Topo

Acordo do Google com jornais na Austrália abre possibilidades no Brasil

Estúdio Rebimboca/UOL
Imagem: Estúdio Rebimboca/UOL

Guilherme Tagiaroli

De Tilt, em São Paulo

19/02/2021 15h33

Sem tempo, irmão

  • Projeto de lei australiano quer que plataformas paguem por conteúdos de veículos jornalísticos
  • No Brasil, um dispositivo do PL das Fake News determinava algo parecido, mas foi removido
  • Mídia e governo na Austrália defendem projeto; no Brasil, presidente fala em "tirar jornais de circulação"

Enquanto o projeto de lei da Austrália em torno das big techs movimenta diversos países em torno da valorização das notícias e de uma remuneração obrigatória para veículos de jornalismo, no Brasil o presidente Jair Bolsonaro fala em "tirar jornais de circulação". Não é fácil fazer o debate caminhar por aqui, mas especialistas ouvidos por Tilt relatam avanços.

De forma resumida, a lei australiana, que ainda não foi nem promulgada, determina que grandes plataformas de tecnologia paguem editores por notícias compartilhadas. O Google anunciou acordos com mais de 20 grupos de mídia no país, enquanto o Facebook promoveu um "apagão", restringindo links de veículos jornalísticos do país em todo o mundo.

Para Marcelo Rech, diretor da ANJ (Associação Nacional dos Jornais), a movimentação australiana provocou resultados promissores, porque fez o Google recuar e anunciar um grande acordo de três anos com a News Corp, principal grupo de mídia da região e dono de títulos como "The Times" e "The Wall Street Journal".

Não se sabe o valor exato do contrato, apenas que ele envolve "somas significativas". Mas ele é uma virada de página na briga histórica entre a gigante das buscas e os editores. "Isso mostra que o Google e o governo australiano perceberam a importância e a relevância estratégia de um ecossistema de comunicação forte e saudável", disse Rech.

Essa é uma tendência que deve prevalecer. A atitude do Facebook, na direção oposta, foi muito mal vista por diversos setores da sociedade. Ao reagir à lei australiana derrubando links de notícias, aumentou o debate em torno da prevalência da desinformação e do valor da mídia tradicional.

A Austrália estabeleceu um novo patamar e fez "falta cair a ficha" sobre o jornalismo ser "um elemento essencial para a vida em sociedade", ressalta Rech. "No Brasil, as plataformas produzem uma 'poluição social' como efeito colateral. São as 'bolhas de rancor'. Quem faz essa limpeza hoje são os veículos de informação. É o jornalismo profissional que checa, verifica e tem pluralidade."

O que falta por aqui, acredita ele, é uma mobilização de governo, veículos de imprensa e sociedade em torno de uma legislação. O máximo de discussão que tivemos aconteceu no ano passado em torno do PL das Fake News. A versão do projeto de lei do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) trazia um dispositivo que previa a remuneração de veículos de mídia, mas ela caiu na versão final.

Desde então o assunto está "adormecido", afirma José Renato Laranjeiras, diretor do Lapin (Laboratório de Políticas Públicas na Internet), uma entidade que apoia o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a regulação das tecnologias digitais.

"Na Austrália, imprensa e governo estão jogando no mesmo time. Aqui, você não consegue imaginar, por exemplo, Globo e Bolsonaro indo enfrentar as plataformas", afirmou Pedro Burgos, professor de jornalismo e inovação do Insper.

Foi isso que fez a empreitada australiana dar frutos: a iniciativa partiu do governo, que teve força para aguentar a pressão das grandes empresas de tecnologia. Houve também um esforço da News Corp, um dos grupos de mídia mais poderosos do mundo, comandado pelo bilionário australiano Rupert Murdoch.

Embora estejamos longe de um cenário como o australiano, o Brasil é considerado um país estratégico para a maioria das plataformas e isso pesa a nosso favor. O Google deve estender a remuneração para a mídia de outros países, se antecipando a avanços na regulamentação. Ao mesmo tempo, o Facebook já nos colocou na lista de países que receberão uma aba de notícias para destacar conteúdos pagos.

"Aparentemente, o Google se antecipou a essa discussão para evitar exposição de risco econômico e inibir uma regulamentação que poderia ser ainda mais rígida", disse Sydney Sanches, presidente da Comissão de Direitos Autorais da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

Para ele, veículos de imprensa e plataformas precisam uns dos outros, por isso é natural que haja uma reorganização da relação entre as partes. "O Google vive da informação que os outros postam na internet e ganha dinheiro com isso. Então, tem de haver algum tipo de contrapartida. Isso aconteceu no passado com a música digital, logo toda essa movimentação é uma readequação ao tempo", defende.

Mas nem todos vêem as coisas assim. A ideia de que plataformas paguem por links de veículos jornalísticos é criticada por ninguém menos que Tim Berners-Lee, considerado o "pai da internet" por ter criado o protocolo WWW (World Wide Web).

Em carta direcionada ao congresso australiano, ele diz que "a capacidade de linkar livremente —ou seja, sem limitações sem relação ao conteúdo do site vinculado e sem taxas— é fundamental em como a web opera".

Burgos também vê com reservas a criação de uma lei para financiar o jornalismo.

"Acho ruim que empresas de mídia se coloquem como vítimas. Elas deveriam mostrar o valor delas, e não acharem que a importância do jornalismo é algo dado", afirmou.

O professor considera pouco óbvio que a maioria da população escolha um site de notícias ante Google e Facebook, e compara com a reação que houve quando a Uber chegou ao Brasil —na época, tentaram impor limites na quantidade de veículos e conceder privilégios aos táxis.

É por aí que passa o argumento do grupo de Mark Zuckerberg. "Ao contrário do que muitos sugerem, o Facebook não rouba conteúdo de notícias. Os editores optam por compartilhar seus artigos", disse Campbell Brown, responsável pelas parcerias da plataforma com a imprensa. "Desde encontrar novos leitores até ganhar novos assinantes e gerar receita, as organizações de notícias não usariam o Facebook, se isso não ajudasse em seus resultados financeiros."

O problema é que, ao contrário da prevalência da Uber, essa opção por uma nova tecnologia atinge em cheio o direito a informações de alta qualidade. Também fica difícil imaginar que o Facebook (e o WhatsApp) siga tão popular se virar o reduto das teorias da conspiração... ou das fotos de gatos.