Fim dos cookies: navegadores deixam de te rastrear, mas já existe plano B
Sem tempo, irmão
- Google decretou fim do suporte a cookies de terceiros e diz que não vai substituí-los por rastreadores individuais
- Sites podem passar a exigir seu e-mail para continuarem te rastreando pela web, diz pesquisador da EFF
- Possível substituto do cookie também pode concentrar poderes nas mãos do Google
O Google decretou recentemente o "fim dos cookies" e avisou que não vai substituir essa tecnologia por outro tipo de rastreador online individual. Seu navegador, o Chrome, é o último a abolir de vez os cookies de terceiros que perseguem as pessoas pela web desde a década de 1990.
Cookies são pequenos arquivos que servem para te rastrear na internet, ou seja, para registrar dados da sua navegação como os sites que você visitou, as palavras que digitou, o que pesquisou e até por onde seu mouse passou: praticamente tudo que você fez naquela janela.
Para quem não aguenta mais ser recebido com uma bandeja de cookies toda vez que acessa uma nova página da internet, a posição do Google parece trazer boas notícias, mas, para especialistas em privacidade digital ouvidos por Tilt, pouca coisa deve mudar na prática.
Segundo Bennett Cyphers, pesquisador da EFF (Electronic Frontier Foundation), organização sem fins lucrativos que atua em defesa dos direitos civis no mundo digital, é possível que, em vez de pedir para aceitar cookies, muitos sites passem a exigir seu email ou outras formas de identificação individual para continuar te rastreando pela web.
"Não acho que seja um passo adiante na luta por privacidade. Quando muito, só vai irritar ainda mais as pessoas. Eu diria que é um passo para o lado", diz Cyphers.
O que está rolando
Em janeiro de 2020, o Google anunciou que o Chrome, navegador mais usado do mundo, não teria mais suporte a cookies de terceiros, seguindo os passos dos concorrentes Firefox, da Mozilla, e Safari, da Apple.
Os cookies ficam armazenados no navegador (você pode e deve apagar sempre que quiser) e servem para traçar o seu perfil, ajudando sites a entender quais anúncios eles devem te mostrar.
Essa tecnologia de rastreamento existe desde os primórdios da internet comercial, lá na década de 1990, mas só nos últimos anos começou a ser alvo de maior escrutínio. É por isso que desde que entrou em vigor no Brasil a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), em 2020, todo site que você acessa te interrompe com uma janelinha perguntando se você aceita ser rastreado por cookies —uma exigência da nova lei que dá, em teoria, mais controle ao cidadão sobre o que acontece com seus dados na internet.
Enquanto os cookies do tipo "first-party" só te acompanham dentro do site em que foram programados, os cookies de terceiros (ou "third-party cookies", em inglês) vão te seguir por todos os cantos da internet.
O Google Chrome vai encerrar o suporte a cookies de terceiros em 2022, mas não aos first-party cookies. Por conta disso, você que não aguenta mais pedidos de "aceita cookies?" não deve parar de se irritar tão cedo.
O que vem depois dos cookies
"É uma iniciativa interessante deixar de rastrear as pessoas individualmente", diz Barbara Simão, coordenadora de pesquisa em privacidade e vigilância no InternetLab, organização brasileira que, como a EFF nos Estados Unidos, defende direitos civis no mundo digital. "Mas temos que ter um pouco de cautela."
O receio da pesquisadora tem a ver com a proposta de tecnologia que pode substituir os cookies e que tem sido vista com bons olhos pelo Google: os Flocs (Aprendizagem federada de grupos, ou Federated Learning of Cohorts, na sigla em inglês), uma espécie de rastreador que promete não identificar as pessoas de forma individual.
Assim como os cookies, os Flocs registram seu comportamento na web, mas apenas dados anônimos —como o seu idioma e modelo de celular, nada que te identifique pessoalmente. Essas informações então são anexadas a um grupo de pessoas com interesses semelhantes. Os dados desses grupos seriam então oferecidos aos sites e empresas de marketing, mas nenhuma informação individual, como seu email, telefone ou endereço, seria compartilhada.
O Google vê os Flocs com bons olhos, especialmente porque já tem acesso a um grande volume de dados anônimos a nosso respeito. Não seria tão difícil para a empresa te acertar com anúncios personalizados para o seu "rebanho", mesmo sem um identificador individual. "Um modelo desses premia quem tem uma boa base de conhecimento", disse a Tilt uma fonte próxima do assunto que não quis se identificar.
É essa concentração de poder nas mãos do Google que preocupa especialistas em privacidade digital. "As pessoas ainda podem ser classificadas de maneira discriminatória, ou de maneiras que não correspondem com o que elas desejam ser classificadas", destaca Simão. "É preciso saber, na prática, que mecanismos de controle as pessoas terão sobre os Flocs."
Até as autoridades americanas estão preocupadas. Segundo a agência de notícias Reuters, investigadores do Departamento de Justiça dos Estados Unidos estão apurando se o Google está usando o Chrome, que tem 60% do mercado global de navegadores de internet, para reduzir a concorrência, evitando que empresas de publicidade rivais rastreiem usuários por meio dos cookies.
Seu e-mail como rastreador
Empresas de marketing também falam em trocar os cookies por outro identificador individual, como o email. Dessa maneira, sites passariam a pedir seu e-mail antes de te deixar entrar para saberem exatamente quem você é e cruzarem seus dados com aqueles que eles já têm. O Google disse que não apoia a ideia de trocar um rastreador individual por outro, mas a empresa não pode proibir sites de pedirem seu e-mail.
É possível até que as duas propostas sigam em frente. No futuro, sites podem passar a exigir login para te identificarem individualmente na internet e, paralelamente, recebam do seu navegador informações sobre a que grupos de interesse você pertence, por meio dos Flocs.
Para Bennett Cyphers, da EFF, o problema é estrutural. "Firefox e Safari já acabaram com cookies e não colocaram nada no lugar. O Google é a única empresa que não vai acabar com suporte aos cookies de terceiros sem antes inventar uma nova maneira de continuar te rastreando", diz o pesquisador.
Para ele, a única maneira de preservar a indústria da publicidade e a privacidade digital ao mesmo tempo é acabar com o modelo de anúncios baseados em comportamento. Sites poderiam exibir apenas propagandas genéricas destinadas a um público-alvo mais amplo, sem a necessidade de direcionamento personalizado. "É como jornais de papel e TV sobreviveram durante décadas", diz.
Mas se depender de Google, Facebook e outras gigantes da web, esse futuro não deve chegar tão cedo. O suporte aos cookies de terceiros no Chrome termina em 2022 e a empresa espera encontrar, até lá, um substituto.
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