De piada a exemplo: Wikipédia faz 20 anos dando aula de combate a fake news
Sem tempo, irmão
- Wikipédia, a enciclopédia livre, completa 20 anos nesta sexta-feira
- Presidente executiva da Fundação Wikimedia diz como fama da plataforma mudou
- Para editor brasileiro mais ativo, brigas nos bastidores ainda incomodam
Nesta sexta-feira (15), a maior enciclopédia virtual do mundo completa 20 anos. Nesse período, a Wikipédia foi de motivo de piada na escola —quem nunca foi repreendido por um professor por usá-la como fonte em um trabalho?— a um oásis de conteúdo confiável no deserto de fake news e teorias da conspiração que se tornou grande parte da internet.
Foi em 15 de janeiro de 2001 que Jimmy Wales e Larry Sanger colocaram no ar a primeira página da enciclopédia livre, que hoje é uma das dez mais visitadas do mundo, acessada por mais de 1,5 bilhão de aparelhos por mês.
Para Jimmy Wales, criador da Wikipédia, o constante aperfeiçoamento faz parte do DNA colaborativo da plataforma. "Nós nunca fomos tão ruins quanto diziam que éramos, nem somos tão bons agora quanto pensam que somos", diz Wales, em uma chamada de vídeo com Tilt. "As pessoas passaram a entender a Wikipédia e viram que, sim, qualquer um pode escrever, mas para uma edição sobreviver, precisa seguir muitas regras."
Para Katherine Maher, presidente executiva da Fundação Wikimedia, dona da enciclopédia virtual e outros projetos colaborativos na internet (como o banco de imagens sem direito autoral Wikimedia Commons e o dicionário Wiktionary), o segredo da sua credibilidade é a transparência.
"Sabemos que não somos perfeitos e nem sempre acertamos, mas somos muito sinceros a respeito disso", diz Katherine em entrevista a Tilt. "Nos descrevemos como um trabalho em andamento e dizemos que a Wikipédia não é uma fonte confiável. Mas nossa sinceridade e esforço para melhorar são valorizados pelas pessoas. Isso faz com que as pessoas confiem em nós mesmo quando erramos."
Como nascem os verbetes
A ideia de que qualquer um pode escrever na Wikipédia sempre foi o fundamento para as críticas que a plataforma recebeu ao longo dos anos. Em um episódio da série de comédia "The Office", o gerente incompetente Michael Scott (Steve Carell) diz que ama a Wikipédia porque "qualquer um pode escrever o que quiser sobre qualquer assunto, então você sempre sai com a melhor informação possível". O que é verdade.
Antes tratada como piada, essa natureza colaborativa acabou se provando mais efetiva contra notícias falsas, rumores e teorias da conspiração do que o poder centralizador dos algoritmos do Google, Facebook e Twitter, que ainda pouco conseguem fazer para impedir que mentiras se espalhem como verdades.
A Wikipédia tem hoje mais de 55 milhões de artigos em mais de 300 idiomas, editados por mais de 280 mil voluntários ao redor do mundo. O conteúdo da enciclopédia é editado 350 vezes por minuto e a maior parte dos casos de vandalismo —quando alguém edita deliberadamente um verbete para suprimir uma informação relevante ou para "efetivar" uma mentira— são resolvidos em menos de cinco minutos, segundo dados da Fundação Wikimedia.
Hoje em dia, o processo de edição de um artigo é mais complexo do que muita gente imagina. Para começar, desde outubro de 2020 não é mais possível apresentar uma edição sem ter uma conta cadastrada na enciclopédia. Antes, qualquer um poderia sugerir alterações anonimamente, mas, para combater o vandalismo eleitoral, a comunidade de editores da versão em português da Wikipédia decidiu exigir o "crachá" de quem quisesse mexer nos artigos.
Para criar uma conta na Wikipédia, basta ter um nome de usuário e uma senha —nem endereço de email é obrigatório, o que respeita a privacidade dos usuários mas também tende a facilitar o trabalho dos vândalos.
Mas enquanto edições simples, como a eliminação de uma palavra ou uma correção ortográfica, podem ser feitas e publicadas rapidamente, as mais complexas, como exclusão de parágrafos ou alterações no título, precisam passar por debates pelos membros da comunidade.
Democracia em vertigem
Vitor Mazuco é um desses colaboradores voluntários da Wikipédia lusófona. O paulista de 27 anos é um dos brasileiros mais ativos na comunidade, com mais de 2.400 artigos criados e 270 mil edições feitas. Sua primeira grande contribuição, aos 14 anos de idade, foi em 2008: ele criou, praticamente do zero, o artigo em português a respeito da cantora canadense Avril Lavigne.
Desde então, se apaixonou pelo caráter colaborativo da Wikipédia e passou e se envolver com outros assuntos e projetos da Wikimedia. Chegou a encontrar o próprio Jimmy Wales numa convenção para colaboradores na Itália em 2016, que reuniu os editores mais ativos do mundo inteiro.
Mais do que colaborar com o conteúdo, ele também colabora no "parlamento" da Wikipédia: o espaço de discussão onde os editores mais experientes debatem mudanças polêmicas em artigos. "Há muitas brigas editoriais dentro do site, principalmente quando o assunto é política", diz Vitor, em conversa com Tilt.
"Por exemplo o nome do artigo sobre a ditadura militar de 1968. Muitos dizem que não foi ditadura, foi 'um ato político'. Outros dizem que foi ditadura, mas não tão dura, foi uma 'ditabranda'. Já participei de muitas brigas assim", afirma o empreendedor. "É muita briga, muita confusão, é um pouco desgastante. É muito, muito democrático. É cansativo."
Há até casos de corrupção, como compra de votos em debates sobre alterações em artigos, grupos que se organizam para manipular votos e vencer discussões na base do conchavo. Só não tem partido político (ainda). Mas o resultado quase sempre acaba justo para a maioria, segundo Vitor, e o usuário comum não vê nos verbetes toda a treta que levou à decisão sobre o título de um artigo polêmico, por exemplo.
Aprende, Facebook
Informações incorretas e enviesadas ainda passam aqui e ali na Wikipédia; afinal, como qualquer democracia, esta não é perfeita. Mas para Katherine Maher, o sistema da enciclopédia virtual é mais eficiente que a seleção de conteúdo por algoritmos nas redes sociais ou do que a cegueira de mensageiros como o WhatsApp quando o assunto é o combate às fake news.
"Nós somos uma organização sem fins lucrativos, então temos incentivos e estruturas muito diferentes de outras organizações. Não tentamos manter você no site o máximo de tempo possível, não mostramos a você conteúdo gerado por algoritmo", diz a executiva.
"O que tentamos fazer é ter certeza de que você tenha a informação de que precisa e que ela seja o mais precisa possível. Acho que há muito [na Wikipédia] o que outras plataformas podem aprender sobre como confiar nas pessoas e como construir essa confiança no longo prazo", diz a presidente executiva da Fundação Wikimedia.
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