ANÁLISE
Clubhouse fez barulho, mas mercado de apps de áudio vai muito além disso
Felipe Germano
Colaboração para Tilt
04/03/2021 04h00
Se você ainda não ouviu falar sobre o Clubhouse, o aplicativo do momento que coloca você nas mais descoladas salas de bate-papo do planeta, é bom se atualizar. E "bate-papo", aliás, em um sentido tradicionalíssimo.
A rede é focada em conversas por áudio. E pode ser a mais nova prova de que o presente já é dominado pelos aplicativos centrados em sons. É curioso notar também que essa explosão de popularidade pode ser mais um sintoma do que uma causa. Apps de áudio já prometem fazer barulho há um tempo.
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Bem-vindo ao Clube
O Clubhouse foi criado com o objetivo de "construir uma experiência social que parecesse mais humana — onde, em vez de postar, você pudesse se reunir com outras pessoas e conversar, disseram os fundadores da rede Rohan Seth e Paul Davison, em uma carta pública para usuários e investidores.
Alguns talvez discordem de que essa essência humana tenha sido alcançada. Mas não dá para negar a sua popularidade. Até fevereiro, o Clubhouse contava com 2 milhões de pessoas — o app só funciona em dispositivos da Apple.
"Fizemos coro com as pessoas, e o app cresceu rápido nos últimos 10 meses. De um punhado de testadores passamos para uma rede", afirmaram os fundadores no documento.
No Brasil, o número de fãs na plataforma é um mistério. Perguntada por Tilt sobre ele, a assessoria do Clubhouse respondeu que a empresa não separa usuários por região. "Podemos confirmar que o app tem crescido bastante e, de acordo com rankings, o aplicativo está entre os mais baixados do Brasil", acrescentou. A plataforma na loja de apps da Apple brasileira já foi baixada 94 mil vezes.
Dá para entender esse sucesso. O app trouxe pessoas que rendem conversa (mesmo que seja para discordarmos diametralmente). Elon Musk deu entrevistas na rede, Boninho conversou sobre BBB com anônimos e, claro, você pode entrar numa sala de conversa para esbarrar com Anitta, ou Ashton Kutcher.
Escuta essa
A popularização dos áudios nas plataformas da internet era inevitável. Ela já vinha pingando há anos, mas não parava de pé. Nem mesmo Steve Jobs conseguiu bancar a parada. Em 2005, o então presidente-executivo da Apple cravou que os podcasts seriam "A nova geração do rádio", e que a sua empresa ia colocar o formato no centro do mundo. Um ano depois diminuiu o tom "A qualidade entre eles varia muito... mas são legais de ouvir."
Não dá para culpar Steve. "Há 20 anos atrás era absolutamente impossível termos plataformas de áudio funcionando da forma que temos hoje", afirma o professor Rodrigo Porto, fundador e coordenador do grupo de pesquisa de telecomunicações sem fio da UFC (Universidade Federal do Ceará).
"A tecnologia tem um papel importantíssimo na popularização desses serviços. Sem o 3G, 4G ou 5G não seria possível ouvir áudios com tanta mobilidade. Esse cenário só mudou com a ideia de banda larga móvel, que hoje está em quase todo celular", completa.
"Deu para transformar o celular em um radinho de pilha que acompanha a gente por todo lado", brinca Porto.
É por isso que os bastiões da internet eram, até pouco tempo atrás, ferramentas de texto. Publicações no Twitter possuem milhares de kilobytes a menos do que uma música. Nossos celulares não dariam conta do recado de bom dia, com oito minutos de duração, como é comum já há alguns anos.
Mesmo quando davam o resultado não era o ideal. "Acabava que uma coisa freava a outra. Quem desenvolvia um app sobre música, via que o áudio ficava falhando, lento, logo desistia. Isso, ao mesmo tempo, diminuía a demanda por essa tecnologia, que ninguém sabia que queria", destaca o professor.
É por isso que redes que focavam em música, e não necessariamente em áudios. A prova disso é a estratégia de plataformas como o Spotify e Soundcloud de disponibilizar o download como forma de usar os apps nas ruas. Baixar a música garantia uma qualidade difícil de encontrar no ônibus. Pouco a pouco, pense bem, cada vez menos a gente precisou salvar os sons em aparelhos. A internet deu conta.
Quem sacou essa mudança de rumos, investiu no barulhão que essa indústria poderia fazer.
Quem escuta, amigo é
Nesse cenário, fica fácil entender que o Clubhouse teve um sonoro impacto no mundo dos aplicativos — mas ele não está solo; faz parte de um belo coral. Há dezenas de ferramentas focadas em áudio espalhados por aí. Cada uma, do seu jeitinho, esperava sua hora chegar.
