Cade investiga Google no Brasil por exibir pedaços de notícias na busca
Enquanto na Austrália as grandes plataformas já avançam para acordos com veículos jornalísticos para remuneração de notícias, aqui no Brasil o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) ainda investiga o Google por exibir snippets nas buscas — um box que destaca no topo da página um resumo da resposta para aquilo que você pesquisa.
Esses snippets podem ser vistos, por exemplo, quando você busca "vacina" ou "Palmeiras". Ao clicar em "Todas as Notícias", além de links, aparece uma parte importante da reportagem —em alguns casos, quase o texto todo.
O processo começou em julho de 2019, por iniciativa do Cade, como consequência de um outro: em 2018, o Buscapé alegou que o Google copiava os preços levantados por ele e incluía no Google Shopping, o que desestimulava o acesso direto ao site original. O caso foi arquivado, porque o Cade não encontrou provas de que os clientes eram prejudicados, mas uma conselheira do órgão notou que coisa parecida poderia estar acontecendo com a exibição das notícias.
Até dezembro, o Cade ouviu as partes envolvidas, como Google, ANJ (Associação Nacional dos Jornais) e diversos sites jornalísticos, para saber se o Google abusa da posição de líder ao exibir esses trechos —o Facebook não é citado no inquérito.
Ainda não há resultados ou previsão para o caso avançar, mas a ANJ, que representa dezenas de publishers no país, já se manifestou dizendo que a gigante das buscas deve pagar por esses conteúdos mostrados nos snippets, porque a ferramenta desestimula o clique nos autores originais e favorece que a pessoa fique cada vez mais dentro do Google.
De modo geral, os sites jornalísticos geram receita com assinaturas e banners exibidos em suas páginas. "Se não há clique no site, você não tem tráfego e não ganha dinheiro de anúncio com o conteúdo", afirmou o advogado Márcio Bueno, que representa a ANJ no processo.
Isso quer dizer, segundo a entidade, que "o Google compete efetivamente por anúncios e absorve verbas publicitárias pela reprodução de conteúdo jornalístico sem a devida remuneração como contrapartida".
O Google diz que tem cooperado com o Cade, mas ressalta que os sites decidem se querem aparecer na busca e no Google Notícias. A empresa defende que apoia o jornalismo em duas frentes principais:
- ao direcionar mais de 24 bilhões de acessos mensais a sites jornalísticos no mundo todo, o que "ajuda editores a aumentarem o número de leitores e a obter receita por meio de anúncios"
- ao criar ferramentas como o Destaque (ou Google News Showcase, lá fora) --aqui o Google paga por conteúdos que aparecem no app Google Notícias, em alguns casos sob paywall (conteúdo só para assinantes).
Está previsto que a companhia invista US$ 1 bilhão nos próximos três anos em pagamentos diretos a veículos jornalísticos via Destaques, no mundo todo. No Brasil, essa modalidade está disponível desde outubro para 36 veículos (que cobrem 17 estados e o Distrito Federal), incluindo o UOL, além de uma ferramenta para facilitar assinaturas de sites, chamada de "Assine com o Google" (a publicação fica com 95% do valor, enquanto o Google fatura o restante).
A ANJ sustenta junto ao Cade que essas medidas são "claramente insatisfatórias" diante dos "abusos que a plataforma digital pratica a partir de sua posição monopolista".
"Embora seja um positivo reconhecimento de que deve remunerar a produção jornalística, o recente programa do Google de pagamentos por algumas notícias de alguns veículos tem valor meramente simbólico, além de ser limitado, excludente, discriminatório e com critérios obscuros", diz. Sobre isso, o Google argumenta que "os acordos foram negociados e aceitos individualmente" pelas publicações e que os critérios são globais e estão detalhados nos contratos assinados.
O que a ANJ quer é a remuneração por meio de um Termo de Compromisso de Cessação (TCC), que prevê:
- que todos os veículos jornalísticos interessados sejam tratados igualmente;
- que o Google não use esses acordos para impor condições que não a remuneração pelo uso das notícias;
- que haja boa-fé, transparência e a maior objetividade possível para a condução das negociações;
- que haja obrigatoriamente remuneração ou contrapartida para os veículos de notícias.
A discussão de regulação de grandes empresas de tecnologia foi desencadeada por uma lei australiana, que acabou aprovada neste mês, mas tem ocorrido em diversas partes do mundo. No caso do jornalismo, a crítica é que companhias como Google e Facebook detêm entre 70% e 80% das receitas de publicidade, enquanto o restante é disputado por todos os veículos de imprensa.
O assunto é importante, pois sem um ecossistema jornalístico saudável, há ameaças à democracia e disseminação de notícias falsas. "As práticas de grandes plataformas têm levado a um enfraquecimento constante e até o desaparecimento da imprensa profissional", disse Marcelo Rech, presidente da ANJ. "Imagine ter de lidar com uma pandemia sem o jornalismo profissional: foi a imprensa que fez a contenção da desinformação com checagens e verificações".
O Brasil ainda não tem uma legislação específica para essa relação entre plataformas e grupos de mídia, como o que ocorreu na Austrália.
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