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Made In Brazil: nanomateriais

Os cientistas brasileiros que brilham criando supermateriais


Antônio Gomes: ele trocou os redemoinhos do sertão por nanotubos de carbono

Lucas Carvalho

De Tilt, em São Paulo

29/08/2021 10h40

Ver um redemoinho se formar nos campos áridos do sertão do Ceará, no início dos anos 1980, era quase como ver um espírito. Na periferia de Fortaleza, a sabedoria popular era de que, ao ver um fenômeno desses, você devia abrir os braços. Dentro dele, diziam, havia um demônio com medo da cruz. Mas essa explicação nunca convenceu Antônio Gomes de Souza Filho.

Incentivado pela mãe, que era professora de uma escola de sucata mesmo sem ter terminado o ensino fundamental, o jovem transformou sua curiosidade pelos fenômenos da natureza em combustível para estudar física. Graduou-se pela UFC (Universidade Federal do Ceará) e logo partiu para o mestrado e doutorado. Passou por São Paulo e pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts, na sigla em inglês, nos Estados Unidos), mas quis voltar à terra natal para seguir os passos da mãe: virou professor.

Hoje ele sabe que são as leis da termodinâmica e a relação do ar seco com o solo quente que formam os redemoinhos, mas a curiosidade por esses fenômenos da natureza é a mesma que o faz achar respostas agora no mundo dos nanomateriais.

"Os nanomateriais são uma plataforma. Podem ser aplicados em várias situações, às vezes como elemento ativo, outras como coadjuvante", diz Gomes. "Todos os materiais são muito importantes, inclusive na forma macroscópica, mas os nanomateriais dão um passo além."

Nanomateriais Aplicação v2 -  -

Esse "além" significa, por exemplo, criar nanotubos de carbono — estruturas cilíndricas de átomos de carbono — 100 mil vezes mais finos do que um fio de cabelo, 100 vezes mais resistentes que o aço e ainda por cima mais eficientes que o cobre.

Desde 1990, esta é a especialidade do cientista, que pesquisa aplicações para este material supercondutor. Por serem mais eficientes e obviamente ocuparem muito menos espaço em placas de circuito, se tornaram os queridinhos da indústria eletrônica. Se o computador, celular ou tablet que você está usando para ler esta reportagem foi fabricado na última década, é quase certo que tenha nanotubos de carbono.

Eles também substituem baterias de íon-lítio, aquelas que os celulares usam, quando combinados com nanoeletrodos, ocupando menos espaço dentro dos aparelhos e conduzindo muito mais energia elétrica. Isso quer dizer baterias de maior capacidade e que duram mais.

Mesmo sendo responsável por detalhar as características dos nanotubos de fulerenos (uma das formas básicas do carbono, como o diamante e o grafite), Gomes prefere dizer que sua pesquisa serviu para engrossar um "caldo cultural" formado por vários outros trabalhos ao redor do mundo que levaram ao avanço invisível da tecnologia nos últimos anos.

"É a síntese de todo um conjunto de coisas que são feitas ao longo dos anos, meio que sem nenhuma lógica", acredita. "Em 20 anos de contribuições, algumas coisas foram viabilizadas, em termos de tecnologia e de produtos, e a gente contribuiu."

Nanomateriais Futuro dos nanomateriais v2 -  -

Além dos nanotubos de carbono, Gomes já pesquisou nanocristais de pontos quânticos, que devem formar as TVs do futuro. Samsung e Sony já vendem televisores com essa tecnologia, considerada sucessora do Oled.

Outra aposta dele para o futuro é a nanopartícula de sílica, que poderá ser usada em remédios, vacinas contra a covid-19 e no ramo da construção civil como um cimento quase "milagroso" por sua resistência única.

Seja qual for a próxima grande descoberta, Gomes acredita que ela provavelmente sairá do "flat land" ("campo plano", do inglês), um "mundo" de nanomateriais 2D que a física vem explorando nos últimos 20 anos e de onde saíram os nanotubos de carbono, o grafeno e muito mais.

É muito difícil dizer o que virá e qual será seu papel. Nós, que trabalhamos com pesquisa básica, sabemos que existem propriedades ótimas para vários tipos de aplicação, mas você sempre tem o problema de escalabilidade, engenharia e adaptação às plataformas tecnológicas que são dominantes. Isto requer mudança de cultura e investimento."

Nanomateriais v2 Como anda a ciência brasileira -  -

O professor ressalta que o Brasil está na vanguarda da pesquisa em nanomateriais, mas falta uma coisa. Não é dinheiro, diz, mas estabilidade política.

"O Brasil tem muita dificuldade, como sociedade, de estabelecer prioridades. E quando faz, é impressionante: muda o governo, muda o projeto."

Com a experiência de quem cresceu vendo a fome e a seca no sertão, Gomes até já sabe qual deveria ser a prioridade: encontrar uma maneira de levar irrigação para as regiões semiáridas do país de forma sustentável, sem agredir o meio ambiente.

"No cenário onde vivo temos problema com água e energia, e temos muita luz, muito sol", diz. "Se eu fosse gestor público, usaria toda a biomassa [matéria orgânica que pode ser usada para produzir energia] que temos para gerar tecnologias mais baratas. O próximo salto que vamos dar depende da nossa capacidade de realizar projetos mais interdisciplinares."

Este texto faz parte da série "Made In Brazil", que descreve o trabalho de 12 cientistas brasileiros que brilham criando supermateriais (e já falou sobre os cientistas que estão revolucionando o combate ao coronavírus). Estudando partículas de um milionésimo de milímetro, eles se debruçam para achar respostas capazes de revolucionar o futuro da humanidade. Leia mais aqui.

Teia cientistas nanomateriais v2 - Arte UOL - Arte UOL
Imagem: Arte UOL