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Bolsonaro muda Marco Civil da Internet para limitar remoção de posts

Fabiana Uchinaka

De Tilt, em São Paulo

06/09/2021 16h57Atualizada em 06/09/2021 21h54

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) assinou nesta segunda-feira (6) a medida provisória (MP) que altera o Marco Civil da Internet, lei que regula o uso da web no Brasil desde 2014. Com a mudança, os provedores, como Facebook, Twitter, Instagram, YouTube e outras redes sociais, precisam seguir protocolos antes de remover contas, perfis e conteúdos. Ou seja: notificar o usuário, identificar a medida adotada, apresentar o motivo da moderação e informar sobre prazos, canais de comunicação e procedimentos para a contestação.

Fica proibido apagar posts ou excluir contas, total ou parcialmente, "exceto por justa causa" e "é vedada aos provedores de redes sociais a adoção de critérios de moderação ou limitação do alcance da divulgação de conteúdo que impliquem censura de ordem política, ideológica, científica, artística ou religiosa."

A "justa causa" caracteriza-se apenas nas seguintes hipóteses:

  • inadimplemento do usuário;
  • contas criadas com o propósito de assumir ou simular identidade de terceiros para enganar o público, ressalvados o direito ao uso de nome social e à pseudonímia e o explícito ânimo humorístico ou paródico;
  • contas preponderantemente geridas por qualquer programa para simular ou substituir atividades humanas na distribuição de conteúdo (bots);
  • contas que ofertem produtos ou serviços que violem direitos de propriedade intelectual;
  • cumprimento de determinação judicial;
  • conteúdo em desacordo com o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)
  • nudez ou representações explícitas ou implícitas de atos sexuais;
  • prática, apoio, promoção ou incitação de crimes contra a vida, pedofilia, terrorismo, tráfico, etc;
  • apoio, recrutamento, promoção ou ajuda a organizações criminosas ou terroristas ou a seus atos;
  • prática, apoio, promoção ou incitação de atos de ameaça ou violência, inclusive discriminação ou preconceito de raça, cor, sexo, etnia, religião ou orientação sexual;
  • promoção, ensino, incentivo ou apologia à fabricação ou ao consumo, explícito ou implícito, de drogas ilícitas;
  • prática, apoio, promoção ou incitação de atos de violência contra animais;
  • usar ou ensinar a roubar credenciais, invadir sistemas, comprometer dados pessoais ou causar danos a terceiros;
  • prática, apoio, promoção ou incitação de atos contra a segurança pública, defesa nacional ou segurança do Estado;
  • usar ou ensinar a violar patente, marca registrada, direito autoral ou outros direitos de propriedade intelectual;
  • infração às normas editadas pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária referentes a conteúdo ou material publicitário ou propagandístico;
  • disseminação de vírus ou malware
  • comercialização de produtos impróprios ao consumo


Segundo a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República, a alteração "objetiva maior clareza quanto a políticas, procedimentos, medidas e instrumentos" para cancelamento ou suspensão de conteúdos e contas, exige "justa causa e motivação" e prevê direito de restituição do conteúdo, alegando liberdade de expressão.

A medida provisória foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União e já está valendo —dura por 60 dias, prorrogável uma vez por igual período, e perde os efeitos se não for aprovada no Congresso.

De acordo com o texto, não se incluem "aplicações de internet que se destinam à troca de mensagens instantâneas e às chamadas de voz, assim como aquelas que tenham como principal finalidade a viabilização do comércio de bens ou serviços".

Bolsonaro tem elevado as críticas às plataformas nos últimos meses após ter diversas postagens ocultadas ou limitadas por espalhar "desinformação médica sobre a covid-19".

Embora as redes sociais sempre tenham sofrido muita pressão para melhorar o nível da moderação de conteúdo, a pandemia coloco-as em outro patamar. Com a disseminação de informações falsas sobre o coronavírus, elas agiram com mais rigor para remover conteúdos desinformativos, etiquetar publicações com links para fontes confiáveis ou mesmo excluir usuários que repetidamente infringissem suas regras.

