Caro e mortal: como seria se toda a água doce do mundo fosse poluída?
O planeta Terra tem 70% da sua superfície coberta de água. Pode até parecer muito, mas apenas uma fração muito pequena disso (2,5%) é água doce e, teoricamente, própria para o nosso consumo.
Se considerarmos que a maioria dessa água (cerca 1,8%) está congelada nas calotas polares e em geleiras, sobra algo em torno de 0,6% do total do líquido presente na Terra para beber, tomar banho, cozinhar, plantar, colher, entre outras atividades essenciais para a existência da humanidade.
Aqui, encontramos um paradigma: apesar de ser essencial para a nossa vida, a atividade humana é a principal responsável por poluir as poucas reservas de água potável que nos restam.
Fica, então, a dúvida: como seria se todas as reservas de água doce fossem poluídas?
Sem sede, mas com gastos
Mesmo que as nossas reservas de água fossem comprometidas, hoje em dia há tecnologia suficiente até mesmo para transformar esgoto em água potável. Isso porque as técnicas para tratar a água têm evoluído consideravelmente.
Tecnologias como ultra e nanofiltração, processos oxidativos avançados e outras técnicas baseadas em mecanismos físico-químicos e biológicos têm sido desenvolvidas e permitem a remoção de um vasto espectro de poluentes da água.
Aqui, encontram-se dois problemas principais:
- O custo: Se feito em larga escala, o acesso à água potável tende a ficar consideravelmente mais caro, o que pioraria ainda mais a situação de regiões onde o recurso é mais escasso do que a média e de pessoas que já vivem em risco hídrico. Isso tornaria o recurso proibitivo para muita gente.
- Possíveis falhas: Uma vez que o abastecimento de água depende excessivamente do tratamento, qualquer falha no sistema, por menor que seja, pode comprometer de forma determinante o acesso ao recurso. Afinal, quanto mais complexa a água a ser tratada em relação ao tipo de poluente, mais barreiras são necessárias para garantir que a água tenha, ao final do tratamento, a qualidade desejada.
Afinal, o que é água poluída?
O conceito de poluição da água deve ser visto tanto do ponto de vista do equilíbrio ecológico quanto do uso que os seres humanos fazem do líquido.
No primeiro caso,, a água não pode estar poluída a ponto de impedir a sobrevivência dos organismos e gerar perda de biodiversidade. Um exemplo aqui são os rios Tietê e Pinheiros, em São Paulo, cujo nível de poluição nos trechos que cruzam a cidade os tornam "rios mortos".
Já no segundo, a água tem que reunir as condições ideias para ser consumida por nós, sem riscos. Não é porque a água de um rio é limpa, por exemplo, que não teremos problemas ao consumi-la sem qualquer tipo de tratamento. Essa mesma água, no entanto, pode servir para irrigar culturas agrícolas, por exemplo.
É importante salientar que mesmo fontes de água sem poluição causada por humanos terão características distintas dependendo das nuances de cada região, como tipo de solo, relevo e vegetação.
O conceito de poluição, portanto, depende dos potenciais impactos que a água poluída pode causar ao funcionamento dos ecossistemas e dos prejuízos ou limitações que ela pode impor às atividades humanas.
E a água salgada?
Outra opção caso as reservas de água doce do planeta fossem comprometidas seria recorrer à água dos oceanos. Para isso, há um processo chamado de dessalinização que consiste, basicamente, em remover o sal da água e torná-la própria para consumo.
Esse processo, porém, tem um custo bastante elevado — o que traria um problema sério de oferta, como já mencionamos —, alto gasto energético e produção considerável de resíduos. Em escala global, seria uma solução que traria na bagagem uma série de outros problemas.
O melhor a se fazer é preservar
Ainda que dificilmente a humanidade ficasse sem água, comprometer por completo as reservas de água doce traria uma série de consequências nefastas: vários prejuízos aos seres humanos, perda de biodiversidade e alterações significativas nos ecossistemas seriam algumas delas.
É importante lembrar que o tratamento de água deveria estar sempre como última opção caso tenhamos esgotado outras iniciativas para preservar a qualidade adequada do líquido.
Nesse aspecto, dentre as melhores práticas estão a preservação dos mananciais, por meio de:
- tratamento de esgoto;
- controle da expansão urbana e agrícola;
- iniciativas de reflorestamento de áreas degradadas.
Tudo isso evitaria que poluentes chegassem às águas e resolveria boa parte do problema na origem.
Outro ponto que merece atenção é o ciclo hidrológico, que inclui passagens como a evaporação da água, a formação de nuvens e a condensação dessa água que gera chuvas que alimentam rios e outros corpos d'água.
Ele é um ciclo fechado, que faz a quantidade de água se manter constante no planeta, porém ele acaba sendo afetado pelas mudanças climáticas, que aumentam a ocorrência de eventos extremos e geram desequilíbrio, fazendo regiões secas ficarem ainda mais secas, por exemplo.
Garantir a boa qualidade da água é uma questão de sobrevivência não apenas para os humanos e não depende apenas de iniciativas isoladas, mas passa por várias ações como preservar mananciais, recuperar áreas desmatadas, tratar esgoto antes de ele ser despejado da natureza e desacelerar a emissão de gases que provocam as mudanças climáticas.
Fonte:
Davi Gasparini Fernandes Cunha, professor do Departamento de Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo
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