Como a IA pode ajudar a reduzir casos de assédio em corridas da 99
Relato de passageiras que sofreram assédios e tentativas de estupro durante viagens realizadas via transporte por aplicativo são inúmeras. A violência contra a mulher também pula para o banco da motorista muitas vezes. No ano passado, 23% das ocorrências reportadas para a empresa 99 envolveram denúncias de assédios.
Para combater o problema, a companhia, responsável pelo aplicativo de mesmo nome, tem contato com ajuda de sistemas de inteligência artificial (IA). De acordo dados da empresa, divulgados para Tilt com exclusividade, essa estratégia resultou em uma redução de 13% nas denúncias ligadas a assédios, por milhão de corridas no Brasil. O período analisado foi entre julho de 2020 e julho de 2021.
Toda semana, são identificadas e banidas, em média, 730 pessoas que cometeram algum tipo de assédio durante viagens ligadas a 99 no país, informa a empresa a Tilt. Os estados que apresentaram maior índice de queda foram Tocantins (76%), Piauí (37%) e Rio de Janeiro (30%).
O que a inteligência artificial consegue fazer?
Três inteligências artificiais desenvolvidas internamente na empresa, chamadas Pítia, Atena e Ártemis, são focadas na proteção das mulheres — que representam mais de 60% dos clientes.
Segundo a 99, elas agem em conjunto antes, durante e depois das corridas, identificando usuárias em situações de maior risco para prevenir casos de assédio, além de facilitar a denúncia e o bloqueio de agressores.
Assim que uma passageira solicita uma corrida no aplicativo da 99, estas IAs identificam se a viagem vai acontecer em situações de vulnerabilidade: como trajetos noturnos ou com maior duração, regiões de bares ou baladas e chamadas feitas por terceiros.
Ao mesmo tempo, as tecnologias analisam os motoristas que estão próximos ao local da solicitação, atribuindo uma pontuação a cada um, com base em fatores como gênero, nota na plataforma e registro de reclamações anteriores.
"Com essas informações averiguadas, a Pítia direciona a chamada desta usuária em situação potencialmente de risco para uma motorista mulher, ou para o condutor com melhor qualidade de atendimento. Simultaneamente, a Atena dispara mensagens de conscientização, incluindo textos sobre a importância de manter o profissionalismo e o respeito para o condutor antes do embarque da passageira", explica Tatiana Scatena, diretora de segurança da 99.
Ao final da corrida, a Ártemis — desenvolvida em parceria com a consultoria feminista Think Eva — entra em ação.
"Ela rastreia os comentários deixados [por outros passageiros] e identifica automaticamente palavras e contextos que possam estar relacionados a assédios. Se isso acontecer, a 99 realiza o banimento dos agressores e direciona atendimento humanizado às vítimas", diz Scatena.
A escolha da Think Eva se deu, diz a executiva, pela experiência da organização no tema sob o ponto de vista das mulheres.
Geolocalização
A viagem de todos os passageiros é protegida pelo chamado Monitoramento de Corridas, que usa dados do GPS em tempo real, acrescenta a 99.
O sistema, que também funciona com inteligência artificial, foi desenvolvido para detectar mudanças repentinas de rota, paradas longas ou trajetos com o tempo muito acima do previsto.
"Caso algum desses comportamentos seja identificado, a equipe de segurança da 99 é imediatamente avisada para que todas as medidas sejam tomadas, o que pode incluir até avisar a polícia", explica a diretora.
Violência durante a viagem: de quem é a responsabilidade?
Nos últimos dois anos, a 99 afirma ter investido cerca de R$ 70 milhões em tecnologias de segurança para passageiros e motoristas.
Além das inteligências artificiais, há câmeras conectadas à central (que podem ser usadas nos veículos), gravação de áudio durante o trajeto, compartilhamento de rotas com contatos de confiança, botão de emergência para ligar direto para a polícia e o 99 Mulher, que permite que motoristas mulheres tenham a opção de atender apenas passageiras.
As ações para aumentar a segurança durante as viagens ganharam forma diante do aumento no número de casos de violências envolvendo aplicativos de transporte. Como os motoristas não têm vínculo empregatício com as plataformas — como 99, Uber e Cabify —, há um terreno nebuloso quando falamos de responsabilidade pelo que acontece durante as corridas.
De um lado, as empresas ressaltam que são mediadoras de um serviço. Do outro pode existir o entendimento jurídico que veja as companhias devem responder em casos de crimes.
A justiça brasileira, em geral, tem seguido a linha de que não há responsabilidade direta das plataformas — visto que os condutores são independentes, podem escolher seus dias e horários de trabalho, e até dirigir para diversos aplicativos ao mesmo tempo.
Mas um caso desta semana mostra esse outro lado da questão. A Uber foi condenada a pagar uma indenização de R$ 676 mil, por danos morais e materiais, a mãe de um motorista assassinado. Ele foi torturado e morto com 19 tiros, em julho de 2018, durante uma corrida em Fortaleza (CE).
Como o homem trabalhava exclusivamente para o aplicativo, o juiz da ação considerou a relação trabalhista, apesar de informal, e enquadrou o ocorrido como acidente de trabalho. A Uber pretende recorrer da decisão.
No ano passado, a 99 foi condenada a indenizar um morador de Anápolis (GO) em R$ 10 mil, em danos morais, após uma denúncia de racismo e discriminação. O motorista teria rejeitado a viagem alegando que o passageiro, um jovem negro, iria roubá-lo.
Também há casos de golpes aplicados pelos motoristas na maquininha de cartão — na hora de pagar no débito, é digitado um valor muito mais alto, sem que o cliente perceba —, em que as plataformas tiveram de arcar com as indenizações.
Ou seja, ao usar o aplicativo, é constituída uma relação comercial entre o passageiro, o condutor e o app, que dependendo do entendimento do juiz, pode ser responsabilizado pelas falhas do serviço.
Sobre eventuais casos de processos judiciais e investigações da polícia, a executiva Scatena afirma que a 99 "procura contribuir com o aumento da segurança das corridas na plataforma e, em caso de denúncia, bloqueia imediatamente os agressores de acordo com seus Termos de Uso, presta suporte às vítimas e está sempre aberta a colaborar com as autoridades."
A 99 orienta o passageiro a ligar para uma central telefônica de emergência 24h, com equipe que foi treinada para atender situações graves ou de risco, como assédios, racismo, acidentes e assaltos (telefone 0800-888-8999).
"Em colaboração com a Think Eva, a 99 desenvolveu um protocolo de atendimento humanizado — que inclui suporte, resolução e acompanhamento — a eventuais vítimas de assédio, preconceito e qualquer forma de discriminação. A equipe de segurança foi capacitada para ser capaz de cuidar dos casos com responsabilidade e conhecimento de causa", diz Scatena.
Mulheres vítimas de qualquer tipo violência podem procurar diretamente as autoridades, seja presencialmente na delegacia (algumas cidades possuem unidades exclusivas para mulheres), por -mail (ligue180@spm.gov.br) ou telefone (Ligue 180).
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