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Como algoritmo e planta do cerrado podem ser esperanças no combate à dengue

Além da dengue, o mosquito Aedes aegypti contribui para a disseminação de zika, chikungunya e febre amarela - Getty Images
Além da dengue, o mosquito Aedes aegypti contribui para a disseminação de zika, chikungunya e febre amarela Imagem: Getty Images

Melissa Cruz Cossetti

Colaboração para Tilt, do Rio de Janeiro

11/08/2021 04h00

A dengue, doença causada por vírus, tem comportamento sazonal e nada parece impedi-la de se repetir todos os anos. A dificuldade para frear sua disseminação é grande, mas duas pesquisas conduzidas por brasileiros estão avançando para conter o mosquito Aedes aegypti, responsável pela transmissão também da zika e chikungunya.

Cientistas do Instituto de Química da Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho), em Araraquara, conseguiram usar dois compostos químicos promissores na eliminação das larvas do mosquito. As substâncias possuem origens distintas: uma foi criada em laboratório com ajuda da tecnologia e a outra vem da própria natureza.

Os dois estudos são orientados e supervisionados pela professora e pesquisadora Vanderlan Bolzani, farmacêutica pós-doutora pelo departamento de Química no Instituto Politécnico e Universidade Estadual da Virgínia (Estados Unidos).

Inseticida mais eficaz a partir de tecnologia

A pesquisa do pós-doutorando Luiz Dutra, da Unesp, busca inibir a atividade de uma proteína responsável por fornecer energia ao inseto durante seu estágio de desenvolvimento larval, impedindo assim que o mosquito chegue à fase adulta. Para isso, o cientista utilizou ferramentas da bioinformática, um campo que une biologia e algoritmos de computação.

Fazendo simulações em software, foi possível analisar, interpretar e entender interações biológicas. Neste processo, foi descoberto no Aedes aegypti uma proteína chamada quinase que possui 70% de similaridade com uma proteína da mesma família presente no organismo humano.

Dutra selecionou virtualmente um composto que inibe essa quinase humana em tratamentos contra o câncer e que poderia ser direcionado para bloquear a proteína do mosquito. Com ambas muito semelhantes, identificar as proteínas e usá-las aumentou a chance de sucesso na inibição do alvo molecular. Com isso, acredita-se que o processo pode frear o desenvolvimento do inseto.

"Os métodos focados no vetor têm o objetivo de diminuir a proliferação do mosquito. Neste caso, a ideia é atacar as larvas. Obtendo uma efetividade na mortalidade larval, se diminui a proliferação do mosquito adulto e consequentemente a proliferação de vírus", explica Dutra.

A molécula selecionada, derivada de um grupo químico chamado imidazol, foi eficaz para inibir o desenvolvimento de larvas em testes preliminares. Foram 76% das larvas mortas em 48 horas. Modificações na estrutura química da substância devem aumentar sua eficiência.

Nas próximas fases do estudo, o cientista pretende produzir a proteína quinase do mosquito em laboratório para que seja possível avaliar detalhadamente a eficiência do composto contra ela e validar resultados. Analisar e garantir que o composto não seja tóxico à saúde humana também estão nos planos.

Se os novos resultados forem positivos, a ideia é que a molécula seja testada diretamente contra o mosquito, na forma de um inseticida mais eficaz.

Zika e chikungunya na mira

Com os mesmos produtos químicos sendo empregados há muito tempo, os mosquitos têm adquirido resistência. Bloqueando a atividade de uma proteína vital para o inseto adulto ou para a larva, a chance do vetor adquirir resistência pode ser reduzida. Feito isso, o resultado final pode ser uma menor circulação de vírus da dengue e também do zika e chikungunya, explica Dutra.

O pesquisador afirma que essa seria uma forma complementar para erradicar doenças transmitidas pelo Aedes aegypti no país, ao lado de vacinas que estão já nas fases finais de testes, como a da dengue, que está sendo produzida e testada pelo Instituto Butantan.

"A vacina é importante porque é ela quem vai nos tornar imunes ao vírus da dengue, mas é o mosquito que carrega o vírus de uma pessoa contaminada para outra. Então, combater o mosquito de forma precoce é importante também", ressalta o pesquisador.

"Logicamente, não teremos uma erradicação total do mosquito, e nem do vírus da dengue, mas acredito que ambas as prevenções se complementam em diminuir o número de pessoas contaminadas", completa.

Planta do cerrado para o combate da doença

Já Helena Russo, doutoranda do Instituto de Química da Unesp, investiga se plantas da família Malpighiaceae, amplamente encontradas no Brasil podem ser boas alternativas para combater o mosquito da dengue. Segundo a pesquisadora, essa linha de plantas ainda é pouco explorada do ponto de vista químico.

Russo explica que, entre as espécies dessa família, algumas são usadas como fonte de alucinógenos em rituais indígenas e outras são tóxicas para rebanhos bovinos. As plantas são tão diversas que algumas produzem frutos populares e saborosos como acerola e murici, com alto valor nutritivo.

O interesse da pesquisadora se concentra naquelas que produzem substâncias nocivas. Ao todo foram avaliadas 139 espécies no que é a maior pesquisa já realizada com essa família botânica, conta. O extrato das folhas foi enviado para a UnB (Universidade de Brasília), parceira no estudo, onde foram testados contra as larvas do Aedes aegypti. Uma das espécies foi capaz de matar 100% das larvas em 24 horas. Outras duas eliminaram 70% das larvas em 72 horas.

As análises são preliminares, mas animadoras — e podem ser inéditas caso futuros testes confirmem os resultados. Existe um desafio, pois detalhes das substâncias em questão ainda não foram descritos na nossa literatura científica.

De qualquer forma, das mais de cem espécies, a mais eficaz contra as larvas do mosquito é uma do gênero Heteropterys, comum do cerrado brasileiro e abundante na região de Araraquara. Os próximos passos da pesquisa serão descobrir quais moléculas das folhas foram responsáveis por matar as larvas e avaliar a eficácia de diferentes concentrações do composto nelas.

Russo se interessou em abordagens mais naturais no combate à dengue pelo fato de o Brasil possuir uma das maiores biodiversidades do mundo, destaca. Todavia, não é porque se trata de um composto obtido direto da natureza que teremos um produto menos tóxico ao Aedes. Por isso a importância de mais testes.

"Não necessariamente uma alternativa natural será menos tóxica do que os inseticidas comuns. Muitos estudos devem ser feitos após a identificação das substâncias tóxicas para o mosquito. Depois disso, poderemos saber se essas substâncias naturais tóxicas serão mais seletivas ao mosquito e menos nocivas à nossa saúde [dos humanos]", explica a cientista.

Em caso de novos resultados positivos do uso de plantas dessa família contra a fase de larva do mosquito, haverá uma nova etapa para avaliar a eficiência do método. "Este ano vamos isolar as substâncias do extrato, e ano que vem vamos realizar diversos testes nas larvas e em outros estágios de desenvolvimento do Aedes. Com esses resultados, podemos verificar as possibilidades de aplicação de fato", concluiu.

Ainda que preliminares, os resultados dão esperança de que futuramente novas estratégias de combate ao mosquito serão eficazes.