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Sucesso! Missão da SpaceX leva pela 1ª vez quatro civis à órbita da Terra

Fabiana Uchinaka e Marcella Duarte

De Tilt, em São Paulo

15/09/2021 21h18

Jared Isaacman, Sian Proctor, Chris Sembroski e Hayley Arceneaux já estão na órbita da Terra. A primeira missão composta apenas de pessoas amadoras (não astronautas) foi lançada com sucesso na noite desta quarta-feira (15), a partir da base do Cabo Canaveral, na Flórida, no foguete Falcon 9.

A missão Inspiration4, da SpaceX, é um ambicioso teste para a popularização do turismo espacial, e os tripulantes viverão uma jornada de três dias ao redor de nosso planeta. O projeto está sendo documentado por um seriado da Netflix, chamado "Countdown: The Inspiration4 Mission to Space".

spacex - Reprodução - Reprodução
Momento do lançamento da missão Inspiration4
Imagem: Reprodução

Esta é uma prova de conceito de que uma missão espacial não-profissional, apenas com civis dentro de um foguete, dá certo. Ela vai chegar mais alto que a Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês) e que o Telescópio Espacial Hubble, antes de retornar à Terra, em um mergulho na costa da Flórida.

Spacex - Divulgação/SpaceX - Divulgação/SpaceX
Imagem: Divulgação/SpaceX

O voo

Enquanto os quatro chegavam em segurança à órbita, outro procedimento complexo precisou acontecer aqui na Terra: a recuperação do primeiro estágio do foguete Falcon 9, que voltou sozinho e pousou no navio autônomo (droneship), no Oceano Atlântico, minutos após a decolagem.

Foguetes são caríssimos (o preço do Falcon 9 é estimado em US$ 90 milhões) e, ao mesmo tempo, descartáveis nas viagens espaciais. Chamado de "booster", o primeiro estágio é a parte que impulsiona o lançamento, queimando uma grande quantidade de combustível (sabe aquelas labaredas no lançamento?).

Minutos após a decolagem, ele é desacoplado da cápsula para reduzir o peso e resistência à gravidade da carga principal, e cai de volta à Terra. O primeiro estágio é também a parte mais pesada —e cara— do foguete. Recuperá-lo é um grande avanço. O Falcon 9 tem um segundo estágio, que realiza manobras, e depois é desacoplado e vira lixo espacial. Outros foguetes têm até um terceiro estágio.

O processo é bem monitorado: além de cálculos precisos, o pedaço de foguete tem propulsores que ajudam a controlar a trajetória de retorno. Ainda assim, não há precisão total. Por isso, um navio fica a postos na área prevista, como um heliporto flutuante.

A SpaceX tem dois droneships em atividade: "Of Course I Still Love You" (OCISLY) e "Just Read the Instructions" (JRtI). Os nomes engraçadinhos são uma referência nerd ao livro de ficção científica "The Player of Games", do escocês Iain M. Banks. Os dois navios operam no Oceano Atlântico, para servir a Cabo Canaveral no projeto Starlink, em experimentos de empresas privadas e nas missões da Nasa.

Estas balsas robóticas —chamadas de ASDS, sigla em inglês para navio autônomo para porto de naves— são uma das chaves para um programa espacial mais barato. Os foguetes são recuperados rapidamente e sem danos. Se eles simplesmente caíssem na água ou em terra, precisariam de reformas para serem usados novamente.

Passeio pelo espaço

Durante a viagem de três dias, os tripulantes terão a chance de observar as estrelas e nosso planeta de um ponto de vista privilegiado, além de realizar experimentos científicos e monitorar os instrumentos da nave — que, além de ser autônoma, com tecnologia de ponta, será o tempo todo supervisionada pelos controladores em terra.

Mas, sim, a nave funciona no piloto-automático, vai e volta sozinha.

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Jared Isaacman, Hayley Arceneaux, Sian Proctor e Chris Sembroski (da esq. para dir.)
Imagem: Inspiration4/John Kraus

Quem são os tripulantes

O bilionário norte-americano Jared Isaacman, 38, será o comandante da missão. Fundador da empresa de pagamentos Shift4Payments, ele é um habilidoso piloto de jatos e entusiasta espacial, e foi quem presenteou os outros três com a viagem —o valor não foi revelado. Além de Isaacman, estarão presentes:

Hayley Arceneaux, 29: ela tinha dez anos quando foi diagnosticada com um câncer ósseo. Por conta do tratamento, passou a usar uma prótese em uma das pernas. Atualmente, é médica-assistente do hospital para crianças St. Jude Children's, em Memphis. Será a médica da missão.

Chris Sembroski, 41: ele é ex-oficial da Força Aérea dos EUA. Além disso, é engenheiro de dados e tem em sua trajetória trabalhos voluntários em grupos ligados ao universo da astronomia. Um amigo dele venceu um concurso de arrecadação de verba para o hospital em que Arceneaux trabalha e passou a vaga para Sembroski.

