'Estou desesperada': apagão no CNPq preocupa cientistas brasileiros
Sem tempo, irmão
- Pesquisadores de todo o país estão sem acesso à plataforma Lattes desde o fim de semana
- CNPq diz que não houve perda de dados, mas não informa quando a plataforma deve retornar ao ar
- Apagão causa prejuízos ao andamento de pesquisas importantes no Brasil e preocupa cientistas
Pesquisadores de todo o país estão sem acesso à plataforma Lattes desde o fim de semana após uma pane técnica. O sistema do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, congrega os dados de todos os personagens da ciência no Brasil e de seus trabalhos ao longo de anos.
O problema está sendo chamado de "apagão do CNPq". A Plataforma Carlos Chagas, que organiza informações de pesquisadores e bolsistas do CNPq, também passa por problemas de acesso.
Marcos Pontes, ministro da pasta, falou durante live nesta quarta-feira (28) apenas que "teve um problema no componente de um dos computadores, que causou uma falta de acesso de interface. Por isso, não dá para ter contato com os dados."
Em uma explicação feita em um vídeo no YouTube, publicado no fim de tarde desta quarta-feira (28), o CNPq informou que houve um problema na controladora do storage (equipamento responsável pelo armazenamento de dados). Apesar disso, o órgão ressaltou que nenhum dado foi perdido e que a peça será trocada em breve, fazendo com que o serviço seja prontamente restabelecido. Ainda de acordo com o órgão, o mau funcionamento ocorreu durante um processo de migração de dados para um novo computador.
Flávia Calé, presidente da Associação Nacional de Pós-graduandos, afirma que o Lattes é como um mapa da ciência brasileira. "Ali estão os dados de pesquisadores da graduação, da pós-graduação, cadastrados em suas linhas de pesquisas, tudo sistematizado. Temos tudo dos cérebros brasileiros. E ele também é uma referência, um currículo dos pesquisadores."
A equipe do Lapis (Laboratório de Processamento de Imagens de Satélite) da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), por exemplo, tenta desde o sábado acessar os dados de um certificado do INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) referente a um projeto pioneiro sobre a influência do clima na sazonalidade do novo coronavírus e outros patógenos (organismos que podem causar doenças).
"A informação do registro do programa certificado é parte da atividade do meu projeto da Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior]. Desde o fim de semana, eu e minha equipe tentamos registrar o certificado no Lattes, sem sucesso", conta o cientista Humberto Barbosa, coordenador do Lapis.
A pesquisadora da área de linguística Larissa Gomes teme perder a inscrição em uma seleção de mestrado na área de comunicação, em São Paulo, por não conseguir acessar suas informações no Lattes.
"Quando eu abri a plataforma estava dando erro. Descobri pelo Twitter o apagão. Sem o currículo, posso ser eliminada dessa seleção, já que eles pedem o envio da documentação pelos Correios até o dia 30. Estou desesperada, espero que abram exceção", afirma ela, que é mestranda da Unioeste, em Foz do Iguaçu (PR).
De acordo com comunicado oficial do CNPq, o problema que causou a indisponibilidade dos sistemas foi diagnosticado e os procedimentos para sua reparação foram iniciados. Porém, ainda não se sabe o prazo que isso levará.
"O CNPq já dispõe de novos equipamentos de TI e a migração dos dados foi iniciada antes do ocorrido. Independentemente dessa migração, existem backups cujos conteúdos estão apoiando o restabelecimento dos sistemas. Portanto, não há perda de dados da Plataforma Lattes", explica o órgão.
Riscos futuros e medo de falta de dados
Apesar de o CNPq ter informado que o problema não envolve perda de dados, os pesquisadores continuam com medo. A pró-reitora de extensão da UnB (Universidade de Brasília), Olgamir Ferreira, é uma delas. "Ainda temos poucas informações [sobre o que houve]. O CNPq encaminhou mensagem tentando tranquilizar a todas as pessoas, mas há muitas informações desencontradas."
"Caso essas informações sejam perdidas certamente que a situação será gravíssima Em geral, não costumamos fazer backup ou imprimir uma cópia após as atualizações, com isso muitos dados se perderão. É impensável essa situação", diz Ferreira.
Além dos prejuízos imediatos, a plataforma Lattes também é ferramenta usada para prestar contas de projetos financiados com recursos públicos. "Como estamos em fase de encaminhar os dados para a avaliação dos programas de pós-graduação, não sei se haverá algum atraso ou outro prejuízo", conta Alcides Miranda, professor e pesquisador na área de medicina da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Segundo ele, problemas similares já eram percebidos há meses em outros sistemas federais. "O problema ocorrido agora é compatível com os que temos tido constantemente para acessar outras bases de dados. Como dou aulas práticas com acesso online ao Datasus [Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde], tenho tido inúmeras dificuldades e prejuízos com os constantes 'apagões' e problemas de acesso", relata.
A doutoranda em biologia celular e molecular Ana Beatriz dos Anjos Souza, que faz pesquisa na USP (Universidade de São Paulo) em Ribeirão Preto, também conta ter percebido vários colegas comentarem sobre os problemas, levantando inclusive o debate sobre a falta de segurança dos dados contidos no sistema.
"Um dos principais deveres dos pesquisadores é a responsabilidade sobre o armazenamento e proteção dos nossos dados, como os resultados de pesquisas, dissertações e teses. Falhas no armazenamento do banco de dados do principal órgão de fomento à pesquisa no Brasil escancara a falta de investimento e manutenção em equipamentos vitais do sistema. São anos de pesquisas e dados relevantes para a comunidade", aponta a doutoranda.
Tilt ouviu ainda pesquisadores que relataram temor caso o problema siga por muito tempo. "Ainda não tive problema na prática. Mas se o problema se prolongar, ou caso os dados não sejam recuperados, certamente, os desafios serão enormes", explica a pesquisadora na área de epidemiologia Jaila Borges, da UFAM (Universidade Federal do Amazonas).
"Vamos aguardar e ver quanto tempo esse problema vai demorar para ser resolvido. Dependemos dessas plataformas para submissão, prestação de contas e controle de projetos", afirma Carlos Teixeira, pesquisador do Instituto de Ciências do Mar da UFC (Universidade Federal do Ceará).
Para a presidente da Associação Nacional de Pós-graduandos, quando o "apagão" for resolvido, será preciso ficar atento aos dados para ver se teve alguma alteração. "E a gente precisa também debater a causa do problema, que vem desse corte de verbas reiteradas ao CNPq", diz Flávia Calé.
O CNPq também informou em seu comunicado que o pagamento das bolsas implementadas não será afetado e que os prazos de ações relacionadas ao fomento do Conselho, como prestação de contas, foram suspensos.
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