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Instalação de antenas 5G em São Paulo não anda por falta de lei

Andre Moura/Pexels
Imagem: Andre Moura/Pexels

Rosália Vasconcelos

Colaboração para Tilt

10/05/2021 04h00

Sem tempo, irmão

  • Lei obsoleta que regula construção de torres foi considerada inconstitucional
  • Prefeitura e Câmara tentam reverter a decisão do STF sobre o tema
  • Enquanto isso, projeto de lei sobre o tema está parado na Câmara
  • Teles dizem que há mais de 5 anos não se licencia antenas em São Paulo
  • Redes 5G exigem de cinco a 10 vezes mais antenas do que o 4G

A cidade de São Paulo pode ter problemas para instalar redes de 5G no futuro. Com o leilão da quinta geração de internet móvel previsto para este ano, a maior cidade da América do Sul ainda não conta com uma lei atualizada para a instalação da nova infraestrutura e engatinha para tentar resolver o impasse.

O problema é que para instalar as ERBs, ou estações rádio-base (antenas e torres que transmitem o sinal da operadora para o seu celular), as cidades precisam ter uma lei para isso. Afinal, elas podem interferir na comunicação, na paisagem e até na segurança das pessoas que vivem por perto. Nesse ponto, a lei paulistana se encontra num limbo jurídico.

A lei paulistana nº 13.756 (conhecida como Lei da Antenas), de 2004, foi considerada inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Em novembro de 2020, ficou decidido que a legislação estava ultrapassada e inviabilizava uma cobertura adequada de rede móvel, especialmente nos seus bairros periféricos —com implicações até na expansão do 4G.

Desde então, tanto a prefeitura quanto a Câmara Municipal de São Paulo têm entrado com recursos para reverter a decisão. Em abril, o STF já rejeitou dois deles, mas o Executivo e o Legislativo paulistano ainda não se deram por vencidos.

Em abril, a prefeitura entrou com um novo recurso e deve ser seguida pela Câmara, que quer que o assunto seja levado ao plenário do STF. Tudo isso, segundo especialistas ouvidos por Tilt, deve atrasar ainda mais o desfecho da novela que se arrasta por quase dez anos.

Imbróglio jurídico

A queda de braço entre o município e as empresas começou em 2013, quando a Telcomp (Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas) moveu uma ação contra a Lei das Antenas.

As empresas reclamavam de uma multa que a prefeitura cobrava, de até R$ 100 mil mensais por antena que não estivesse em conformidade com a lei. As teles afirmam que não conseguem atender às regras porque elas são incompatíveis com as novas tecnologias e com o tamanho da cidade.

A Telecomp conseguiu na Justiça uma liminar que garantiu o funcionamento das antenas por quase quatro anos. Em 2016, o caso foi levado ao STF.

Entre liminares e recursos, um projeto de lei foi colocado em tramitação na Câmara Municipal com o objetivo de adequar a regulamentação à nova realidade (o PL 751/2013, também conhecido como PL das Antenas).

O texto dele chegou a receber um substitutivo em julho do ano passado após o fim dos trabalhos da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) das Antenas, instaurada em 2019. Mas o documento nunca foi à discussão.

A "gambiarra" da prefeitura

Em agosto do ano passado, a prefeitura publicou um decreto para regulamentar instalações de emergência contra a pandemia de covid-19, e no meio do texto incluiu as mini-estações rádio-base (mini ERBs), que são estruturas primárias do 5G. Na falta de uma lei geral, isso resolveria parte do problema relacionado à nova tecnologia e, de quebra, ajudaria a ampliar a cobertura 4G na periferia.

"O decreto permite que os equipamentos sejam instalados diretamente em mobiliário urbano já existente, em postes de iluminação com cabos subterrâneos e postes multifuncionais, sem necessidade de aprovação (licença), apenas com cadastramento eletrônico junto ao município", informou a prefeitura em nota.

