Jovens viram "detetives" no Facebook à caça de pessoas do seu passado
Sem tempo, irmão
- Criado em março de 2020, o "Share Your Quarentena" tem 140 mil membros
- Nasceu com o intuito de unir universitários em isolamento na pandemia
- Virou espaço de reencontro de familiares, amigos de infância e primeiro amor
- Pode postar de meme a histórias de vida, só não vale ser contra o isolamento social
Para quem entrou em um curso superior durante a pandemia, a sonhada vida universitária ainda não tem data para começar. Universitários que estão nesse barco, os estudantes Luiza Borges e Anderson Santos, de 22 e 24 anos respectivamente, criaram o grupo "Share Your Quarentena" (ou compartilhe a sua quarentena, em tradução livre) no Facebook. Com o tempo o espaço se tornou um canal de "detetives" que ajudam a reencontrar pessoas que fizeram parte da história dos membros do grupo.
O grupo começou em março de 2020 com o objetivo de ser um espaço para que jovens, com mais tempo livre, postassem memes, enquetes e seus anseios durante o isolamento social. Hoje, com cerca de 140 mil integrantes e aumento orgânico de aproximadamente 500 novos usuários por semana, gera uma corrente de solidariedade para buscar de familiares e amigos de infância até o primeiro amor de algum de seus participantes. O grupo é privado; para participar dele é preciso submeter um pedido à moderação.
De volta para minha terra
Foi navegando dentre memes que Laura Gomes, 22, conseguiu achar o paradeiro da sua família paterna. Há 51 anos, o pai da jovem, Jair Francisco, havia deixado o Paraná para tentar a sorte em Santos, no litoral paulista, e desde então perdeu o contato com os familiares.
Em agosto do ano passado, ela postou uma foto antiga do pai e um documento com os nomes dos avós. Pediu ajuda aos integrantes do grupo para articular o reencontro. "Seria o presente mais legal que eu poderia dar para o meu pai", escreveu.
Uma menina identificada como Luciana respondeu à postagem, dizendo que as histórias que sua mãe contava tinham semelhanças com a história do pai de Laura.
Mais tarde, ambas descobriram serem de fato primas. Com a ajuda de Luciana, Laura soube que o avô paterno —já falecido— era uma pessoa difícil, o que fez com que todos os filhos saíssem de casa e perdessem contato com os irmãos.
Por fim, o grupo proporcionou um reencontro familiar, ainda que virtual: por chamada de vídeo, Jair Francisco reviu seus irmãos, José Francisco, Luis Francisco e Ademir.
Embarque nesse carrossel
Luísa Meireles, 22, também postou uma foto antiga da sua infância no grupo, ao lado de colegas da escola, detalhando lembranças que tinham do período e na esperança de encontrar os antigos coleguinhas. O post recebeu milhares de comentários e muitas pessoas apareceram para ajudar.
No final, a jovem conseguiu encontrar duas meninas presentes na foto, Marina Moranduzzo e Juliana Moura, e confirmar o nome de uma terceira criança, que se chama Júlio.
"Eu me senti muito nostálgica quando encontrei essas pessoas. Ver como seguimos caminhos diferentes e poder conversar com elas hoje foi muito legal. Essa movimentação solidária são os melhores posts do grupo", comentou Luísa.
Meu primeiro amor
Leonardo Zampiroli, hoje com 22 anos, tinha apenas 14 quando se apaixonou pela primeira vez. Todos os dias ele ia de casa para a escola e esbarrava no menino dos seus sonhos, que nem desconfiava do interesse do rapaz.
"Era de segunda a sexta, sem falta. Eu fazia questão de fazer tudo correndo para sair cedo e encontrá-lo. Isso durou um ano inteiro", conta.
Zampiroli nunca teve coragem de declarar seu amor platônico ao pretendente. Com o tempo, ele passou a não ver mais o moço com tanta frequência no caminho para a escola, até que deixou de vê-lo completamente.
O jovem conta que anos depois reencontrou o primeiro amor; o coração acelerou, mas faltou coragem para falar com ele. Na esperança de acabar com o aspecto platônico desse amor, ele decidiu contar a sua história no "Share Your Quarentena". Descreveu as características físicas do menino que ele gostava, porque nem o nome dele ele sabia.
Os "detetives" do grupo tomaram para si a missão de achar o primeiro amor de Leonardo. Mais de 20 pessoas moveram montanhas para achar o moço.
O rapaz foi encontrado e estava solteiro, mas infelizmente só gostava de meninas. Apesar da frustração, com a ajuda do grupo, Leonardo pode dar um fim a uma angústia que o seguia por anos.
Aqui tem diretoria
Segundo Luiza Borges, uma das criadoras do grupo, o sucesso do grupo se deu por ele ter virado uma espécie de refúgio para jovens com muito tempo livre e isolados nas suas casas. A ideia do "Share Your Quarentena" foi inspirada em grupos semelhantes do Facebook que antes da pandemia costumavam fazer publicações de festas e recomendações de lugares para sair.
No grupo, vale postar meme, pedir ajuda para reencontrar o/a crush, contar piada, compartilhar até receitas de bolo. Só não vale postagens contrárias ao isolamento social.
Logo no topo do "Share Your Quarentena" há uma postagem fixa informando sobre as normas de aprovação das publicações e integrantes. Tudo o que é postado passa antes pela moderação de Luiza Borges e Anderson Santos. Posts desrespeitosos ou que estimulem desrespeito à quarentena são deletados.
Em média, a dupla tem cerca de 100 publicações para serem moderadas por dia, além de mais de 10 mil pedidos para integrar o grupo. Ainda assim, a graduada em gestão de políticas públicas Laís Hilário, 22, conta que algumas coisas sempre acabam passando do controle da moderação.
"Já passei muita raiva pela falta de noção de alguns integrantes que dizem não se importarem com a pandemia, duvidando da doença e defendendo a negligência do presidente [Jair Bolsonaro]", diz a jovem.
Ler as histórias de vida compartilhadas e postagens engraçadas tem feito os dias da estudante de medicina, Ana Flávia, 24, menos tediosos. "Encontrar pessoas com os mesmos anseios que eu e na mesma condição que a minha foi muito legal, pois o pessoal fazia humor com a situação chata de estar em casa", diz.
Enfim, os refrescos
Por causa do sucesso alcançado pelo grupo, o "Share Your Quarentena" fez uma parceria com a campanha "Somos Mais Juntos", do próprio Facebook, que incentiva a reunião de públicos da rede social com interesses em comum. Além disso, os moderadores já fecharam "publis" por lá com empresas de bebidas.
Foi por causa do grupo que Luiza Borges recebeu uma proposta de emprego para integrar a equipe do Umatch, aplicativo de relacionamento para jovens universitários. "Essa oferta de trabalho ocorreu porque enxergamos nela uma qualidade profissional excelente", declarou Bruno Adami, cofundador e chefe-executivo da companhia.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.