Bomba alimentar: como seria se só comêssemos ultraprocessados?
Sem tempo, irmão
- Aumento de doenças levaria a sobrecarga do sistema de saúde
- Pequenos produtores entrariam em extinção e teríamos novo êxodo rural
- Produção de lixo aumentaria com o descarte cada vez maior de embalagens de plástico
A não ser que você faça uma dieta extremamente restrita, é provável que tenha esbarrado recentemente em um tipo de comida tido por muitos especialistas como os maiores vilões da alimentação nos dias de hoje: os ultraprocessados.
Segundo o Nupens (Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde), da USP (Universidade de São Paulo) —uma das ferramentas mais usadas no meio científico para avaliar a qualidade de uma dieta— os alimentos ultraprocessados são aqueles feitos com substâncias de uso exclusivo da indústria de alimentos, com pouco ou quase nenhum ingrediente "real", só artificiais.
São refrigerantes, comidas congeladas de grandes marcas, biscoitos, barras de chocolate, sorvetes e por aí vai. Aqui você encontra uma lista mais completa. Geralmente são alimentos de consumo prático, feitos para a "vida moderna", em que muitas vezes não há tempo ou disposição para cozinhar.
Mas o que aconteceria se todo nós comêssemos somente ultraprocessados?
Vida nada saudável
O impacto mais notável seria na qualidade de vida das pessoas. Na literatura científica há mais de 400 artigos publicados mostrando que esse tipo de alimento é um grande inimigo do nosso corpo.
Os ultraprocessados tendem a ter características nocivas para uma dieta saudável, como maior percentual de gordura total e saturada, maior teor de açúcar livre, maior densidade energética (calorias por volume de alimento), menor concentração de fibra e menor percentual de proteína.
Por isso, eles estão associados ao desenvolvimento de obesidade, diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares como infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral, alguns tipos de câncer, asma em adolescentes, depressão, síndrome do colón irritável, e muito mais. E a lista de riscos continua crescendo.
Comida que vicia
Como o nome deixa claro, alimentos desse tipo passam por um processamento extremo, de maneira que as matérias-primas perdem completamente as características originais. O resultado disso é que a comida fica totalmente sem estrutura, sabor, cor e cheiro.
A indústria, então, coloca nessa gororoba aditivos para efeitos cosméticos, como corantes, estabilizantes, emulsificantes, realçadores de sabores e aromatizantes. São aqueles nomes estranhos de produtos químicos no rótulo do salgadinho.
O problema aqui é que esses ingredientes tornam esses alimentos hiperpalatáveis e viciantes. Isso explica porque você dificilmente vai conseguir comer só uma batatinha frita e parar. No fim, você acaba ingerindo muito mais calorias do que precisa sem perceber.
Sistemas de saúde sobrecarregados
Em tempos de pandemia tivemos uma boa noção do que significa ter um sistema público de saúde sobrecarregado. Agora imagine a população inteira de um país (ou do mundo) sofrendo com doenças decorrentes do consumo exclusivo de alimentos ultraprocessados.
Teríamos mais pessoas morrendo a cada ano, reduzindo a expectativa de vida média dos seres humanos. Haveria também impactos econômicos significativos: com mais pessoas doentes, a produção nos mais variados setores cairia, levando a crises e gerando um ciclo de mais pessoas doentes com um poder aquisitivo cada vez menor.
Planeta também sofre
Nós já falamos aqui sobre como variações no consumo de carne geram efeitos no ambiente. Aqui, além da relação com as chamadas pegadas de carbono, hídrica e ecológica, o consumo de alimentos ultraprocessados tende a gerar mais lixo —o plástico de embalagens, por exemplo.
O processo produtivo também é danoso ao ambiente. Por demandarem ingredientes comuns, como açúcar e óleos vegetais, fabricar esses alimentos acaba sendo um estímulo às monoculturas voltadas ao "alto desempenho", com uso intenso de agrotóxicos, fertilizantes químicos e água.
Se a alimentação do planeta inteiro se baseasse em alimentos ultraprocessados, é bem provável que pequenos e médios agricultores seriam praticamente extintos, resultando em um enorme êxodo rural, maior aglomeração nas cidades e intensificação da pobreza.
O segredo é diversificar
É claro que esse cenário caótico leva em conta uma situação improvável, que é a substituição completa da dieta de toda a humanidade. Mas mesmo no estágio de consumo atual, há necessidade de reforçar um aspecto de toda e qualquer dieta saudável: o equilíbrio.
Isso quer dizer que você não precisa abrir mão de uma "besteira" de vez em quando, mas especialistas recomendam que, na maior parte do tempo, as pessoas se alimentem com comida "normal", incluindo verduras, legumes e frutas.
Essa é a melhor forma de se aproveitar os prazeres que os alimentos ultraprocessados oferecem sem que, para isso, você precise colocar a sua saúde em risco.
Fonte:
Renata Bertazzi Levy, doutora em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP) e nutricionista pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC Campinas)
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