André Galembeck trocou as brocas por nanotecnologia no combate a cáries
Levar uma criança para o dentista pode ser uma experiência tensa. Não é de hoje que elas sentem medo do barulhinho da broca ou da injeção da anestesia. Pensando nisso, a equipe do professor André Galembeck, do Laboratório de Química da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), criou uma solução moderna, eficiente e acessível para combater cáries: uma alternativa com nanopartículas de prata.
Depois de muitos anos estudando e se graduando na Faculdade de Química da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), no interior de São Paulo, foi perto da praia que ele deu uma guinada na carreira e fez esses avanços. Em 1998, aos 30 e poucos, ele decidiu escolheu Recife para morar. "Sempre quis morar perto da praia e a UFPE possui um departamento de química muito respeitado. Foi perfeito", conta.
A familiaridade com a nanotecnologia já vinha de casa —o pai, Fernando Galembeck, também atua na área (confira aqui a história dele) —, mas foi durante os anos de faculdade que ele viu o estudo das partículas explodir na literatura científica internacional.
Nós, químicos, aprendemos a controlar as propriedades dos materiais pela composição e estrutura. A nanociência acrescentou as possibilidades de modular propriedades pela forma e tamanho, o que era totalmente novo. Como eu tinha a formação básica para entender os fenômenos e conhecia métodos de síntese, ingressar nessa área era uma escolha natural."
A junção dos conhecimentos deu certo. A produção de compostos com partículas de prata, que já tinham um reconhecido poder bactericida, fez com que seu trabalho fosse reconhecido internacionalmente.
Ao ser aplicado sobre a cárie no dente da criança, com ajuda de um pincel, a pasta com o nanomaterial "paralisa" a degradação causada pelas bactérias.
A fórmula penetra os túbulos dentários e libera as nanopartículas aos poucos. É fácil, rápido e indolor. E o melhor: de baixo custo. A matéria-prima para fazer o insumo necessário para cada aplicação custa cerca de R$ 1.
Foram feitos testes clínicos em mais de 3.000 crianças. Uma única aplicação paralisou a ação das cáries em mais de 80% dos casos, em uma semana. Em um ano, 67% dos casos ainda estavam paralisados.
São muitos anos de pesquisa e testes, e ainda assim o produto ainda não foi para as prateleiras —ou salas dos dentistas.
"Fazer a tecnologia é difícil, mas é mais difícil ainda colocá-lo no mercado. É muita burocracia", diz o pesquisador, que abriu uma empresa para comercializar a fórmula e está em busca de parceiros e investidores para a iniciativa.
Para Galembeck, a integração homem/máquina será revolucionária, e a nanotecnologia dará contribuições essenciais para isso.
São os nanomateriais que vão permitir combinar organismos vivos com sistemas de inteligência artificial. Vai acontecer", afirma.
Ele explica que a eletrônica atual, baseada em materiais duros, será conectada a materiais eletrônicos flexíveis, moldáveis, biocompatíveis e, de preferência, auto-regeneráveis (capazes de se consertarem sozinhos). Com isso, as pessoas poderão recuperar a capacidade de se locomover ou enxergar e diagnósticos serão realizados logo no início do desenvolvimento de uma doença, por exemplo.
A integração entre homem e máquina virá antes que todos os habitantes do planeta tenham água limpa para beber. Mas espero estar errado."
Ele aponta que 2,2 bilhões de pessoas não têm acesso a água tratada para beber no mundo, de acordo com o Unicef (Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância). Por isso, ele aposta em iniciativas envolvendo nanomembranas, nanocatalisadores e nanoabsorventes para resolver tais problemas hoje e no futuro.
Tudo isso poderia diminuir a incidência de doenças, reduzir custos de saúde pública, incrementar o desenvolvimento de crianças na primeira infância e trazer muitas outras consequências que podem ser descritas em uma palavra: revolução."
Galembeck vê um grande o diferencial do cientista que trabalha no Brasil: a criatividade.
A escassez de recursos financeiros, a diversidade cultural e a biodiversidade brasileira, entre outros fatores, propiciam uma combinação que nos possibilita fazer ciência de ótima qualidade, mesmo que o investimento nunca tenha sido comparável ao dos países desenvolvidos."
O cenário, segundo ele, não é dos mais otimistas. "Mas ainda temos boa infraestrutura, montada quando houve investimento [há alguns anos]. Com pouco, ainda dá para fazer alguma coisa. Por enquanto", diz.
Este texto faz parte da série "Made In Brazil", que descreve o trabalho de 12 cientistas brasileiros que brilham criando supermateriais (e já falou sobre os cientistas que estão revolucionando o combate ao coronavírus). Estudando partículas de um milionésimo de milímetro, eles se debruçam para achar respostas capazes de revolucionar o futuro da humanidade. Leia mais aqui.
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