Fernando Galembeck cria tinta antichamas e coleta energia elétrica do ar
Era lá pelos anos 1950 que Fernando Galembeck, ao ajudar no laboratório farmacêutico do pai, em São Paulo, aprendia sobre os poderes dos íons de prata, um dos mais tradicionais componentes disponíveis nas farmácias como desinfetante e antisséptico.
"Uma solução muito usada continha nada menos do que nanopartículas de prata para tratar infecções nos olhos e nas vias respiratórias", lembra o professor aposentado de química da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), que ainda segue na ativa como colaborador.
Naquela época, a nomenclatura "nanotecnologia" nem existia —surgiu muito depois, no início da década de 1980. Mesmo em 1978, quando publicou seu primeiro artigo sobre as partículas nanométricas, ninguém falava nisso: "Eram partículas coloidais [tamanho médio entre 1 e 100 nanômetros]", diz.
Mas logo a produção científica nessa escala (um milionésimo de milímetro) ganhou força, e Galembeck foi traçando seu caminho na área. Trabalhou anos no Inomat (Instituto Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Materiais Complexos Funcionais), da Unicamp, teve mais de 36 patentes traduzidas, atuou em várias agências de fomento, publicou mais de 240 artigos científicos e recebeu inúmeros prêmios.
Uma das mais importantes descobertas que fez foi a de uma nova classe de tintas retardantes de chama, que poderia evitar grandes tragédias, como a do incêndio no Museu Nacional, do Centro de Treinamento do Flamengo ou da catedral de Notre Dame em Paris, por exemplo.
Mas foi uma outra pesquisa de sua autoria que chamou a atenção da comunidade científica internacional e deu o que falar: coletar energia elétrica do ar úmido.
Galembeck e sua equipe descreveram como a água na atmosfera ganha cargas elétricas e transfere-as para superfícies sólidas ou líquidas. Para provar isso, expuseram partículas de sílica e fosfato de alumínio à alta umidade e mostraram que a sílica se tornou mais negativamente carregada, enquanto o fosfato de alumínio ganhou carga positiva.
A descoberta, feita no início dos anos 2000, foi chamada de "higroeletricidade" (higro = umidade) e abriu caminho para o desenvolvimento da "água eletrizada" — com excesso de cargas elétricas.
"É uma quebra de paradigma. Tenho dificuldades para convencer os colegas, pois vai de encontro ao que estudamos em toda nossa vida", conta.
Ainda que a experiência tenha coletado uma amostra pequena de eletricidade, o potencial para acumular carga é enorme —e inédito. O princípio pode servir de base para uma nova fonte de energia renovável, sobretudo em áreas úmidas do planeta, como os trópicos.
Isso tornaria possível abastecer casas e fábricas com eletricidade coletada de painéis, assim como é feito com a energia solar, e pode ser uma grande solução para produzir energia em áreas com falta de abastecimento, como as ribeirinhas na Amazônia. Ou ainda para abastecer de energia equipamentos para monitoramento de segurança nas encostas da Serra do Mar, com a popularização da iOT (internet das coisas), exemplifica.
"São ideias fascinantes, que novos estudos poderão tornar realidade," ressalta o pesquisador. "Temos um longo caminho a percorrer, mas os benefícios no longo prazo podem ser substanciais."
Num futuro não muito distante, a nanotecnologia vai ser tão corriqueira que sequer será mencionada, acredita o cientista. Mas ainda há muito espaço para evoluir em materiais já utilizados e para criar novos elementos.
Galembeck ressalta que as nanopartículas já ajudam a encapsular remédios, para evitar desperdício, e a evitar prejuízos na agricultura causados pelas geadas. Em breve, cada vez mais soluções virão para evitar perdas e problemas ambientais e de saúde, por exemplo.
"Assim como hoje já se utilizam drones para provocar chuvas em determinadas regiões — e há algum tempo isso nem era imaginado — poderemos descobrir coisas que estão além de nossa imaginação", afirma.
Com a experiência de quem já foi vice-reitor da Unicamp (1998-2002) e diretor do Laboratório Nacional de Nanotecnologia do Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais, em Campinas, além de ter ocupado cargos no Ministério da Ciência e Tecnologia, no CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), na Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e na Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), Galembeck ressalta que o nível de investimento que temos hoje em ciência e tecnologia no país está "bem baixo".
"Mas não podemos deixar o barco afundar", afirma.
"Apesar das dificuldades e impulsionados pela criatividade, conseguimos avançar. É como diz o dito popular: 'A necessidade é a mãe das invenções'."
Este texto faz parte da série "Made In Brazil", que descreve o trabalho de 12 cientistas brasileiros que brilham criando supermateriais (e já falou sobre os cientistas que estão revolucionando o combate ao coronavírus). Estudando partículas de um milionésimo de milímetro, eles se debruçam para achar respostas capazes de revolucionar o futuro da humanidade. Leia mais aqui.
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