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Made In Brazil: nanomateriais

Os cientistas brasileiros que brilham criando supermateriais


Marcos Pimenta, o pioneiro do carbono que descobriu o 'cimento inteligente'

Lucas Carvalho

De Tilt, em São Paulo

29/08/2021 10h50

A vida de Marcos Assunção Pimenta foi sempre cercada de minerais. O pai era professor universitário de engenharia de solos e estudava a composição de sua terra natal, Minas Gerais. Então, desde cedo, vinha essa curiosidade pela física dos materiais, que o empurrou para a vida de cientista no Instituto de Física da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Mas foi um encontro na década de 1990 com o químico britânico Harold Kroto, prêmio Nobel pela descoberta das "buckyballs" (ou nanoesferas de carbono), que fez o brasileiro mudar de rumo. Fascinado pelas novas possibilidades que aquelas bolinhas de átomos de carbono traziam, Pimenta partiu para um ano no lendário MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), nos Estados Unidos, onde conheceu pesquisadores como Mildred Dresselhaus, a "rainha do carbono", e Richard Smalley, prêmio Nobel de química pela primeira síntese de nanotubos de carbono do mundo.

Pimenta logo embarcou nessa jornada. "No MIT, eu fui a primeira pessoa a fazer experiências com nanotubo de carbono", lembra. "Quando eu voltei ao Brasil, estava muito animado para continuar estudando esses materiais e em pouco tempo conseguimos produzi-los aqui, em 2000."

Os experimentos práticos com nanotubos de carbono viraram o foco da carreira do mineiro, que se especializou na técnica de espectroscopia —ou, como ele mesmo explica, na técnica de "jogar uma luz no material, como um laser, e ver como ele absorve e reflete aquela luz".

É quase como tirar uma fotografia dos nanomateriais —que, vale lembrar, sequer conseguem ser vistos com microscópios e medem a partir de 1 nanômetro (1 bilionésimo de 1 metro ou 0,000000001 m).

Nanomateriais Aplicação v2 -  -

Pimenta explica que os nanotubos de carbono são uma folha de átomos de carbono enrolada na forma de um cilindro.

"O nanotubo de carbono, por razões históricas, foi descoberto antes da possibilidade de se isolar uma única folha de grafite do grafeno. Por acaso, um se chama 'nanotubo de carbono' e o outro se chama 'grafeno', mas é um grafeno enrolado na forma de um tubo. A estrutura atômica é muito parecida."

Os possíveis usos desse material são diversos: desde baterias de celulares que duram mais até placas solares que armazenam mais energia. Mas uma aplicação em especial deixa Pimenta orgulhoso. Em 2010, ele ajudou a fundar o CTNano (Centro de Tecnologia em Nanomateriais e Grafeno), em Belo Horizonte, que contou com o apoio da Petrobras e de uma empresa de cimentos chamada InterCement.

O projeto, que na época custou R$ 40 milhões, abriu espaço para a criação de novos materiais a serem usados na indústria.

"A Petrobras tinha interesse em materiais poliméricos, borrachas e plásticos mais resistentes para o processo de extração de petróleo. Essa empresa de cimento estava fazendo uma pesquisa de um concreto mais resistente", diz.

Essa junção de interesses com os poderes da nanotecnologia levou à descoberta do supercimento.

"Se você colocar 0,2% de nanotubos no cimento, as propriedades melhoram 50%, porque ele une os grãos do cimento deixando-o mais resistente", explica o professor. "Além disso, eu posso fazer desse tubinho um sensor, que avisa quando houver uma fissura."

Nanomateriais Futuro dos nanomateriais v2 -  -

Além dos nanotubos de carbono e grafeno, Pimenta olha com atenção para nanomateriais com poderes semicondutores —como os sulfetos de molibdênio e tungstênio, o fósforo negro e o nitreto de boro, também chamado de "grafeno branco".

Eles são potenciais substitutos para o silício usado hoje para fabricar chips de computadores, celulares e carros elétricos, com a vantagem de serem muito mais fáceis de usar em escala nanométrica.

Mas o futuro pertence mesmo aos "materiais inteligentes", diz ele: uma mistura de materiais convencionais, como o plástico, com essas novas nanoestruturas capazes de dar superpoderes a eles.

"Um material sozinho não resolve nada", diz o físico. "Quando você pensa num dispositivo prático, não vai fazer aquilo usando um tipo só de nanomaterial. Tem que fazer uma conjugação, porque cada nanomaterial tem uma aplicação específica."

Nanomateriais v2 Como anda a ciência brasileira -  -

Nos anos 2000, quando a descoberta do grafeno ainda era novidade e a ciência se espantava com as possibilidades que aquele material bidimensional inspirava na indústria, Pimenta diz que havia uma "euforia" no Brasil.

"A gente ia a congressos internacionais e tinha muito brasileiro apresentando trabalho de qualidade", recorda. Mas aí perdemos o bonde:

O Brasil sempre esteve na série B da ciência e tecnologia. Achamos que íamos chegar na série A, porque éramos o melhor time da série B. Mas, infelizmente, agora lutamos para não cair para a série C. É triste, mas estamos ali no Z-4 da série B da ciência mundial."

Para Pimenta, o que fez o Brasil perder o ritmo na área de nanomateriais foi a queda no investimento público. Dados do Siop (Sistema Integrado de Operações), do governo federal, mostram que o montante destinado ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) em 2021 foi o menor em 20 anos: R$ 1,21 bilhão, pouco mais da metade do que foi investido em 2000.

O físico não acredita em financiamento privado para pesquisa: "Apenas o estado tem cacife para apostar e botar dinheiro num projeto cujo retorno não vai ser imediato", diz.

Ele compara a situação dos pesquisadores brasileiros à velha história que ouvia em Minas Gerais do homem que tentou ensinar seu burro a trabalhar sem comer.

"Foi diminuindo a comida, de dois em dois dias, e o burro trabalhando. Depois de três em três. Depois uma vez por semana. Aí um dia o burro morreu. E ele falou: 'puxa, mas que azar, o burro estava quase aprendendo a trabalhar sem comer e morreu agora'. Obrigar o cientista a trabalhar sem recurso é assim."

Este texto faz parte da série "Made In Brazil", que descreve o trabalho de 12 cientistas brasileiros que brilham criando supermateriais (e já falou sobre os cientistas que estão revolucionando o combate ao coronavírus). Estudando partículas de um milionésimo de milímetro, eles se debruçam para achar respostas capazes de revolucionar o futuro da humanidade. Leia mais aqui.

Teia cientistas nanomateriais v2 - Arte UOL - Arte UOL
Imagem: Arte UOL