O YouTube removeu, de uma só vez, 15 vídeos publicados por Bolsonaro que faziam apologia do chamado "tratamento precoce" contra a covid-19 com cloroquina e da ivermectina —apesar de não existir qualquer comprovação científica para isso.

Em um dos vídeos removidos pelo YouTube, por exemplo, filmado durante viagem ao Amazonas, ele conta sobre conversa com indígenas e recomenda um chá no combate à covid-19: "Daí eu perguntei: foi antes da vacina? Foi antes da vacina, que já foram vacinados também. Não morreram por quê? Tomaram alguma coisa? Vamos lá, pessoal, anota aí: segundo eles, tomaram chá de carapanaúba, saracura ou jambu. Não tem comprovação científica, certo, mas tomaram isso."

Um vídeo postado por Bolsonaro no Facebook e no Instagram também foi removido pelos mesmos motivos. Em 2020, o Twitter apagou dois posts dele com vídeos em que ele aparecia provocando aglomerações, criticando medidas de isolamento contra a pandemia e propagandeando remédios sem eficácia contra a covid.

Em fevereiro, numa conversa com apoiadores na entrada do Palácio do Planalto, Bolsonaro reclamou do Facebook e disse que a plataforma estaria impedindo o envio de fotos de notas fiscais de combustíveis pela plataforma — um pedido feito pelo presidente para se defender de críticas pela alta nos preços.

Na ocasião, o presidente também falou em tributar as empresas de mídia social. "O governo federal também, junto com o Parlamento, [tem que] criar uma legislação, taxar mais ainda esse pessoal [redes sociais] que paga muito pouco de imposto para operar dentro do Brasil", declarou.

Em 2019, o presidente também reclamou da decisão do WhatsApp de limitar o encaminhamento de mensagens a apenas cinco contatos —medida que a empresa diz ter tomado para evitar a propagação de notícias falsas dentro do app. "Uma maneira de me cercear foi diminuir o alcance do WhatsApp", disse Bolsonaro em uma live nas redes sociais. "Há censura em cima disso. Temos que lutar contra isso."

Bolsonaro, que recorrentemente se diz "cerceado", agiu contra as redes sociais para, segundo ele, evitar que postagens sejam removidas de forma "arbitrária e imotivada".

"A urgência e a relevância da medida decorrem do fato de que a remoção arbitrária e imotivada de contas, perfis e conteúdos por provedores de redes sociais, além de prejudicar o debate público de ideias e o exercício da cidadania, resulta em um quadro de violação em massa de direitos e garantias fundamentais como a liberdade de expressão e o exercício do contraditório e da ampla defesa", diz nota da Presidência.

As principais redes sociais foram procuradas. O YouTube informou que não vai comentar, e o Facebook disse que a MP "limita de forma significativa a capacidade de conter abusos nas nossas plataformas, algo fundamental para oferecer às pessoas um espaço seguro de expressão e conexão online".

Já o Twitter reforçou que o Marco Civil da Internet foi uma lei de vanguarda na proteção dos direitos dos usuários, fruto de um "amplo e democrático" processo de discussão com a sociedade civil, empresas, academia, usuários e órgãos públicos que preserva a inovação e a livre concorrência. "A proposição desta Medida Provisória que traz alterações ao Marco Civil contraria tudo o que esse processo foi e o que com ele foi construído", diz nota da empresa.

Entre as punições, estão:

  • advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas;
  • multa de até dez por cento do faturamento do grupo econômico no país;
  • multa diária;
  • suspensão temporária das atividades;
  • proibição de exercício das atividades.

As redes sociais terão trinta dias para adequação de suas políticas e de seus termos de uso.

Segundo Carlos Affonso, colunista de Tilt, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio) e professor da Faculdade de Direito da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro, mudanças assim invertem a lógica da liberdade.

"Em nome da liberdade de expressão absoluta, elimina a liberdade de iniciativa, a autonomia contratual, gera insegurança jurídica e potencializa os danos", diz.

"Os termos de uso das plataformas (e sua aplicação) podem sempre ser analisados à luz da legislação nacional. Não dá para dizer que essas regras são censura de cara porque são contratos de adesão e, dessa forma, sempre cabível a apreciação pelo Judiciário de qualquer ilicitude", explicou.