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O jeito mais rápido de esquentar a sua marmita pode ser esfriando; entenda

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Imagem: iStock

Vinícius de Oliveira

Colaboração para Tilt

05/01/2021 04h00Atualizada em 06/01/2021 15h28

Sem tempo, irmão

  • Estudante viu nos anos 60 que sob certas condições, sorvete mais quente pode resfriar mais rápido
  • Dois estudos do ano passado avançaram na teoria; um deles usou laser e vidro em testes
  • Estudar o fenômeno importa para melhorar processos de resfriamento na construção e indústria

Pense em duas marmitas: uma estava na geladeira e, a outra, em temperatura ambiente. Na lógica, ao serem aquecidas, a comida em temperatura ambiente ficaria quentinha antes da que estava gelada, certo? Mas pesquisadores sugerem que, com a técnica certa, resfriar um material pode ser a maneira mais eficaz de aquecê-lo depois. É o chamado Efeito ou Paradoxo de Mpemba, considerado controverso e contraintuitivo pela ciência.

Infelizmente, ainda não fizeram isso no nosso exemplo das marmitas. Mas dois estudos do ano passado avançaram na compreensão do misterioso fenômeno.

Um estudo de física assinado por dois pesquisadores israelenses e publicado na revista americana "Physical Review Letters" detalha os porquês. As conclusões podem ser importantes especialmente para a indústria, pois cientistas têm procurado meios de aquecer pequenas máquinas rapidamente.

"O estudo é uma perspectiva diferente de se pensar certos fenômenos, como o Paradoxo de Mpemba", diz o físico Andrés Santos da Universidade de Estremadura, em Badajoz, na Espanha, ao comentar a pesquisa realizada por Amit Gal e Oren Raz, do Instituto de Ciência Weizmann, em Rehovot (Israel).

Em determinadas condições, os cientistas já haviam observado que água quente congela mais rápido do que água gelada —o que caracteriza o Efeito Mpemba. O nome foi dado em homenagem ao estudante Erasto Mpemba, que viu o fenômeno pela primeira vez na Tanzânia em 1963 ao perceber que uma mistura de sorvete a 100 °C congelou antes que outra igual a 35 °C. Ele e um professor de física repetiram o fenômeno e publicaram os resultados da descoberta em 1969.

O efeito é bastante difícil de ser reproduzido constantemente e, por isso, os pesquisadores ainda não conseguiram descobrir o motivo de ele ocorrer. Eles usaram modelos simplificados para abranger o maior número possível de materiais e tentaram evitar o cálculo de variáveis materiais que poderiam interferir no processo.

Para isso, os físicos usaram um sistema teórico de mecânica estática chamado modelo de Ising. Trata-se de uma grade bidimensional de átomos com polos magnéticos apontando para cima ou para baixo. No estudo em particular, eles consideraram a versão do modelo em que os átomos vizinhos tendem a ter polos opostos. Isto é, enquanto o polo de um átomo aponta para cima, os polos dos átomos ao lado apontam para baixo. Esse comportamento é chamado de antiferromagnetismo.

Esta teoria permite observar como cada dupla de polos magnéticos se comporta se elas mudarem suas características de acordo com as variações externas de temperaturas. O que os pesquisadores constataram é que, neste sistema teórico, o aquecimento dos materiais pode ocorrer mais rápido se passar por um pré-resfriamento controlado.

Isto porque eles observaram que quando o material é resfriado primeiro, as características magnéticas podem sofrer alterações, mudando as propriedades do material e permitindo, assim, um aquecimento mais rápido.

Os cientistas também analisaram outras características do material teórico para entender o paradoxo, como a magnetização total do modelo de Ising, o número de polos apontados em direções opostas e se a temperatura se mantinha uniforme.

O segundo estudo sobre Mpemba de 2020 ocorreu em agosto e foi além nos experimentos práticos. Avinash Kumar e John Bechhoefer, da Universidade Simon Fraser em Burnaby, publicaram na revista Nature o teste com novos materiais.

Em vez de água, usaram pequenas gotas de vidro com 1,5 micrômetros de diâmetro cada. Cada conta representava o equivalente a uma única molécula de água. Um laser aqueceu cada conta para criar um potencial cenário energético. Enquanto isso, a conta era resfriada em um banho de água de verdade.

À medida que pesquisadores mediam a temperatura das contas, perceberam que sob certas condições, as contas que começaram mais quentes esfriaram mais rápido do que as mais frias, mas essa diferença de tempo variava. Algumas esfriaram em cerca de dois milissegundos, enquanto as contas mais frias levaram dez vezes mais tempo.

"Esta é a primeira vez que um experimento pode ser reivindicado como limpo e perfeitamente controlado que demonstra esse efeito", disse o químico teórico Zhiyue Lu, da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, ao site Science News.

Oren Raz, do Instituto de Ciência Weizmann, espera que outros físicos possam encontrar esse mesmo comportamento em outros materiais, como ligas metálicas. Se conseguirem, será útil para processos de resfriamento mais eficazes nos metais, o que teria aplicações diversas no ramo da construção e da indústria, por exemplo.

"As perspectivas são empolgantes", diz o físico Adolfo del Campo, do Centro Internacional de Física Donostia, também da Espanha. Há anos os cientistas procuram meios de aquecer pequenas máquinas rapidamente, seguindo as regras da mecânica quântica. Se o Efeito Mpemba puder ser explorado, diz ele, "será uma mão na roda".