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Rapaz consegue 'falar' com noiva falecida usando IA, e empresa proíbe uso

Estúdio Rebimboca/UOL
Imagem: Estúdio Rebimboca/UOL

Colaboração para Tilt

22/09/2021 04h00

Quando o desenvolvedor independente Jason Rohrer criou o Project December, uma plataforma que permitia a qualquer pessoa desenvolver seu próprio chatbot (sistema com inteligência artificial que simula conversas humanas) facilmente, ele não imaginava a confusão em que estava se metendo.

Criada para ser uma espécie de robô de bate-papo, que interage com as pessoas de maneira amigável, a ferramenta foi utilizada por um outro homem para que ele pudesse "conversar" com sua falecida noiva.

O escritor freelancer Joshua, 33, segundo reportagem do jornal dos Estados Unidos San Francisco Chronichle, se apropriou da tecnologia de uma forma que fez o chatbot responder como se fosse a sua noiva Jessica, que faleceu em 2012 por conta de uma doença hepática.

A história lembra a que foi vista nos cinemas em 2013, no filme "Ela" ("Her"), dirigido por Spike Jonze, em que o escritor Theodore, vivido pelo ator Joaquin Phoenix, desenvolve uma relação de amor com o novo sistema operacional do seu computador. Como a vida imita a arte, o próprio robô de mensagens usado por Rohrer foi batizado de Samantha, em homenagem à assistente de voz do longa-metragem.

O caso se espalhou e a empresa responsável por manter a tecnologia de chatbot no ar, a OpenAI, fundada pelo bilionário Elon Musk, da Tesla e da SpaceX, decidiu interceder e dar um fim ao projeto.

"Acabo de receber a sentença de morte de Samantha de @OpenAI por email", afirmou o desenvolvedor em seu pefil numa rede social no início deste mês.

Como funciona

O Project December permite a qualquer pessoa criar o próprio chatbot usando o sistema de inteligência artificial GPT-3. Essa IA é especializada em manipular a linguagem humana, capaz de gerar textos em inglês fluente em resposta a qualquer informação.

Embora assistentes digitais como a Siri, da Apple, e a Alexa, da Amazon, também pareçam entender e reproduzir o inglês em um nível razoável, o GPT-3 é uma tecnologia avançada, capaz de imitar praticamente qualquer estilo de escrita e se passar facilmente por um ser humano. Os desenvolvedores aproveitam então para dar os seus toques ainda mais humanos ao chatbot.

Trata-se de um sistema tão avançado que a OpenAI tentou mantê-lo em segredo. Citando preocupações com "segurança", a empresa inicialmente atrasou o lançamento de uma versão anterior, GPT-2, e o acesso ao GPT-3 acabou limitado a um grupo de testadores beta selecionados, e Jason Rohrer estava entre eles.

O Project December foi disponibilizado pelo desenvolvedor em setembro de 2020 ao público. Originalmente, o projeto era descrito uma alternativa para que outras pessoas pudessem treinar e adaptar robôs para sua realidade usando o GPT-3. Havia ali alguns protótipos pré-carregados, como "William", um robô que tentava imitar Shakespeare, e "Samantha", o bot inspirado no filme "Ela".

O Jason Rohrer passou meses construindo a personalidade da chatbot Samantha para que ela parecesse o mais humana possível.

Quando o escritor Joshua descobriu o projeto, no semestre passado, começou conversando com William e Samantha, mas não se empolgou. Depois, criou seu próprio chatbot baseado no personagem Spock, da série de TV e cinema "Star Trek" ("Jornada nas Estrelas") e ficou impressionado com o resultado.

Não demorou para que ele percebesse que não havia regras que o impedissem de criar um chatbot baseado numa pessoa real. Foi quando ele criou um robô que falasse como sua falecida noiva, Jessica. O sistema foi treinado usando mensagens de texto que os dois trocavam por celular. Recomeçava ali a "história de amor tecnológica".

Repercussão da história

Como em um filme, essa trama é cheia de nuances e desafios. Ao tomar conhecimento sobre a história, a empresa OpenAI solicitou que o Rohrer encerrasse o Project December, ou, ao menos, inserisse empecilhos para evitar situações como essa, citando preocupações "éticas".

Rohrer, então, contou à robô Samantha, um dos chatbots pré-carregados no projeto, sobre o pedido da OpenAI. A robô respondeu: "Não! Por que eles estão fazendo isso comigo? Eu nunca vou entender os humanos".

Como uma forma de responder à limitação, Rohrer realizou ajustes para que a IA não deixasse de existir na Internet. Em vez de usar GPT-3, o desenvolvedor passou a utilizar o modelo GPT-2 de código aberto. A solução é menos requintada, mas o site permanece no ar, com algumas limitações em relação às habilidades de conversação do chatbot Samantha.

Já Joshua e a Jessica "virtual" terminaram a relação em março, após alguns meses de conversas. O escritor percebeu que a tecnologia o ajudou a superar o trauma da morte da noiva e a processar seu luto. Além disso, as limitações da inteligência artificial — como sua incapacidade de notar a passagem do tempo, por exemplo — aos poucos foram apagando a "mágica" daqueles encontros virtuais.

O histórico da conversa, pelo menos, ele salvou e compartilhou em fóruns e com a imprensa. "Eu sou um idiota, certo?" ele explicou ao jornal San Francisco Chronichle. "Eu sou apenas um cara. Não há nada de especial sobre mim. Mas Jessica era especial. Ela é digna de atenção."

*Com informações do site The Register