Sian Proctor, 51: ela é professora de geociências de uma universidade no Arizona e tem uma loja online com estampas e cartões postais que ela mesma desenha. Foi escolhida em um concurso organizado pela empresa de Isaacman com o objetivo de conscientizar e fortalecer o papel de mulheres negras na indústria espacial. Ela já teve experiências com simulações de viagens espaciais anteriormente.

Como foi o treinamento para a missão

Os quatro tiveram seis meses de treinamentos juntos. Nesse tempo eles estudaram manuais e participaram de inúmeros testes . Foi uma espécie de mini curso intensivo de astronauta, com treinamentos em simuladores de voo e de microgravidade, aulas teóricas, testes de conhecimentos e provas físicas.

Médica Hayley Arceneaux em teste da centrífuga - Inspiration4/John Kraus - Inspiration4/John Kraus
Médica Hayley Arceneaux em teste da centrífuga
Imagem: Inspiration4/John Kraus

Eles passaram por uma câmera de centrifugação para simular a força da gravidade nos próprios corpos no ambiente fora da Terra. Basicamente, ficaram presos em uma cadeira que ficava girando e se movimentando para criar a força centrífuga.

Médica Hayley Arceneaux em teste da centrífuga em movimento - Inspiration4/John Kraus - Inspiration4/John Kraus
Médica Hayley Arceneaux em teste da centrífuga em movimento
Imagem: Inspiration4/John Kraus

Para que eles sentissem uma sensação parecida, os quatro também participaram de voos que simulam a microgravidade. Nesse tipo de teste, quem está dentro da aeronave consegue sentir por uns 30 segundos a gravidade zero.

Para quebrar o gelo e fazer a tripulação se conhecer, Isaacman os convidou para escalar uma montanha juntos no começo de maio. O lugar escolhido foi o Monte Rainier de Washington, um vulcão ativo coberto de gelo.

Jared Isaacman convidou os três participantes da missão para escalar uma montanha - Inspiration4/John Kraus - Inspiration4/John Kraus
Jared Isaacman convidou os três participantes da missão para escalar uma montanha
Imagem: Inspiration4/John Kraus

"Eles desenvolveram alguma resistência mental. Eles se sentiram confortáveis sendo desconfortáveis. A comida é uma droga na montanha. As temperaturas podem ser uma droga na montanha. Não podemos aumentar e diminuir o termostato [na missão espacial]... E posso dizer que a comida não é boa no espaço, pelo que provamos até agora", disse Isaacman ao site Insider.

Já na sede da SpaceX, na Califórnia, eles passaram dias com um ritmo intenso de preparação. Segundo o bilionário, eram quase 12h por dia de estudos, que envolveram aulas sobre as partes do foguete e tudo o que pode dar errado.

Professora Sian Proctor e equipe durante o treinamento antes da missão espacial - Inspiration4/John Kraus - Inspiration4/John Kraus
Professora Sian Proctor e equipe durante o treinamento antes da missão espacial
Imagem: Inspiration4/John Kraus

Depois da aula teórica, a prática veio com simulações dentro da cápsula de passageiros Crew Dragon. Em uma delas, eles vestiram todo o traje espacial e ficaram dentro dela por 30 horas.

Sian Proctor, Chris Sembroski, Jared Isaacman e Hayley Arceneaux (da esq. para dir.) em simulação dento da Crew Dragon - Inspiration4/John Kraus - Inspiration4/John Kraus
Sian Proctor, Chris Sembroski, Jared Isaacman e Hayley Arceneaux (da esq. para dir.) em simulação dento da Crew Dragon
Imagem: Inspiration4/John Kraus

Inspiration4 da SpaceX: membros da missão Chris Sembroski, Hayley Arceneaux, Jared Isaacman e Sian Proctor (da esq. para dir.) - Inspiration4/John Kraus - Inspiration4/John Kraus
Os membros da missão em treinamento
Imagem: Inspiration4/John Kraus

Por que é importante?

Empresas privadas e grandes nações estão de olho na indústria espacial. O sonho futurista de viver e trabalhar no espaço, sem precisar ser um astronauta profissional, pode virar realidade com o sucesso da missão Inspiration4.

A SpaceX quer provar que, um dia, viagens espaciais podem ser simples como pegar um avião comercial, para qualquer pessoa.

A cápsula usada nesta quarta foi a Crew Dragon "Resilience", a mesma que levou os astronautas da Crew-1 para a Estação Espacial e retornou em abril — mais um ponto positivo para a tecnologia da empresa, reutilizável e mais barata.

Missões anteriores já enviaram bilionários em voos suborbitais, alguns turistas no ônibus espacial ou até visitantes para a ISS — mas sempre junto com experientes astronautas norte-americanos ou russos. Esta é a primeira unicamente com amadores.

A Inspiration4 também tem um lado filantrópico: Isaacman quer arrecadar US$ 200 milhões para o hospital infantil St. Jude, especializado em pesquisa e tratamento de câncer. Ele próprio doará metade desse valor.