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Como funciona a terapia genética que fez um homem cego voltar a enxergar

Testes clínicos são realizados pela empresa de biotecnologia GenSight Biologics, sediada em Paris - GenSight Biologics/Divulgação
Testes clínicos são realizados pela empresa de biotecnologia GenSight Biologics, sediada em Paris Imagem: GenSight Biologics/Divulgação

Marcella Duarte

Colaboração para Tilt

31/05/2021 04h00Atualizada em 01/06/2021 10h22

Depois de viver 40 anos quase cego, um homem de 58 anos voltou a enxergar parcialmente graças a injeções de vírus em sua retina, luz pulsada nos olhos e óculos especiais. Foi o primeiro teste bem-sucedido da técnica chamada optogenética em humanos.

Na optogenética, flashes de luz são usados para controlar a expressão genética e a ativação dos neurônios. Amplamente usada em laboratórios para explorar circuitos neurais, hoje é tida como um potencial tratamento para dor, cegueira e distúrbios cerebrais.

O estudo foi publicado esta semana, na revista Nature Medicine.

Os testes clínicos, realizados pela empresa de biotecnologia GenSight Biologics, sediada em Paris, envolvem pessoas com retinite pigmentosa (RP) —uma doença degenerativa, hereditária, que mata as células fotorreceptoras dos olhos, levando à cegueira. Cerca de dois milhões de pessoas no mundo sofrem de RP.

Em uma retina saudável, são os fotorreceptores que detectam a luz do ambiente e enviam sinais elétricos, que depois são transmitidos ao cérebro. Eles formam o primeiro e talvez mais importante passo da nossa visão —se não funcionam, é fisicamente impossível enxergar.

Mas, com a terapia genética, há como "pular" as células que estão danificadas. Os pesquisadores injetaram um vírus (adenoassociado) inofensivo que foi modificado para transportar proteínas sensíveis à luz (extraídas a partir de algas) para estimular certas estruturas da retina em um dos olhos (aquele em pior estado) do paciente.

Depois disso, começou o tratamento com pulsos de luz, emitidos na retina. O olho reagiu, e o homem ganhou a capacidade de diferenciar a luz. Ainda não era capaz exatamente de enxergar e distinguir objetos ou cenas, mas conseguia saber se estava claro ou escuro.

Aí entraram os óculos realçadores de imagem. Como o nome diz, eles ajudam na definição das imagens, captando a informação visual do ambiente e otimizando-a para a detecção pelas proteínas geradas após o procedimento —que não têm o mesmo alcance da visão humana natural.

Estes óculos utilizam uma câmera para analisar as mudanças de brilho e contraste, e transformá-las, em tempo real, em um "céu estrelado", cheio de pontos de cor âmbar. Quando a luz desses pontos adentra o olho da pessoa, ativam as proteínas e fazem com que a retina envie sinais para o cérebro, que aí converte a informação em uma imagem.

O paciente treinou o uso dos óculos por diversos meses até que seu cérebro se ajustasse para interpretar os pontos corretamente e encontrar sentido no que via. Eventualmente, ele conseguiu visualizar cenas de alto contraste, como objetos em uma mesa ou uma faixa de pedestres.

Quando os cientistas examinaram sua imagem cerebral, tiveram uma boa surpresa: o córtex cerebral estava reagindo às imagens da mesma maneira que faria se ele tivesse uma visão normal.

Embora o paciente ainda não consiga enxergar sem os óculos, sua visão continua melhorando. Dois anos depois das injeções, ele tem utilizado o dispositivo por diversas horas ao dia. Seis outras pessoas já receberam as mesmas proteínas fotossensíveis, no ano passado, mas a pandemia de covid-19 atrasou as próximas fases dos testes.

O procedimento tem se mostrado seguro e com resultados permanentes —um enorme avanço na área.

As imagens que essas pessoas enxergam nunca terão a mesma resolução que a visão natural, que usa cerca de cem vezes mais fotorreceptores, mas é algo transformador para quem antes não via nada.

Há outras empresas pelo mundo focadas no uso da optogenética para tratamento da retinite pigmentosa e outros distúrbios de visão, como a Bionic Sight, de Nirenberg, que já testou uma técnica parecida, usando um headset de realidade virtual, em cinco pessoas — quatro delas recuperaram algum nível de visão.

Já a gigante farmacêutica Novartis está desenvolvendo um medicamento baseado em uma proteína diferente, que promete maior eficácia. Ambos ainda não divulgaram pesquisas.

Para que o tratamento seja amplamente utilizado, ainda é necessário fazer mais pesquisas, com mais pessoas, por mais tempo, e com doses mais altas das proteínas —que podem até dispensar o uso dos óculos.