Oswaldo Luiz Alves: o adeus a um pioneiro de pontos quânticos no Brasil
Foi num pequeno laboratório montado com materiais doados por um dos bisnetos de Vital Brazil —médico sanitarista que fundou o Instituto Butantan— que Oswaldo Luiz Alves descobriu-se cientista. Ainda criança, quando estudava numa escola pública da zona oeste de São Paulo, ele fazia experiências de química e biologia num clubinho de ciências. Nem imaginava, no entanto, que este seria o pontapé para tornar-se um pioneiro da nanotecnologia no Brasil.
Alves foi um dos primeiros no país a criar materiais em escala atômica e molecular, lá nos anos 1980, no Projeto Fibras Ópticas, financiado pelo CPQD (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento) da Telebrás. Nesta fase, desenvolveu vidros com características especiais e avançou em trabalhos com pontos quânticos —os mesmos que hoje são usados em televisões como, por exemplo, a Qled da Samsung (o Q é uma referência a pontos quânticos).
Antes mesmo de cursar química industrial na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), onde se tornou professor titular do Departamento de Química Inorgânica, Alves já trabalhava com técnicas espectroscópicas, que servem para identificar compostos de uma amostra. Durante o pós-doutorado na França, no Laboratório de Espectroquímica de Infravermelho e Raman, no Centro Nacional de Pesquisa Científica, ele disse que "se deixou contaminar" pela química do estado sólido dos materiais e direcionou sua carreira para a nanotecnologia.
No retorno ao Brasil, fundou o Laboratório de Química do Estado Sólido (LQES), na Unicamp, em 1985. Ao longo de sua carreira, publicou mais de 250 artigos e foi responsável por 31 patentes de processos e aplicações, algumas internacionais — incluindo uma tecnologia voltada à remediação de efluentes de indústrias papeleiras e têxteis.
O seu envolvimento com a nanotecnologia não só rendeu muitos avanços científicos —ele trabalhou com nanopartículas metálicas, de ouro e prata, nanotubos de carbono, grafeno e derivados, sistemas antibacterianos e muito mais— como o levou para um campo fundamental dos avanços científicos: a "Science for Regulation" (SfR - regulação para ciência, em tradução livre).
Nos últimos dez anos, estudou os riscos e benefícios dos nanomateriais à humanidade e ao meio ambiente. Para isso, avaliou a interação da nanotecnologia com diversos biossistemas —células cancerígenas, bactérias, peixes, plantas e insetos.
"O objetivo é fornecer dados científicos que subsidiarão a regulação e as questões afeitas à nanossegurança, que garantirão que o desenvolvimento científico, tecnológico e mercadológico ocorra de modo seguro e responsável", explicou a Tilt.
"Esta é a nossa situação: investir de forma estável e continuada em pesquisa básica e formação de recursos humanos. Temos muita coisa a fazer", apontou.
Para Alves, os estudos com os novos carbonos, sobretudo o grafeno e seus derivados, em breve devem trazer avanços incríveis. Mas não só: toda a família dos materiais bidimensionais (com poucos átomos de espessura) e da nanocelulose têm papel importante, tanto para ciência básica quanto para a ciência aplicada.
"Em todas essas especialidades existem grupos de pesquisa com alto grau de competência atuando no país", disse.
"Concretamente, o que temos visto é o papel crucial de algumas nanopartículas na produção de vacinas, testes rápidos e diagnósticos, além de produtos para fazer face às exigências sanitárias, como antibacterianos."
O professor refere-se às vacinas baseadas em RNA mensageiro (mRNA), como a da Pfizer, desenvolvida para combater a covid-19, ao uso da nanotecnologia em testes de covid, e à utilização de nanopartículas de prata em roupas, máscaras e embalagens com o propósito de eliminar partículas do SARS-CoV-2.
Alves, que foi presidente da Academia Brasileira de Ciências, ressalta que o nível da pesquisa no Brasil é bastante elevado nos mais diferentes campos da nanotecnologia e temos importantes programas e institutos de inovação.
"Mas os constantes cortes levaram vários laboratórios à situação de grande penúria, que tem impedido que muitas pesquisas pioneiras tenham continuidade em função do sucateamento de suas facilidades laboratoriais e instrumentais", contou.
Também é crítica a falta de bolsas para manutenção de estudantes e pesquisadores. "Isso tem feito com que muitos jovens talentosos optem por deixar o país", lamentou.
Por suas contribuições à comunidade química brasileira, Alves recebeu inúmeros reconhecimentos, como a medalha Simão Mathias (2004) e o Prêmio de Inovação Tecnológica (2008), ambos conferidos pela Sociedade Brasileira de Química. Ganhou ainda a Comenda da Ordem Nacional do Mérito Científico (2002) e o prêmio Cientista do Ano (2016), da Nanocell, na modalidade de nanotecnologia.
Dias depois de contar sua trajetória a Tilt, o professor sofreu um infarto e morreu aos 74 anos, no dia 10 de julho deste ano. Então, fica aqui a nossa homenagem póstuma a ele.
Este texto faz parte da série "Made In Brazil", que descreve o trabalho de 12 cientistas brasileiros que brilham criando supermateriais (e já falou sobre os cientistas que estão revolucionando o combate ao coronavírus). Estudando partículas de um milionésimo de milímetro, eles se debruçam para achar respostas capazes de revolucionar o futuro da humanidade. Leia mais aqui.
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