Novos apps e mais fake news: o que aprendemos com o apagão do Facebook
O "apagão" temporário de links jornalísticos no Facebook na Austrália, que ocorreu na semana passada, evidenciou dois lados do consumo de notícias via redes sociais —num cenário que pode se repetir em outros lugares do mundo. Por um lado, o app do site australiano "ABC News" subiu para o primeiro lugar dos mais baixados da App Store local no dia seguinte ao bloqueio, mostrando que parte das pessoas deu um jeito de ir atrás do noticiário. Do outro, quem depende de planos de telefonia pré-pagos com redes sociais ilimitadas ficou de vez no "escuro".
A briga entre Facebook e governo da Austrália se arrasta há meses e começou por conta de uma lei para obrigar grandes empresas de tecnologia a negociar uma remuneração pelas notícias que aparecem no seu feed ou buscador. Para resolver o conflito, a Austrália aceitou flexibilizar a mediação mandatória entre as big techs e agências de notícias, e o Facebook voltou atrás na remoção dos links. O novo código foi aprovado nesta quinta-feira (25).
Mas, ao reagir à lei australiana derrubando o acesso a páginas jornalísticas, a rede social provocou efeitos colaterais sérios dentro e fora do país. Além de dificultar o acesso dos australianos a informação de qualidade, afetou links de sites governamentais e de serviços públicos e impediu que pessoas de fora da Austrália lessem a mídia local —outros países da Oceania consomem bastante esses conteúdos.
Quem pode... pode
O "ABC News" imediatamente liderou o ranking da App Store no país depois do bloqueio —segundo dados da consultoria StatCounter, dispositivos Apple têm uma divisão de mercado de mais de 50% por lá. Um sinal de que parte da população consegue prescindir do Facebook para se informar.
Embora não haja detalhes sobre número de downloads, o app do grupo de mídia australiano conseguiu superar por pelo menos um dia outras propriedades do Facebook, como Instagram, Facebook Messenger e WhatsApp.
A tática da publicação foi incluir um banner em seu site que dizia: "Sente falta de nossas notícias no Facebook? Tenha acesso às últimas notícias e notificações com o app ABC News".
Quem não pode... se sacode
O problema é que, como acontece no Brasil, parte importante dos australianos prefere pagar mais barato e opta por planos de celular pré-pagos, cujo atrativo é oferecer acesso a apps muito populares, como Facebook, sem gastar o pacote de dados. Isso quer dizer que, para essa fatia da população, custa muito achar outras fontes de informação.
Já vimos um fenômeno parecido por aqui. A prática, chamada de "zero rating", foi alvo de críticas em 2018, quando a eleição presidencial foi dominada por desinformação. A notícia chegava por WhatsApp, mas era impossível clicar no link que a acompanhava, porque o pacote de dados tinha acabado. Virou rotina ler apenas o título, sem poder checar a informação no Google ou procurar outra fonte.
Quem chamou a atenção para isso foi a pesquisadora Yasodara Córdova, da Digital Kennedy School, da Universidade de Harvard (EUA). Em entrevista à BBC Brasil na época, ela explicou que o debate em torno das fake news precisava passar pelo acesso à internet e o consumo por meio de apps.
"Isso influencia como as pessoas recebem e entendem as notícias", disse. "Quando você vê uma notícia no Facebook e não entra nela, acaba lendo só um link com o título. No jornal ou no site, tem a contextualização toda, que é muito importante."
O lado bom é que os planos pré-pagos viabilizam e ampliam o acesso gratuito à internet, principalmente para a parcela de baixa renda. Mas, quando acaba a franquia ou há um bloqueio em relação aos links disponíveis, o "apagão" é profundo e propicia um cenário cada vez mais tóxico nas redes sociais.
Usando o Crowdtangle, uma ferramenta de análise do Facebook, o jornal "The Guardian" comparou os links mais acessados relacionados à covid-19 e vacinas antes e depois do bloqueio na Austrália. A mudança foi clara: antes predominaram páginas verificadas ou de órgãos do governo, com um ou dois links com conteúdo potencialmente enganoso. Depois, subiu para cinco publicações com informações falsas.
Ao mesmo tempo, conteúdos de agências de checagem, como a AAP (Australian Associated Press), não puderam ser acessados via Facebook nesse período.
Mesmo com acesso a toda à internet, ressalta a pesquisadora, as pessoas não costumam clicar em links —então é como cortar um último fio de esperança de que uma história falsa possa ser checada.
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