Topo

Por que planetas da Via Láctea podem ter mais água do que pensávamos

Getty Images
Imagem: Getty Images

Roger Marzochi

Colaboração para Tilt

20/03/2021 04h00

Sem tempo, irmão

  • Estudo sugere que outros planetas da Via Láctea também têm água
  • O elemento estaria presente na formação da Terra desde o início
  • Poeira composta por carbono e gelo teria formado o nosso planeta
  • O mesmo pode ter acontecido com planetas em zonas habitáveis

O nosso planeta é chamado Terra, mas bem que poderia se chamar água, porque o líquido cobre cerca de 70% da superfície dele. Mas não somos os diferentões do Universo nesse quesito. Um estudo publicado na revista Science Advances sugere que o elemento também existe em outros planetas da Via Láctea, e em maior quantidade do que se supunha.

"É certamente possível que planetas que circundam outras estrelas possuam oceano", afirma a Tilt o professor Anders Johansen, do Centro de Formação de Planetas e Estrelas do Globe Institute, da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, que liderou o estudo.

De acordo com a pesquisa, a água já estava presente na formação da Terra desde o seu início, e o mesmo teria ocorrido com Vênus e Marte. Isso pode ter se repetido com diversos exoplanetas —mundos que circundam outras estrelas que não o Sol— desde que estejam na chamada zona habitável, na qual a distância da estrela permite temperaturas nas quais a água pode se manter em estado líquido ou sólido.

De acordo com o estudo, baseado em modelos matemáticos, os grãos de poeira milimétricos de carbono e gelo que circundavam o Sol teriam dado início à formação da Terra. Quando o planeta alcançou 1% de sua massa atual, o gelo teria começado a derreter.

Johansen explica que os cientistas hoje conseguem ver essa nuvem de seixos ao redor de estrelas jovens — como os que existiam há 4,5 bilhões de anos e que formaram a Terra —e que há grande possibilidade de que a água esteja sempre presente na formação planetária assim como esteve na Terra.

Jorge Meléndez, professor do IAG/USP (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo), explica como é possível que a água venha do gelo nos estágios iniciais do crescimento do protoplaneta. Segundo ele, parte da água vai se perder no processo de desenvolvimento do planeta, mas uma fração se mantém no interior dele, e pode vir a ser liberada posteriormente.

"Se o envelope do interior do planeta for frio o suficiente, a água poderia sobreviver à passagem para a superfície, e se a atmosfera primária tivesse as condições adequadas, parte poderia ser retida pela atmosfera. Também, com o esfriamento da estrela, existiriam melhores condições para preservar a água", explica o astrônomo da USP.

A nova teoria sugere ainda que os seixos forneceriam uma quantidade fixa de água aos planetas, diferente do que diz a teoria clássica da formação dos planetas, segundo a qual a água teria surgido na Terra em razão de impactos de asteroides e cometas.

"Esses impactos (de asteroides e cometas) seriam muito aleatórios e a quantidade de água poderia então variar de basicamente nada a 10-100 vezes mais do que na Terra. Os seixos, por outro lado, sempre entregam uma quantidade semelhante à da Terra", afirma Johansen.

Meléndez afirma que o estudo tem implicações importantes em relação à presença de água em exoplanetas, pois abre a possibilidade de que a água seja muito comum na Galáxia. "A novidade do estudo é que, sob as condições impostas nos cálculos, é possível que boa parte da água já tenha sido parte dos blocos fundamentais que formaram a Terra", explica.

Na sua opinião, o modelo proposto pelo Globe Institute é interessante, mas não exclui necessariamente os modelos que propõem que a água foi trazida depois por impactos de asteroides. Segundo Meléndez, é possível que uma fração da água tenha sido agregada no processo descrito pelo estudo, enquanto outra veio com a colisão de asteroides.

Para Johansen, essa nova abordagem científica pode revolucionar as pesquisas sobre a existência de vida extraterrestre.

"Se nossa teoria de acréscimo de seixos estiver correta, então os planetas na Via Láctea com a mesma massa da Terra deveriam ter a mesma quantidade de água que a Terra. Essa pode ser uma boa notícia para a busca de vida em outros planetas, já que sabemos que a Terra possuía condições ótimas para a origem da vida na superfície", diz.

Com isso, as atenções se voltam aos novos equipamentos de observação do Universo que estão sendo construídos e que podem resolver essa questão. Para o professor dinamarquês, o novo telescópio espacial James Webb talvez possa detectar vapor de água na atmosfera de planetas semelhantes à Terra.

A quantidade de água e continentes poderão ser observados com o Extremely Large Telescope (ELT), que está sendo construído no Chile. Este telescópio será capaz de ver a emissão de planetas semelhantes à Terra em torno de outras estrelas e medir como a luz refletida do planeta varia conforme o planeta gira.