Após Einstein, da Vinci e Jobs, biógrafo de gênios foca em 'editora de DNA'
Sem tempo, irmão
- Walter Isaacson, biógrafo de Steve Jobs, Albert Einstein e Leonardo da Vinci, acaba de lançar novo livro no Brasil
- Em "A Decodificadora", o biógrafo de gênios conta a história de Jennifer Doudna, pioneira em edição genética
- Em entrevista a Tilt, o autor conta os segredos dos maiores gênios da ciência e tecnologia
Não é qualquer pessoa que pode colocar no currículo já ter escrito as biografias de gênios da ciência e da tecnologia como Albert Einstein e Leonardo da Vinci. Ou mesmo que possa dizer que sentou-se para conversar durante horas com Steve Jobs. Mas Walter Isaacson pode.
O jornalista e escritor de 69 anos, ex-editor da revista americana Time e ex-diretor executivo da rede de televisão CNN, é autor de livros que foram sucesso de vendas, como as já citadas biografias de Einstein, da Vinci e Jobs, além das de políticos como Benjamin Franklin e Henry Kissinger. Seu novo foco é Jennifer Doudna, a cientista vencedora do prêmio Nobel de 2020.
Em "A Decodificadora" (editora Intrínseca), Isaacson conta não só a história da cientista premiada por usar a ferramenta Crispr para editar o DNA humano, mas também a da "revolução", como ele diz, que vem acontecendo no mundo da ciência.
Com o Crispr, cientistas podem editar o código genético humano de maneira precisa e permanente. Há quem acredite que essa tecnologia possa levar à extinção de doenças genéticas como diabetes, distrofia muscular e fibrose cística. Ao mesmo tempo, há também quem tema a possibilidade de que a técnica seja usada para "personalizar" seres humanos e eliminar a diversidade da espécie.
Agora "suspeito" de estar preparando um livro sobre Elon Musk, o excêntrico bilionário da empresa de viagens espaciais SpaceX, Isaacson conta nesta entrevista exclusiva a Tilt que ainda não sabe qual será seu próximo personagem. Mas compartilha alguns segredos por trás dos gênios da ciência e da tecnologia, seus defeitos e as lições que pessoas "normais" podem tirar de seus livros. Confira a seguir.
Tilt: Após escrever sobre Steve Jobs, Albert Einstein e Leonardo Da Vinci — só para ficar no campo da ciência e da tecnologia — o que te levou a escrever sobre Jennifer Doudna em "A Decodificadora"?
Walter Isaacson: Bem, com Einstein eu pude falar sobre a importante revolução no mundo da física no começo do século 20 — revolução que levou à viagem espacial, à energia nuclear e às bombas atômicas. Com Steve Jobs, eu pude falar sobre a segunda metade do século 20, que foi sobre a revolução digital, o microchip, a internet e o computador.
Para mim, uma revolução ainda maior está acontecendo agora, que é no campo da ciência da vida, em que moléculas serão o novo microchip. Nós vamos programar moléculas para que elas façam vacinas ou para que editem os nossos genes. Eu queria fazer um livro sobre essa revolução na ciência da vida e Jennifer Doudna parecia ser o personagem perfeito.
Tilt: Por que ela especificamente, e não outros cientistas pioneiros em edição genética?
WI: Ela foi uma das líderes na descoberta da estrutura do RNA. Ela foi a pessoa que, com seus colegas, descobriu como o Crispr poderia ser usado como uma ferramenta para editar nossos genes. Ela ganhou o Prêmio Nobel e se tornou líder nos debates sobre a política e a ética da edição de genes. E, por último, ela transformou as ferramentas com as quais vinha trabalhando e reuniu cientistas para lutar contra o coronavírus.
Tilt: Qual foi a reação dela quando você ligou e disse: "Oi, eu sou Walter Isaacson, biografei Einstein, da Vinci e Jobs, e agora quero escrever sobre você"?
WI: [risos] Eu já conhecia a doutora Doudna antes de decidir escrever sobre ela. Eu a entrevistei para o Instituto Aspen, onde eu trabalhava. E ao longo de um ano, conforme eu conversava mais com ela, foi ficando claro que ela seria um bom personagem central. Até que um dia eu disse: "quero usar você como protagonista [do meu novo livro]".
