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Viagem de Bezos emitiu toneladas de carbono? A polêmica envolvendo foguetes

Foguete da New Shepard, da Blue Origin, durante o lançamento - Joe Skipper/Reuters
Foguete da New Shepard, da Blue Origin, durante o lançamento Imagem: Joe Skipper/Reuters

Rodrigo Lara

Colaboração para Tilt, em São Paulo

23/07/2021 13h28

Se o voo espacial de Jeff Bezos em seu fálico foguete deu certo na última terça-feira (20), por outro lado a aventura do bilionário fundador da Amazon recebeu diversas críticas. De um lado, há a argumentação de que o investimento de bilhões de dólares na companhia Blue Origin, culminando com o passeio desta semana, poderiam ser usados para financiar a solução de problemas bem terrenos, como a fome e o aquecimento global.

Já do outro, existe uma crítica mais pontual: a ida do bilionário até a borda da atmosfera teria emitido 300 toneladas de carbono na atmosfera, o que seria uma poluição maior do que a produzida por uma pessoa durante toda a sua vida, em média. Mas será que isso é verdade?

Apenas vapor de água

Ao contrário do que ocorre com os propulsores usados recentemente em voos pelas concorrentes SpaceX (oxigênio líquido e querosene) e Virgin Galactic (óxido nitroso e polibutadieno líquido com terminação hidroxílica), que utilizam combustíveis com carbono em sua composição, o foguete New Shepard usado no passeio de Bezos utiliza oxigênio e nitrogênio líquidos como propelentes.

"Se o mesmo teve propulsão bipropelente [duas substâncias químicas] de oxigênio e hidrogênio líquidos, não há emissão de carbono pois a reação química deste par hipergólico gera água", explica Sayuri Okamoto, doutora em engenharia e tecnologia espacial e pesquisadora do Laboratório de Combustão e Propulsão do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Resumindo, o foguete de 18,3 metros de comprimento que levou Bezos a 107,05 km acima do nível do mar — ultrapassando assim os 100 km da Linha de Kármán, convenção usada para definir a borda da atmosfera terrestre e o início do espaço — emitiu apenas vapor de água e, portanto, foi inofensivo para o ambiente neste quesito, de não ter envolvimento com a emissão de carbono.

Isso, porém, não quer dizer que ele não represente outro tipo de risco.

Camada de ozônio em perigo

Mesmo foguetes que não emitem dióxido de carbono a partir da queima de combustível acabam afetando uma parte muito importante da atmosfera da Terra: a camada de ozônio.

Localizada na estratosfera, entre 20 km e 30 km de altitude, essa camada de gás rarefeito é resultado da interação entre a radiação proveniente do espaço e as moléculas de oxigênio (O2), que são quebradas e podem se recombinar formando o ozônio (O3).

Ela varia de espessura e concentração ao longo do tempo, porém tem importância fundamental: é uma das principais barreiras que protegem os seres vivos dos raios ultravioleta.

Aqui, tanto faz se o foguete emite dióxido de carbono ou vapor de água em sua cauda: ambos os resultados da queima do combustível acabam causando danos pontuais à camada de ozônio.

No caso de foguetes como o da Blue Origin, o que ocorre é uma quebra das moléculas de água na estratosfera, formando óxidos de nitrogênio e outros componentes químicos que interagem com o ozônio e o converte em oxigênio.

Já no caso de foguetes que usam outros combustíveis, como os da SpaceX e da Virgin Galactic, o que pode haver é o depósito de fuligem e componentes como óxido de alumínio na estratosfera. Uma vez nessa região da atmosfera, esses materiais tendem a ficar suspensos por muito tempo, causando impactos no equilíbrio do local.

Apesar dessas alterações pontuais, isso não significa que o lançamento de um foguete é uma ameaça enorme ao estado permanente da camada de ozônio.

"O que se sabe, é que, naturalmente, a camada de ozônio sofre efeitos de renovação constante. O que a prejudica e destrói de forma não reversível é a presença de compostos halogenados, que contém na sua fórmula química elementos como Cloretos (Cl), Fluoretos (F), Brometos (Br), sulfatos (SOx) e os nitratos (NOx)", explica Okamoto.

"As substâncias, independentemente da presença ou não do vapor de água, se combinam com o oxigênio livre da camada de ozônio formando outros compostos. Sem o oxigênio atômico (O) para reagir, o O2 (gás oxigênio) não tem como formar o ozônio (O3)", acrescenta.

Mas e a longo prazo?

A pergunta é válida se considerarmos que a tendência é que a exploração espacial, inclusive com viagens turísticas, aumente consideravelmente nos próximos anos.

Segundo a pesquisadora, desde 2001 há uma iniciativa liderada pela ESA (Agência Espacial Europeia) para o uso de substâncias químicas verdes para o processo de lançamento dos foguetes. Elas vêm sendo aplicadas em âmbito mundial e consequente diminuição do uso de propelentes tóxicos.

"Existem mais de 50 substâncias químicas com potencial uso como propelentes de foguetes classificados como 'verdes'. Deste modo, a intensificação das viagens de turismo espacial só afetaria de forma irreversível a camada de ozônio se houvesse a liberação de substâncias realmente capazes de causar esse tipo de dano", conclui Okamoto.