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Em meio a golpe e corte de internet, população em Mianmar denuncia mortes

2.mar.2021 - Policiais entram em confronto com manifestantes na cidade de Kale, em Mianmar, durante protesto contra o golpe militar - STR/AFP
2.mar.2021 - Policiais entram em confronto com manifestantes na cidade de Kale, em Mianmar, durante protesto contra o golpe militar Imagem: STR/AFP

Bruna Souza Cruz

De Tilt*, em São Paulo

11/03/2021 12h51

Desde que o exército assumiu o controle político de Mianmar, no dia 1º de fevereiro, os residentes do país enfrentam sérios problemas com apagões diários de internet. A junta militar que está no comando vem cortando o acesso como forma de tentar impedir a mobilização popular.

Sete manifestantes morreram só nos protestos de quarta-feira (10), 60 já foram mortas no total desde o golpe, segundo a agência de notícias AFP. Mais de 2 mil pessoas foram presas.

Mesmo com os cortes de internet, denúncias da repressão violenta sofrida pelos manifestantes pró-democracia estão sendo compartilhadas nas redes sociais. A #WhatsHappeninglnMyanmar (O que está acontecendo em Mianmar, na tradução livre) passou a ser usada como forma de denunciar os abusos.

Mianmar foi declarado em estado de emergência no começo do mês passado. Membros do até então governo, como o presidente WinMyint e a ativista Aung San Suu Kyi, vencedora do Prêmio Nobel da Paz em 1991, continuam presos.

Prisão virtual

As interrupções na conexão do país começaram por volta das 3h (horário local) da manhã do dia 1º de fevereiro, segundo a organização não governamental de direitos digitais NetBlocks, que monitora "apagões" e quedas de internet. E elas seguem desde então, oferecendo aos resistentes do país uma espécie de prisão virtual. A média tem sido de 8h de bloqueio de internet por dia.

O período da noite é o mais afetado. De acordo com os gráficos publicados pela Netblocks, os cortes começam entre 18h e 19h. Algumas pessoas passaram a recorrer à ferramentas VPN (redes privadas virtuais) para contornar a censura.

"Confirmado: a Internet foi desligada em #Myanmar pela 25ª noite consecutiva, a partir da 1h de quinta-feira, horário local. Os dados da rede mostram conectividade nacional em até 13% dos níveis normais. Os cortes das duas noites anteriores duraram 5,5 horas, em vez das 8 habituais", afirmou a empresa em seu perfil no Twitter, que tem divulgado as oscilações na conexão do país.

Nas primeiras horas da queda do dia 1º de fevereiro, o nível de conectividade no país chegou a 75%. Perto das 8h daquele dia, os acessos à rede registraram cerca de 50%. De acordo com o levantamento, o corte afetou vários serviços estatais.

"[As] descobertas preliminares [indicam] um mecanismo centralmente ordenado de interrupção visando o celular e alguns serviços de linha fixa, progredindo ao longo do tempo", descreveu a organização no Twitter na época.

A jornalista Aye Min Thant, que já trabalhou na agência de notícias Reuters, publicou alguns relatos em seu perfil no Twitter no mês passado. "A internet está entrando e saindo. Meu cartão SIM não funciona mais", contou.

"Também descobri que fui desconectada do Signal, Telegram etc. durante a noite. Não consigo fazer login novamente porque não consigo obter um código de verificação devido ao desligamento do serviço de celular", acrescentou.

No dia 3 de fevereiro, a organização NetBlocks registrou que o Facebook (super popular na região), Instagram, Messenger e alguns servidores WhatsApp estavam restritos em Mianmar a partir do acesso do provedor de internet estatal MPT. As restrições também estavam entrando em outras operadoras de internet. No dia 28 de fevereiro, o Facebook baniu perfis de militares do país de suas plataformas.

Essa não é a primeira vez que Mianmar sofre apagão de internet. Partes do país tiveram um grande corte em junho de 2019, no que foi apelidado de "maior desligamento da internet do mundo" pela Human Rights Watch, organização internacional não governamental de direitos humanos.

Um levantamento recente mostrou que ao longo de 2020 houve 93 grandes apagões de internet distribuídos em 21 países (e Mianmar é um deles). O mais grave é que a suspensão no serviço foi adotada pelos próprios governos. Ao todo, segundo a empresa de segurança digital Top10VPN, responsável pelo estudo, foram 27.165 horas sem conexão e 268 milhões de pessoas afetadas pelo mundo.

As medidas restritivas representaram uma alta de 49% em comparação a 2019. Os bloqueios na internet fazem parte de estratégias de governos autoritários para limitar o fluxo de informação no país e reprimir a liberdade da população. A vasta maioria das interrupções aconteceu em resposta a protestos ou a momentos de agitação civil, como épocas de eleições.

Golpe militar em Mianmar

Os militares do país tomaram o controle depois que a Liga Nacional para a Democracia (NLD) venceu as eleições gerais. O partido é liderado pela ativista Aung San Suu Kyi, que foi presa junto a outros membros da NLD. Ela é acusada, segundo a junta militar, de corrupção ao ter recebido subornos no total de US$ 600.000, além de 11 quilos de ouro.

Depois da ação, milhares de pessoas foram às ruas em protesto, que seguem desde então. A internet é uma das principais formas de mobilização e registros de provas de violentas repressões. O vice-presidente de Mianmar, Myint Swe, assumiu a presidência interina.

O embaixador chinês na ONU (Organização Mundial das Nações Unidas), Zhang Jun, defendeu ontem que é preciso diálogo em Mianmar. Pela primeira vez, o Conselho de Segurança aprovou uma declaração condenando a violência na região.

A ONG Anistia Internacional denunciou uso de armas de guerra contra manifestantes pró-democracia e "execuções extrajudiciais". A organização observou vídeos de protestos e constatou que o exército te musado "força letal de forma planejada, premeditada e coordenada".

A próxima audiência do julgamento de Aung San Suu Kyi está prevista para 15 de março.

*Com informações das agências de notícia AFP e Reuters.