Acho que ela ficou meio preocupada no começo. Ela é uma pessoa reservada. Mas eu a convenci de que seria uma maneira de inspirar jovens a estudarem biologia e ciências da vida, assim como meu livro sobre Steve Jobs inspirou pessoas a se tornarem parte da revolução do computador.
Tilt: "A Decodificadora" é sua primeira biografia focada exclusivamente em uma mulher. Por quê?
WI: Quando eu decidi escrever sobre ela, não foi simplesmente por ela ser uma mulher. Mas percebi, enquanto trabalhava no livro, o quanto era importante ter mulheres que fossem exemplo na ciência. Isso também adiciona um elemento para a história. Quando ela estava no ensino médio, seu orientador a disse que garotas não fazem ciência. Ela teve que superar essa atitude. Eu pude escrever sobre como ela prevaleceu em um campo dominado por homens.
Tilt: Você pretende escrever sobre mais mulheres no futuro?
WI: Com certeza farei a biografia de outra mulher no futuro, mas ainda não sei qual vai ser meu próximo livro.
Tilt: Após escrever sobre Einstein, da Vinci e Jobs, você se sente responsável por dar a Jennifer Doudna um status de "gênio"?
WI: De uma certa maneira, talvez sim. Mas o comitê do Nobel fez isso por ela de uma maneira muito mais proeminente, dando a ela e a Emmanuelle Charpentier o prêmio de química em outubro do ano passado.
Tilt: Você já comentou em várias entrevistas o que os gênios têm em comum. Mas o que há de diferente entre eles?
WI: Todas as pessoas sobre as quais já escrevi são diferentes de várias maneiras. Benjamin Franklin e Jennifer Doudna gostavam de trabalhar em equipe, formar times amigáveis e cooperar. Já Steve Jobs gostava de criar uma tensão criativa entre suas equipes, e era muito rude com seus colegas às vezes. Albert Einstein era meio solitário, principalmente no começo de sua carreira. Todos eles tinham abordagens e personalidades distintas. É por isso que digo que meus livros não são tutoriais ou guias para o segredo do sucesso. Para cada pessoa o caminho é diferente.
Tilt: É possível se tornar um gênio? Ou a genialidade é uma característica de nascença — ou você tem, ou não tem?
WI: Há certas coisas que você e eu nunca poderemos fazer, como visualizar a matemática de relatividade geral, como Einstein. Mas os componentes mais importantes da genialidade são coisas que qualquer pessoa comum pode cultivar em si mesma todos os dias. Como a curiosidade — com as coisas mais simples, como "por que o céu é azul".
Podemos ser mais observadores, como da Vinci era ao perceber como a luz do sol era refletida pelas curvas da folha de uma árvore. Podemos fazer perguntas sobre qualquer assunto, como Ben Franklin. De elétrons à eletricidade, passando por diplomacia e fogões limpos. Ele se interessava por absolutamente tudo. Todos nós podemos fazer isso, ser mais curiosos, mesmo que não acabemos sendo um Einstein.
Tilt: Como você se compara aos gênios sobre os quais escreve? Sente que poderia ser como eles? Ou se sente menor, e pensa que nunca chegará lá?
WI: [risos] Aqueles de nós que escrevem sobre gênios nunca podem cair na cilada de achar que são gênios também. Podemos sentir prazer por sermos inspirados por pessoas criativas, por entender como a inovação acontece, e por estarmos celebrando pessoas que alcançaram conquistas reais nesse mundo em que celebridades não deviam ser a inspiração das nossas crianças.
Tilt: Você prefere escrever sobre personagens do passado ou do presente?
WI: Gosto dos dois. É por isso que eu vou e volto. Quando a pessoa está viva, eu consigo aprender muito mais. Eu passei várias semanas no laboratório da doutora Doudna até aprender a editar genes. Participei de várias reuniões com ela e descobri como ela estava ajudando a enfrentar o coronavírus.
Com Leonardo, eu tive o prazer de ler mais de 7 mil páginas de seus cadernos e ver como a sua mente funcionava. As ferramentas que você usa mudam se você está escrevendo sobre alguém que já morreu há muito tempo ou sobre alguém que você pode entrevistar e estar lado a lado, como fiz com Steve Jobs e Jennifer Doudna.