A mais recente é a do Twitter, chamada Spaces. Ela foi lançada na terça-feira (2) para pessoas que usam celulares Android. O funcionamento é parecido com o do Clubhouse: usuários podem conversar por meio de áudios, podendo ingressar em salas de bate-papo via link compartilhado nos tuítes e mensagens diretas.
Já o Riffr, por exemplo, é uma espécie de Twitter de sons. Lá, você publica gravações que tenham entre cinco segundos e três minutos. Já o capiche.fm serve para quem quer apresentar um programa de rádio ao vivo.
Um dos mais interessantes, no entanto, deve ser o Cappuccino. O app serve como um cafuné auditivo. Você grava mensagens contando sobre seu dia e envia para amigos. Mas eles não recebem imediatamente, o áudio chega uma vez por dia, na hora que o destinatário escolher.
Todas as mensagens que ele recebe são unidas numa só gravação, acompanhado por uma trilha tranquila. É um podcast personalizado e exclusivo para você.
"Muitos aplicativos permitem que usuários enviem áudios. Mas eles não percebem que a experiência é geralmente mais conveniente para o remetente", afirma Olivier Desmoulin, criador do app Cappuccino. "Para o destinatário, pode ser irritante. Você recebe uma notificação, não é fácil verificar o conteúdo da mensagem."
Se você se empolgou, no entanto, talvez tenha que ouvir uma má notícia: os menus do aplicativo não estão traduzidos, pelo menos por enquanto. "Nós planejamos adicionar outras línguas em breve, e o português está na nossa lista", afirma Desmoulin.
Ouça com atenção!
Mas nem tudo, claro, são rosas. Quando o assunto é tecnologia, sempre é bom ficar com a pulga atrás da orelha. Se eles já tinham acesso aos nossos dados e ideias, agora também podem ter mais facilidade de ter nossas vozes — Ok, Google, isso pode ser um problema.
"Sabemos que as empresas vivem dos nossos dados e metadados, daquilo que informamos e dos nossos comportamentos nesses ambientes digitais", ressalta Rodrigo Aragão, pesquisador do laboratório de linguagem e tecnologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Áudios do Clubhouse, por exemplo, já foram reproduzidos fora da plataforma, o que não deveria ter sido permitido. Além disso, há uma questão social em jogo. A tecnologia nos torna cada vez mais acessíveis, e não necessariamente isso é sempre bom.
"Isso tem uma relação também com a precarização do trabalho. A tecnologia acaba possibilitando até uma vigilância do trabalhador", completa Aragão. É o famoso "Oi", do chefe, depois das 21 horas.
Ouviram do Ipiranga?
Esses conselhos e dicas, valem receber atenção principalmente por aqui no Brasil. Somos apaixonados por sons, somos uma cultura falante. Logo, não surpreende em nada termos plataformas nacionais que valorizam o áudio.
Nosso maior sucesso é o Audlist, uma rede social onde você é praticamente proibido de escrever. Não há limite mínimo ou máximo nos áudios que você posta. Até fotos são permitidas, mas texto mesmo? Só na legenda. Quem quer comentar na foto do coleguinha tem que botar a bota no microfone.
"A ideia de criar a Audlist veio pela falta de um aplicativo que trouxesse aspectos sociais a conteúdos de voz. O Podcast é uma ferramenta muito legal, mas solitária. É difícil para o criador de conteúdo conseguir feedback, e pro ouvinte, interagir", conta a Tilt Guilherme Nigri, co-fundador e presidente-executivo do aplicativo.
A ideia agora é surfar no Tsunami que está sendo o Clubhouse, para tentar pescar não só audiência, como grana. Grandes apps movimentam toda a indústria e seus similares são inevitavelmente impactados. Pode ser um bom sinal para o Audlist que, desde o ano passado já figura em listas gringas de apps-para-baixar. E tem se expandido para o mundo.
Sem revelar números, Nigri afirma que a ferramenta tem usuários principalmente no Brasil e Estados Unidos, mas também no Japão, Inglaterra e Índia.
"Infelizmente ainda não temos a mesma capacidade de investimento de alguns apps internacionais, mas ficamos muito felizes de ver que o nosso trabalho vem sendo reconhecido e os usuários estão gostando da plataforma", afirma o executivo.
No fim, você ainda vai ouvir falar muito de Clubhouse e primos (mais ricos ou mais pobres) dele. O som não vai embora tão cedo do seu celular. "Faz mais de um século que Graham Bell inventou o telefone. De lá pra cá, a gente quase parou de usar ele para falar, e agora, finalmente ele está voltando", conclui o pesquisador Aragão. De volta para o futuro.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL