Ado Jorio, o ex-roqueiro que inventou o revolucionário 'nanoscópio'
Era começo dos anos 90 quando um jovem músico, integrante de banda de rock, viu que o gosto pela música poderia abrir outros caminhos. Ado Jorio de Vasconcelos não largou o curso de engenharia elétrica para ganhar a vida no palco. O que fez pode ser considerado até mais ousado: trocou o curso pelo de física e começou ali uma bem-sucedida carreira dentro dos laboratórios. O ponto em comum era claro: a acústica.
"Música é onda sonora", explica o professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Na busca por um orientador, achou Marcos Pimenta, um entusiasta da relação entre a música, a acústica e os materiais. E isso determinou sua carreira. "Mudei de curso e isso me conectou com a óptica, que me conectou com a nanotecnologia."
Desde então, foram mais de 180 artigos publicados, além de 23 livros e inúmeros prêmios na conta. Em 2015, o professor foi apontado um dos cientistas mais influentes do mundo em "The World's Most Influential Scientific Minds" (Mentes Científicas Mais Influentes do Mundo, em tradução livre), relatório publicado pela agência Thomson Reuters.
O seu trabalho virou notícia na comunidade científica internacional em fevereiro deste ano não por ter identificado um novo nanomaterial, mas por ter oferecido uma ferramenta revolucionária: o "nanoscópio".
Para se ter uma noção das possibilidades do equipamento óptico: um microscópio é capaz de resolver imagens na escala de micrômetro, ou seja, um milhão de vezes menor que o metro. O "nanoscópio" da UFMG faz isso na escala de nanômetro, medida um bilhão de vezes inferior ao metro —e isso já levou os brasileiros a enxergarem a estrutura atômica do grafeno.
É uma ajuda importantíssima para quem pesquisa as propriedades atômicas, eletrônicas e vibracionais de nanomateriais como o grafeno, por isso mereceu a capa da revista científica "Nature".
Esta descoberta pode colocar o Brasil no mercado mundial de equipamentos científicos. Vamos deter no país uma tecnologia e não depender de importar algo pronto
Jorio
Há anos os pesquisadores buscam encontrar algo com as características do grafeno, material ultraleve, supercondutor e resistente —que permite a passagem de corrente elétrica sem atrito e, portanto, sem perda de energia e pode ser usado no futuro em computadores quânticos acessíveis ou trens que levitam sobre os trilhos sem atrito, por exemplo.
Em 2018, descobriu-se que o grafeno, que possui apenas um átomo de espessura, vira um supercondutor quando duas camadas do material são empilhadas e giradas num ângulo de cerca um grau entre elas.
O feito do professor Ado foi desenvolver um "microscópio" com superpoderes, que permite à comunidade científica estudar o porquê dessa mudança drástica de comportamento. Ele pode ser usado em diversos setores da indústria: de semicondutores, a cosméticos e química, entre outros.
"Pesquisa só é possível com a soma de infraestrutura e recursos humanos, cujo resultado geralmente chega após décadas de construção. E o investimento volta como bem para a economia e sociedade", diz o professor. "Mas, se você para o investimento, é como perder uma colheita."
Um exemplo claro disso é o estudo de uma espécie de scanner, que identifica na retina do olho indícios de doenças degenerativas, criado por ele.
"Um dos indicadores biológicos do Alzheimer é o acúmulo no cérebro de um peptídeo, uma proteína, chamada beta amiloide. Como a nossa retina é uma extensão do cérebro, o acúmulo dessa proteína é espelhado ali, como se o olho fosse uma janela para o cérebro", explica.
Detectando precocemente a presença da beta amiloide na retina, daria para começar o tratamento precocemente. O estudo foi iniciado há cerca de seis anos e chegou até a fase de testes em camundongos. Entretanto, ele foi paralisado por falta de recursos.
"O financiamento para esse projeto acabou. Esperamos no futuro poder fazer os passos seguintes da pesquisa, de trabalho de engenharia para garantir o uso seguro do equipamento em humanos, após ensaios clínicos."
Uma outra pesquisa conduzida por Jorio, ainda em fase inicial, estuda as propriedades quânticas da interação da luz com a matéria. Isso pode ajudar na instrumentalização da informação quântica —o que parece difícil de entender, mas, segundo ele, tem um potencial de aplicação revolucionário.
De acordo com o pesquisador, essa mudança de paradigma pode ser comparada com a causada pela tecnologia da informação (satélites, fibras ópticas e outras inovações). Uma TI quântica promoveria um aumento disruptivo na capacidade de processamento, que hoje ainda é limitada.
"A informação quântica tem tantas possibilidades que pode gerar algo que nos dá medo. Temos que tomar cuidado, analisar os pontos de vista éticos e instrumentalizar na forma de protocolos. Vai ser uma revolução muito brutal na tecnologia mundial", acredita.
Este texto faz parte da série "Made In Brazil", que descreve o trabalho de 12 cientistas brasileiros que brilham criando supermateriais (e já falou sobre os cientistas que estão revolucionando o combate ao coronavírus). Estudando partículas de um milionésimo de milímetro, eles se debruçam para achar respostas capazes de revolucionar o futuro da humanidade. Leia mais aqui.
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