Tilt: Se pudesse voltar no tempo, tentaria uma entrevista com da Vinci e Einstein? Sente que seus livros ficaram devendo em algum ponto por não falar pessoalmente com eles?
WI: Eu adoraria [entrevistá-los]. Tenho tantas perguntas que eu gostaria de fazer a Leonardo da Vinci. Por exemplo: por que você não terminou de pintar algumas de suas obras, como "A Adoração dos Magos"? Também teria sido um prazer sentar-me para beber com Benjamin Franklin e conversar sobre como a mídia pode nos polarizar, algo que o interessava quando ele comandava um jornal. Seria divertido voltar no tempo e conversar com pessoas do passado.
Tilt: Você já disse que, de acordo com a sua filha, cada uma de suas biografias representa um lado da sua personalidade...
WI: [risos] Minha filha disse, enquanto eu escrevia sobre Ben Franklin, que eu estava escrevendo sobre mim mesmo, porque ele era um jornalista interessado em governo, política externa e direito civil. Quando escrevi sobre Einstein, ela disse que eu estava escrevendo sobre o meu pai, um doce engenheiro com um punhado de cabelos brancos despenteados que adorava ciências exatas e humanas.
Quando escrevi sobre Kissinger, perguntei a ela sobre o que eu estava realmente escrevendo. Ela disse: "pai, você está escrevendo sobre seu lado sombrio" [risos]. Quando escrevi sobre Steve Jobs, disse a ela: "agora acho que estou escrevendo sobre você, uma criança inteligente, mas meio malcriada, que adora computadores".
Tilt: Nessa linha, "A Decodificadora" seria sobre quem?
WI: Penso que, de certa maneira, escrever sobre Jennifer Doudna foi como escrever sobre a minha esposa, Kathy, uma pessoa muito persistente, sensível, realista e inteligente, que adora cumprir suas missões. Mas só me dei conta disso depois que o livro foi publicado.
Tilt: Seus livros tendem a humanizar gênios, mostrando que às vezes eles podem ser preguiçosos, como da Vinci, ou arrogantes, como Jobs. É de propósito?
WI: Eu tento humanizar meus personagens porque, de fato, eles são humanos. Todos eles têm qualidades e defeitos. E é importante que as pessoas saibam que eles são de carne e osso. Acho que isso os torna mais inspiradores. Faz com que eles não pareçam visitantes de outro planeta.
Tilt: Como jornalista você já cobriu política e, como presidente executivo da CNN, imagino que editou reportagens em diversos assuntos. O que te atrai em ciência e inovação?
WI: Quando eu fui editor da revista Time, nós escolhíamos uma pessoa do ano para colocar nas capas e quase sempre eram políticos. Me dei conta de que, enquanto secretários de estado vêm e vão, pessoas como Andy Grove, que ajudou a criar o mercado de microchips, ou Steve Jobs, que transformou o mercado da computação pessoal, ou Bill Gates, ou grandes pesquisadores de saúde como Francis Collins... essas pessoas são quem causam maior impacto nas nossas vidas.
Quando fui editor da Time, comecei a focar mais em cientistas e inovadores que fazem história toda semana. Gosto de fazer isso em minhas biografias.
Tilt: Qual é a importância de se escrever sobre ciência em tempos em que cada vez mais pessoas, até líderes políticos, parecem rejeitá-la?
WI: Como a pandemia e as mudanças climáticas mostram, é importante respeitar a ciência e o método científico — isto é, a habilidade de reunir fatos, manter a mente aberta, desenvolver opiniões baseadas em fatos e ser capaz de mudar de ideia se você tiver novos fatos. Este método científico é algo que perdemos na nossa sociedade.
Mas, ultimamente, a política tem se tornado tão reacionária a ponto de não se basear em fatos e não manter a mente aberta. Pessoas formam opiniões ideológicas e não mudam de ideia quando recebem novos fatos. Eu quero escrever livros que celebrem as mentes abertas, movidas por evidências. Porque isso não se aplica somente a questões da ciência, como vírus e mudanças climáticas. Se aplica não só às nossas vidas científicas, mas às nossas vidas públicas e políticas.
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