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Sensação da pandemia: Como seria se gente vivesse sempre no mesmo dia?

Será que você enlouqueceria se tivesse a sensação de se viver em uma repetição? - Arte UOL
Será que você enlouqueceria se tivesse a sensação de se viver em uma repetição? Imagem: Arte UOL

Rodrigo Lara

Colaboração para Tilt

22/06/2021 04h00

Além de representar um enorme risco à saúde, a pandemia da covid-19 trouxe uma série de mudanças no nosso cotidiano. De uma hora para outra, boa parte das pessoas passaram a ficar em casa, o que mudou não apenas as relações de trabalho como a vida social. Um dos sintomas disso é a sensação de se viver em uma repetição.

É como se fosse um eterno "dia da marmota", em referência ao "Feitiço do Tempo", filme de 1993 em que o personagem de Bill Murray fica preso no mesmo dia. Logicamente há um certo exagero aqui, mas essa sensação de repetição abre espaço para uma pergunta: como seria se vivêssemos sempre presos ao mesmo dia?

Pessoas diferentes, experiências distintas

A primeira coisa que sentimos quando há um exagero na rotina é tédio. Isso acontece porque a mente humana anseia por novidades, seja para fins de entretenimento — e como forma de, ao menos por alguns momentos, desligar da realidade — ou de vivenciar novas experiências e, por consequência, evoluir.

Aqui, é importante pontuar que nem todo mundo vivencia a repetição da mesma forma. Isso significa que há pessoas mais ou menos suscetíveis a sentir os efeitos negativos de se viver em dias muito parecidos entre si.

É algo que depende de vários fatores, que incluem saúde mental, traços de personalidade e a capacidade de se distrair "com o que tem a mão". Ou seja: para alguns, ler um livro, ver um filme ou jogar um game pode ter o mesmo efeito obtido por quem depende de situações mais abrangentes para distrair, como um encontro com amigos ou uma viagem.

Saúde mental em risco

Em maior ou menor escala, a repetição acaba causando efeitos nada positivos em nossa saúde mental. Esse cenário hipotético de vivermos sempre no mesmo dia acaba sendo um terreno fértil para problemas como ansiedade e depressão.

Isso vale especialmente quando perdemos, aos poucos, a perspectiva de fazermos algo diferente. Com o passar do tempo, estaríamos em uma situação um tanto quanto estéril, na qual conceitos como sentido e significado de se viver acabariam se tornando cada vez mais distantes.

A melhor forma de balancear isso seria buscar constantemente meios de fazer coisas diferentes e entrar em contato com situações distintas.

Isso também vale para o cenário de restrições que vivemos e podem ser coisas relativamente pequenas e simples, como uma caminhada diária de 15 ou 20 minutos que, ainda de forma limitada, ajudaria a quebrar a sensação de repetição.

Vida social: outra grande vítima

A pandemia nos colocou em um contexto no qual a vida social acabou sendo uma das maiores vítimas. Se vivêssemos sempre no mesmo dia, isso também acabaria acontecendo, mesmo se esse dia tivesse incluído um encontro com alguns amigos, já que dificilmente esse programa incluiria todas as pessoas com as quais nos importamos.

Com o tempo, nossas habilidades sociais acabariam sendo afetadas, já que as conexões acabam tendo a distância como elemento central. Nesse cenário de dias repetitivos, em último caso isso acabaria atrapalhando até mesmo nosso contato à distância, fazendo como que nos tornássemos pessoas cada vez mais isoladas.

Já em um cenário no qual essa repetição se quebrasse, certamente teríamos dificuldades para nos reconectar socialmente e retomar a vida como ela existia antes. Isso pode causar uma sensação persecutória, uma dificuldade de se conectar realmente com outras pessoas.

Por exemplo: hoje a gente faz uma ligação para alguém e, se a conversa não está boa, desconectamos. Presencialmente, contudo, temos de enfrentar aquilo, o que gera mais compromisso e também melhora nossa capacidade de lidar com situações adversas.

O mundo pararia

Deixando de lado o impacto em nível pessoal de se viver sempre no mesmo dia, é inevitável considerar que a nossa produtividade sofreria consideravelmente nessa situação de dia que se repete indefinidamente.

Isso vale tanto para o rendimento no trabalho quanto em tarefas do nosso cotidiano. Trabalhar, inclusive, perderia parte do significado, uma vez que não teríamos como aproveitar os frutos do nosso suor diário.

Levando isso para um âmbito global, a humanidade acabaria sofrendo um grande impacto, uma vez que qualquer situação que demande o desenvolvimento de um trabalho ao longo dos dias seria impossível de ser realizada.

Entram na conta avanços científicos, pesquisas sobre doenças, descobertas relevantes e por aí vai. A tecnologia como um todo entraria em um estágio de estagnação, mas, nesse ponto, talvez nós não sentíssemos tanto a falta de novidades, uma vez que a criação de novos conteúdos que demandam aparelhos como smartphones ou computadores mais potentes também cessaria.

É, não tem como negar: viver sempre o mesmo dia é algo que seria extremamente chato e cansativo.

Fontes:
Ana Luiza Bortolato, psicóloga especializada em Abordagem Junguiana pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Wanderley Cintra Júnior, psicólogo graduado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e especialista em avaliação de desempenho