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Apesar de pedido de vista, maioria do TCU aprova regras do leilão do 5G

Justin Tallis/AFP
Imagem: Justin Tallis/AFP

Marcella Duarte

De Tilt, em São Paulo

18/08/2021 13h45

A maioria dos ministros do TCU (Tribunal de Contas da União) aprovou as regras do edital do leilão do 5G no Brasil nesta quarta-feira (18), em sessão que teve início 10h e ocorreu ao longo do dia.

O ministro Aroldo Cedraz chegou a fazer um pedido de vista (maior tempo para análise) durante o encontro virtual do Tribunal, com o argumento de que a área técnica havia detectado fragilidades e ilegalidades nas regras analisadas. Porém, os votos dos demais ministros foram a favor das normas do edital.

Entenda o que rolou

Mais cedo, o ministro Cedraz pediu um prazo de 60 dias para a nova votação das regras do leilão do 5G: 30 dias para que a análise dos pontos de restrição fosse concluída pela área técnica; 15 dias para gabinete dele analisar novo relatório; 15 dias para que relator, ministro Raimundo Carreiro, e Ministério Público tomem conhecimento.

"Registro o absoluto repúdio a qualquer afirmativa de que o TCU esteja contribuindo para o atraso da implantação do 5G no Brasil. Mas não poderíamos nos omitir diante das impropriedades apontadas", argumentou Cedraz.

"O verdadeiro atraso seria permitir o prosseguimento das licitações nos moldes propostos, visto que, nessa hipótese, estaríamos condenando o Brasil e os cidadãos brasileiros a conviverem por mais de 20 anos com serviços de comunicação caros e de baixa qualidade", acrescentou.

Pressionado, durante a sessão ele chegou a sugerir outros prazos: dois meses, um mês, 15 dias e, por fim, uma semana (que foi o final). Todos outros ministros, porém, anteciparam os seus votos a favor do edital. Assim, Cedraz foi vencido.

A sessão foi transmitida pelo canal do TCU no YouTube. O relator, ministro Raimundo Carreiro, chegou a ler trechos do relatório técnico da Secretaria de Infraestrutura do Tribunal, incluindo um que dizia haver "risco de obras de construção da rede não serem concluídas, ou de trechos concluídos não terem utilidade".

Outras preocupações levantadas durante o encontro virtual foram o aumento do preço dos serviços de comunicação, com os altos custos para implantação nestes moldes, e a insegurança jurídica do processo. O governo está tentando acelerar a aprovação para que a internet de quinta geração já esteja disponível em todas as capitais do país até julho de 2022 — antes das eleições presidenciais.

Em coletiva, o ministro das Comunicações, Fábio Faria (PSD-RN), afirmou que não pressionou o TCU para aprovação das regras do edital.

O 5G trata da quinta evolução da tecnologia de telefonia móvel. Além de prometer maiores velocidades de download (até 20 vezes maior que o 4G), oferece menor latência (o tempo de resposta entre um comando feito e sua execução). Isso possibilita uma conexão mais estável, permitindo, por exemplo, que seja possível jogar via 5G e não sair "atrás" das pessoas que estão em uma conexão fixa.

O papel do TCU

O Tribunal de Contas é responsável por verificar se o edital que define as regras para o leilão do 5G está de acordo com a lei e com as finanças do Brasil. O texto estava nas mãos do órgão desde março deste ano. O prazo para uma decisão final já havia mudado algumas vezes por conta de choques entre a área técnica do órgão e a Anatel.

Ilegalidades

Os casos mais graves detectados pelos auditores do TCU são duas obrigações de investimentos, que somam um custo de cerca de R$ 2,5 bilhões: a construção de uma rede privativa, para uso de órgãos da administração pública federal, e o programa de conexão de internet na Amazônia (Pais), defendido pelos militares. Ambas foram consideradas ilegais, com base na Lei Geral das Telecomunicações, por não serem de interesse público, atendendo pequenos grupos.

A rede privativa seria uma maneira de evitar o banimento ou restrições à atuação da chinesa Huawei, maior fornecedora de equipamentos de rede 5G, e ao mesmo tempo agradar os norte-americanos — que pressionaram o Planalto por uma rede segura.