A Câmara, por sua vez, tentou suspender o decreto sobre as mini ERBs com um Projeto de Decreto Legislativo (PDL). Os vereadores dizem que a prefeitura não tinha competência para legislar sobre telecomunicações. Após pressões do setor, porém, o PDL acabou sendo retirado de pauta em fevereiro.

Embora o setor tenha comemorado o decreto da prefeitura, a expectativa é de que uma nova lei municipal que dê segurança jurídica às operações seja aprovada.

"Existem duas alternativas: ou a prefeitura se adequa à Lei Geral das Antenas (Lei Federal 13.116/2015) por meio de decretos, ou a Câmara Municipal aprova uma nova legislação. A aprovação de uma nova lei é o caminho mais seguro", defende o presidente da consultoria Teleco, Eduardo Tude.

Quem cala consente?

Por causa de todo esse impasse, já faz mais de cinco anos que não se consegue licenciar antenas em São Paulo, segundo a Telcomp. O relatório final da CPI das Antenas ressaltou a necessidade de uma nova lei, ao afirmar que as teles estão agindo de maneira irregular.

"As operadoras até constroem, mas não licenciam", diz o presidente da Telcomp, Luiz Henrique Barbosa. Na falta de uma lei de antenas, as empresas sobem torres usando o Código de Obras da cidade, que permite à prefeitura controlar e fiscalizar edificações da cidade e seus entornos.

Luciano Stutz, presidente da Abrintel (Associação Brasileira de Infraestrutura para Telecomunicações), diz que essas supostas irregularidades são "questionáveis". A Telcomp diz que a prefeitura deixa esse esquema passar por ficar em "silêncio".

"Como premissa para a construção de uma torre nova, a empresa se certifica de que o site (torre) atende às determinações da prefeitura. Após essa confirmação, apresenta-se o pedido à prefeitura. Se esta não se manifestar em 30 dias, usa-se o silêncio positivo permitido no município", diz a TelComp.

No fim de 2020, a prefeitura acumulava 1.300 pedidos para implantação ou regularização de 4G, segundo levantamento do sindicato das empresas de telecomunicações, a Conexis Brasil Digital. De agosto para cá, apenas os protocolos referentes às mini ERBs conseguiram ter algum encaminhamento.

Por que a lei envelheceu?

A Lei das Antenas prevê, por exemplo, que as estações rádio-base sejam instaladas:

  • Em terrenos com "habite-se" (documento da prefeitura que autoriza a construção);
  • Em vias com dez metros de largura;
  • Em áreas com oito metros de largura de dimensão;
  • A uma distância de 12 metros da via pública.

Essas regras são um problema diante da atual escassez de lotes enfrentada pela cidade de São Paulo.

Mesmo as mini ERBs, que podem ser instaladas no topo de prédios, precisam ter uma regulamentação bem definida, principalmente em áreas históricas da cidade e nas que são protegidas por leis ambientais.

"A legislação do município precisa falar de recuo, zoneamento, tratamento antirruído, definir os cuidados com a cidade, o tipo de licença, os documentos necessários para licenciamento", diz Luciano Stutz, da Abrintel.

Municípios como Santo André (SP) e Porto Alegre (RS), por exemplo, já conseguiram atualizar suas legislações e hoje estão entre as cidades que mais se destacam nesse quesito, segundo a associação de infraestrutura de telefonia.

Segundo o Conexis Brasil Digital, a tecnologia 5G exige um número de cinco a dez vezes maior de antenas que o 4G. Além disso, o 5G exige uma ampla instalação de rede de fibra ótica, e um rápido licenciamento permite a liberação de obras para criar estruturas pela cidade.

"O 5G vem para nos dar a possibilidade de ampliar o acesso à rede móvel, contribuir com a telemedicina e a construção de smart cities [cidades inteligentes]. Mas sem uma legislação que dê garantia legal às infraestruturas, nada disso será possível", disse Carlos Nazareth, presidente da Inatel.