Conhecimento de causa: elas criam primeiro banco de imagens só com negras
Sem tempo, irmão
- Batizado de YGB, o serviço foi todo desenvolvido por mulheres negras
- Banco surgiu da dificuldade de achar fotos de mulheres negras brasileiras
- Todas as imagens em formato pequeno podem ser baixadas gratuitamente
- Projeto espera firmar mais parcerias com marcas que investem em diversidade
Existe uma infinidade de bancos de imagens disponíveis na internet, gratuitos, pagos. Mas muitos deles escondem um grave problema: a falta de representatividade de pessoas reais, sem estereótipos.
A dificuldade para encontrar fotos de mulheres negras fazendo coisas do dia a dia, especialmente de mulheres negras brasileiras, nesses bancos de imagens despertou na publicitária e diretora de criação Joana Mendes, 35, o impulso de mudança durante uma conversa com uma colega de trabalho há quatro anos.
Foi a partir dessas reflexões que nasceu o YGB — o Young, Gifted and Black, ou jovem, talentosa e preta em tradução livre —, um banco que não só é composto por imagens de mulheres negras brasileiras mas é feito completamente por elas, da programadora que montou o plataforma às modelos que posam para as fotos.
A gente não é só modelo, né? A gente também é expertise
Joana Mendes, diretora de criação
A criadora do YGB conta que o projeto existe com o objetivo de mostrar toda a potência que as mulheres negras têm — daí o nome do banco, inspirado na música da cantora e ativista norte-americana Nina Simone.
O banco de arquivos tem firmado parcerias com empresas interessadas em atrelar suas marcas a essa proposta, e todas as imagens disponíveis na plataforma podem ser baixadas gratuitamente, desde que em formato pequeno. Se você precisar usar imagens maiores, os valores vão de R$ 75 a R$ 375, dependendo do tamanho.
Um respiro num universo machista e racista
Maria Rita Casagrande, 40, foi a desenvolvedora full stack (tipo de desenvolvedor que constrói todas as partes de um único projeto) que agarrou a missão de montar e colocar o banco de imagens YGB no ar. Trabalhar com o projeto foi um respiro nos 24 anos em que ela tem atuado como desenvolvedora, segundo a profissional.
À Tilt, ela relata como o racismo e o machismo a obrigaram a criar estratégias para conseguir trabalhos. Ela matem dois perfis profissionais: um em que ela é ela mesma, Maria Rita, desenvolvedora, mulher gorda e negra; e outro em que ela diz ser um homem branco.
"É onde eu consigo mais trabalho. Faço as entregas como elas devem ser feitas, mas as pessoas acham que estão recebendo de um homem (branco), então elas pagam (pelo trabalho) com alguma decência", diz.
Maria Rita disse ter chegado ao limite e que tem pensado cada vez mais em deixar de trabalhar com tecnologia.
A gente precisa, claro, romper as barreiras do racismo, do machismo e ocupar todos os espaços. Mas eu cansei de fazer isso sozinha. (...) Eu não quero mais trabalhar seis vezes para ganhar uma vez por causa da aparência que eu tenho
Maria Rita Casagrande, desenvolvedora full stack
O mundo da publicidade não é tão diferente do da tecnologia. A fotógrafa Camila Matias Tuon assina a maioria das fotos presentes no banco. Ela mantém uma empresa de direção criativa com uma sócia, a Cegê, e conta que as duas estão cansadas de ver sets de filmagem, equipes de fotografia e cargos de liderança compostos por homens brancos.
Tuon diz ainda que existe uma tendência crescente na publicidade de ter mulheres negras como protagonistas de campanhas, porque "a pele é linda, todo mundo quer ser preto e mostrar brasilidade, diversidade", mas no fim das contas só tem pessoas brancas nos créditos, "o mesmo pessoal de sempre da publicidade", completa.
"Somos duas mulheres pretas na direção para mudar um pouco dessa estrutura branca, machista", diz.
Foco no mercado publicitário
Se as primeiras fotos colocadas no YGB eram de Joana Mendes, da irmã dela e de uma amiga, feitas por uma fotógrafa que a criadora do projeto havia contratado com o dinheiro arrecadado em um financiamento coletivo, as últimas são resultado de uma parceria com as Havaianas, marca brasileira de sandálias conhecida mundialmente.
Maria Rita Casagrande acabou sendo chamada também para modelar na campanha publicitária. "Minha cara estava estampada no metrô de São Paulo, né? Então, foi bem grandioso e importante fazer parte disso".
Para isso, ela diz que precisou passar por cima de questões pessoais relacionadas ao seu corpo. Fazer parte do projeto significou não precisar se espremer em nenhuma peça ou se sentir envergonhada porque a maquiagem deixou seu rosto cinza ou com uma cara de palhaço, diz.
"Tudo é feito por pessoas muito próximas. Não muito próximas no sentido de que nós somos amigas, mas muito próximas na vivência", conta.
Quem assina as fotos da campanha é a fotógrafa Camila Matias Tuon. Para ela, trabalhar com uma marca brasileira, conhecida mundialmente, mostrando que as mulheres têm diversos corpos, com diversas tonalidades de pele, texturas de cabelo foi muito importante. "Tinha modelo magra, gorda, trans. Para a gente foi um presente", afirma.
Todas as fotos da campanha estão disponíveis para download no YGB. Isso foi possível graças a um acordo feito com as Havaianas em que a marca teria direito exclusivo sobre as imagens durante seis meses, depois disso, foi feito o upload no banco.
"Qualquer pessoa que vá usar essas fotos, também vai estar fazendo de alguma maneira uma publicidade para as Havaianas. Para eles é ótimo, o produto vai estar sempre rolando ali", explica Joana Mendes.
Ela acredita que fazer mais parcerias com empresas interessadas em atrelar sua marca à proposta do banco de empoderar mulheres negras brasileiras é o modelo de negócios que funciona para o banco de imagens, já que, embora disponível para todos, o YGB não aceita uploads de qualquer pessoa.
Segundo Joana Mendes, não daria para ter a certeza de que todas as pessoas envolvidas na produção das fotos foram mulheres pretas. "Já vi muita gente falando 'eu sou um fotógrafo branco e queria fazer foto de uma modelo negra', eu falo 'não é assim que funciona'", diz.
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