinha conseguido gerar um embrião, a equipe médica decidiu transferir também um embrião gerado a partir do óvulo da parceira, para aumentar as chances de sucesso do tratamento. Ambos acabaram se desenvolvendo.
É tipo ganhar na loteria
É difícil estimar as probabilidades da ocorrência de uma superfecundação heteropaternal. A liberação de mais de um gameta por ciclo menstrual não é algo incomum, dada a quantidade de gestações de gêmeos não idênticos, ou seja, dizigóticos que vemos por aí.
A incidência de gêmeos de qualquer tipo na população geral é de um a cada 80 partos. Já as chances de os gêmeos serem dizigóticos (bivitelinos ou "fraternos") dependem da idade da mãe (quanto mais velha, maiores as chances), do número de partos anteriores e de eventuais tratamentos para fertilidade, como explica o biólogo Jerry Borges, professor da Universidade Federal de Lavras (UFLA) e especialista em embriologia.
"Mulheres brancas têm, em média, um caso de gestação gemelar dizigótica em cada 100 partos. A ocorrência de gêmeos dizigóticos é mais rara em asiáticas (uma para cada 150 gestações) e mais comum em mulheres negras (uma em cada 79 gestações). Em certas áreas da África, inclusive, há um gestação gemelar em cada 20 partos", diz.
O médico ressalta ainda que há apenas 10% de chances de um óvulo ser fecundado no período fértil e só uma parte desses embriões consegue se implantar e se desenvolver. Ou seja: ter gêmeos de pais diferentes é quase como ganhar na loteria.
Dá para engravidar já estando grávida?
Além de existir a possibilidade de que uma mulher gere dois bebês de pais diferentes e um único período fértil, há casos descritos na literatura de mães que tiveram um óvulo fecundado mesmo já tendo um embrião em desenvolvimento no útero, o que faz com que os gêmeos tenham semanas de diferença gestacional.
Casos como esse, chamados de superfetação, são tão raros que tem especialistas que até questiona sua existência, segundo o professor da UFLA. Como explica Borges, após a fecundação, os hormônios femininos protagonizam uma verdadeira ação orquestrada para evitar uma nova gestação e proteger a que está em andamento.
Os casos de superfetação, portanto, seriam uma anomalia. Segundo o biólogo, o fenômeno já foi reportado em diversos animais, como texugos, panteras e alguns cangurus.
Em 2016, uma australiana contou em um programa de TV ter tido duas meninas que foram concebidas com dias de diferença. Com síndrome do ovário policístico, a mulher fazia tratamento para engravidar. O mais famoso de superfetação, no entanto, é da americana Julia Grovenburg, que em 2009 deu à luz duas crianças com duas semanas e meia de diferença.
O fenômeno pode ter relação com tratamentos para estimular a ovulação, capazes de interferir na fisiologia feminina, segundo pesquisadores que estudam o tema. Também pode ocorrer quando a mulher nasce com dois úteros.
Qualquer que seja o caso, envolve risco para os fetos e para a mãe, especialmente se uma das gestações ocorrer fora do útero, a chamada gravidez ectópica.
"É provável que haja fatores envolvidos no processo reprodutivo que ainda não compreendemos totalmente", acredita Borges, para quem os estudos com animais podem ajudar a desvendar esse mistério no futuro.
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