Como vai ser o leilão

Para que toda essa velocidade de internet chegue ao seu celular, as operadoras transmitirão o sinal de internet por ondas de rádio. Mas para não derrubar os sinais de 4G, wi-fi e TV que já utilizam ondas de rádio, o 5G vai precisar de frequências exclusivas. É como se fosse uma rodovia, em que cada tipo de sinal ocupa uma faixa (frequência) própria.

Serão leiloados blocos em quatro faixas de frequências (700 MHz, 2,3 GHz, 3,5 GHz e 26 GHz). Eles foram avaliados pela Anatel em cerca de R$ 46 bilhões.

Este não é um leilão arrecadatório. Então, boa parte do valor será usada pelo governo federal para levar internet para áreas remotas e todas as escolas do país, para criar a rede privativa e outras contrapartidas. Estima-se que o governo só deverá arrecadar cerca de R$ 4 bilhões com o leilão.

  • na instalação de redes 4G em todos os municípios com mais de 600 habitantes (cerca de 500)
  • no roaming nacional obrigatório (clientes de uma empresa serão conectados ao sinal disponível, de qualquer operadora)
  • na cobertura de 48 mil quilômetros de estradas com internet de alta velocidade (prioridade nas BRs 163, 364, 242, 135, 101 e 116)

A frequência de 3,5 GHz deverá ser a mais cobiçada, pois é mais usada para o 5G no mundo e oferece conexão rápida para o consumidor final. Sabendo disso, o leilão prevê obrigações específicas para quem levar essa faixa:

  • expansão de 13 mil quilômetros de cabos de fibra ótica nos leitos dos rios da região Norte (a União só tem recursos para fazer mil)
  • rede privativa de comunicação 5G para a administração federal, com requisitos de segurança mais robustos e criptografia, em duas frentes: uma rede fixa de fibra ótica ligando todos os órgãos da União e uma rede móvel apenas no Distrito Federal para atividades de segurança pública, defesa, serviços de emergência e resposta a desastres
  • "limpeza" da faixa de 3,5 GHz, atualmente responsável pela transmissão de TV via parabólica (quem se interessar deverá migrar estes usuários para a banda Ku, uma "avenida" superior que fica entre 10,7 GHz e 18 GHz, distribuindo kits para eles)

Sobre o último tópico, a recomendação do TCU é de que o custo dessa limpeza seja recalculado, pois o volume de usuários potencialmente afetados estaria 20% a mais do que o real.

De acordo com a Anatel, apenas 60 cidades brasileiras têm potencial econômico para arcar com a telefonia 5G 3,5Ghz Os auditores do TCU, preocupados, listaram cidades que ficariam fora: Brasília, Salvador, Curitiba, Manaus, Goiânia, Porto Alegre, Campinas, Ribeirão Preto e outras com elevado poder aquisitivo.

Interferência na parabólica

A banda C, que transmite TV via parabólica, atua na frequência de 3,7 GHz a 6,45 GHz. Já o 5G na verdade usa a frequência que vai de 3,3 GHz a 3,7 GHz. Essa sobreposição poderia atrapalhar a nova conexão.

Para resolver isso, há duas possibilidades em estudo:

  • "redução" do problema com filtros instalados nas TVs
  • migração da parabólica para outra frequência, a banda Ku (15,35 GHz a 17,25 GHz)

As operadoras sugeriram o uso de filtros. Já a associação de empresas de rádio e TV defendiam a migração, liberando de vez a faixa. No fim das contas, a Anatel optou pela migração.

A Anatel chegou a testar o uso filtros, mas teve de suspender o trabalho devido à pandemia em março. Desde então, conduziu simulações de computador que mostraram que os filtros não eram o bastante para impedir a interferência.

O dinheiro para a migração virá do valor pago na licitação do 5G —o que diminuirá a parte que sobra para investir em infraestrutura de banda larga em lugares com conexão ruim. A escolha, portanto, foi vista como uma disputa entre usar o dinheiro para ampliar a inclusão digital no Brasil ou manter uma operação considerada antiquada por alguns.

O levantamento mais recente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), feito em 2017, informa que 6,5 milhões de residências no Brasil contam apenas com antena parabólica para ver TV.

*Com matéria de Guilherme Tagiaroli e Lucas Carvalho