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Mulheres cientistas já podem registrar licença-maternidade no Lattes

Professora Eugenia Zandonà, pesquisadora da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) - Acervo pessoal
Professora Eugenia Zandonà, pesquisadora da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Imagem: Acervo pessoal

Janaina Garcia

Colaboração para Tilt

16/04/2021 12h41Atualizada em 19/04/2021 15h58

A Plataforma Lattes, que guarda currículos de pesquisadores de todo o país, passou a conter, a partir da quinta-feira (15), uma seção na qual mulheres poderão indicar seus períodos de licença-maternidade. A medida permite que cientistas que tiveram filhos não tenham registradas pausas ligadas à produção acadêmica — situação que poderia prejudicá-las na disputa por bolsas de pesquisa, por exemplo.

Nomeada "Licenças", a nova seção, de preenchimento opcional, é resultado de uma mobilização de cientistas brasileiras iniciada em 2017, em Porto Alegre (RS), com o movimento Parent in Science (do inglês, "Pais na Ciência").

Em 2018, no primeiro Simpósio Brasileiro Sobre Maternidade e Ciência, uma carta foi assinada por 34 entidades de ciência em prol da especificação da licença. O documento foi encaminhado em janeiro de 2019 ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que cuida do banco de dados da Plataforma Lattes e só agora implementou a mudança.

Para Fernanda Staniscuaski, 40, uma das coordenadoras do Parent in Science, a inclusão da licença-maternidade é uma conquista que não esgota outras demandas. "Iniciamos uma revolução, mas ainda estamos longe de completá-la: eu diria que é uma conquista muito mais simbólica", avalia.

Mas a luta continua

Bióloga, professora da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e mãe de três filhos, Fernanda Staniscuaski defende que universidades e agências de fomento à pesquisa levem em conta a nova seção do Lattes para analisar a produtividade de acadêmicos, e assim, conceder bolsas e projetos de pesquisa de forma mais justa.

Atualmente, o número de artigos publicados por uma pesquisadora é condição essencial para aprovação em editais de projetos de pesquisa, concursos públicos e progressão de carreira.

"Temos dados recentes produzidos nos EUA indicando que, em média, de 15% a 45% das publicações de pesquisadoras são afetadas nos primeiros anos de vida de seus filhos", aponta a coordenadora do Parent in Science.

Já a extensão da licença-paternidade, implementada em algumas instituições acadêmicas, ainda não foi pedida ao CNPq, embora esteja na mira do grupo.

Esse é o reconhecimento de um fator que sempre esteve na nossa vida: por muito tempo nós, pesquisadoras mulheres, estivemos na invisibilidade; agora é seguir na luta pelo cumprimento dessa regra e pelas políticas de apoio que ainda faltam
Fernanda Staniscuaski, professora da UFRGS

A bióloga e pesquisadora Eugenia Zandonà, 41, tentou sem sucesso renovar a bolsa do CNPq no começo deste ano. O órgão disse a ela que o período de análise de cinco anos em sua produção, comparado ao período anterior, estava aquém do esperado.

Ela sinalizou, já nesta semana, as licenças em seu currículo Lattes. Ela define como "uma grande conquista", mas para ela há muitos outros passos ainda a serem adotados para diminuir a distância de oportunidades entre homens e mulheres na área acadêmica.

"A maternidade mudou minha vida positivamente, à medida que me trouxe um nível de compreensão do mundo diferente, com uma mudança de prioridades, mas, como pesquisadora, infelizmente a maternidade ainda é um obstáculo para a progressão na carreira", afirma.

A luta dos cientistas negros

Em julho de 2020, uma pesquisa da Parent in Science revelou que o impacto da covid-19 na produtividade acadêmica havia sido maior sobre mulheres negras (com ou sem filhos) e mulheres brancas com filhos (principalmente com idade até 12 anos).

O percentual de mulheres docentes (8%) que conseguiu trabalhar remotamente não chegava à metade da taxa dos homens (18,3%). Se elas têm filhos, o percentual caía para 4,1%.

No recorte de raça, apenas 10,6% dos pesquisadores negros mantiveram atividades na pandemia, enquanto 11,5% de seus colegas brancos conseguiram isso. Analisando gênero e raça em conjunto, apenas 8,1% das mulheres negras conseguiram trabalhar — o índice foi de 8,2% entre mulheres brancas, de 14,1% entre homens negros e de 18,8% entre homens brancos.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que foi informado no texto, o dado de que 15% a 45% das publicações de pesquisadoras são afetadas nos primeiros anos de vida de seus filhos vem dos EUA, e não do Brasil. Além disso, a extensão da licença-paternidade ainda não foi pedida pela Parent in Science ao CNPq. O texto foi corrigido.