Já para o banheiro! Como seria se vacas e bois aprendessem a usar privadas?
Quem tem pet em casa sabe bem que uma das primeiras missões como tutores é ensinar cachorros e gatos a fazerem as suas necessidades nos locais corretos. Pode ser uma tarefa complicada de início, principalmente no caso dos cães, mas tende a dar certo ao longo do tempo.
Mas, e quando falamos de bois e vacas? Será que é possível treinar esses animais para atenderem aos "chamados da natureza" em um local específico? Por mais insólito que pareça, esse foi um projeto desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Auckland, na Nova Zelândia: treinar vacas e bois para fazerem suas necessidades em uma latrina.
O intuito, aqui, vai muito além "adestrar" os animais. A função é mais nobre: encontrar meios de diminuir o impacto que a pecuária causa no ambiente, em especial com a emissão de gases causadores do efeito estufa.
Mas como seria se iniciativas do tipo fossem adotadas de forma ampla em todas as criações de gado no mundo? Será que o clima do planeta melhoraria? Vamos lá.
Já para o banheiro!
O projeto em si, capitaneado pela pesquisadora Lindsay Matthews, visou diminuir o impacto causado pela criação de gado no ambiente. Para isso, 16 bezerros de cinco meses de idade participaram do projeto, que teve três etapas.
Inicialmente, duplas de bezerros foram colocadas no espaço onde seria a latrina até que os animais fizessem suas necessidades lá. Quando isso acontecia, um dispenser automático dava a eles um petisco feito de melaço diluído e cevada. Na sequência, a porta de saída abria automaticamente.
No segundo passo, os animais participantes eram colocados em um corredor de dois metros e sempre que usavam a latrina para as necessidades, recebiam o tal petisco. Caso fizessem no corredor, porém, recebiam um leve jato de água por três segundos. Por fim, esse segundo passo de correção era repetido em um ambiente mais amplo.
Em dez sessões de treino, 11 dos bezerros passaram a usar a latrina 77% do tempo — um aprendizado mais rápido do que o observado com crianças humanas.
Ao fazer os bezerros urinarem e defecarem em um espaço específico, evita-se que a mistura de urina e fezes emita para o ambiente amônia e, principalmente, óxido nitroso — gás com potencial de causar efeito estufa 300 vezes superior do que o dióxido de carbono e dez vezes superior ao metano e que também agride a camada de ozônio.
Além disso, em celeiros, esse gás tende a causar danos respiratórios aos animais (e aos seus cascos) e também em humanos que circulam pelo local.
Ajuda, mas não resolve
Se adotada em ampla escala, iniciativas do tipo seriam uma boa ajuda para diminuir o impacto que a pecuária causa em termos de efeito estufa. Não seria, porém, a solução para o problema.
Além do óxido nitroso, criações do tipo são grandes fontes de outro gás de enorme potencial para o agravamento do efeito estufa: o metano.
No caso das vacas e bois, a emissão de metano ocorre por meio de gases — arrotos e "puns". O gás surge como subproduto da digestão e é gerado no primeiro dos quatro compartimentos do estômago desses animais, o rúmen.
Lá, o capim passa por fermentação, sendo processado por bactérias que fermentam os carboidratos e emitem hidrogênio, e por arqueas, organismos unicelulares que combinam esse hidrogênio com dióxido de carbono, que é a receita do metano.
Ou seja, por mais que se controle a emissão de óxido nitroso com o uso dessas latrinas, o próprio funcionamento do corpo desses animais transformam eles em pequenas "usinas" de metano. Assim, a solução seria parcial.
Há, porém, outras iniciativas que visam atacar esse segundo problema.
Alimentação e genética
Duas iniciativas cujo intuito é diminuir a emissão se destacaram recentemente. Uma delas é liderada por John Wallace, da Universidade de Aberdeen, na Escócia, e tem como meta promover melhorias genéticas em bois e vacas de maneira a fazer com que o microbioma do rúmen contenha bactérias que emitam menos metano no processo digestivo.
Outra possível solução está na alimentação dos animais. Um cientista chamado Maik Kindermann, que lidera o departamento de pesquisa e desenvolvimento da DSM, uma multinacional holandesa que atua nas áreas de nutrição e saúde, desenvolveu uma molécula capaz de fazer bois e vacas emitirem 30% menos gases.
Ela faz isso ao diminuir o efeito de enzimas presentes no corpo do animal e que estão diretamente ligadas à flatulência de bois e vacas. A ideia é que essa molécula seja incluída em rações e, com isso, diminuir em até 70% a emissão de metano dos rebanhos.
Pecuária e agricultura: vilões do clima
Por mais que iniciativas do tipo tenham sucesso, é impossível não mencionar que o agronegócio em escala industrial tem enorme contribuição — direta e indireta — para a emissão de gases geradores do efeito estufa, como o dióxido de carbono, o metano e o óxido nitroso.
No caso da pecuária, em específico, a estimativa é que a atividade seja responsável 14,5% das emissões desses gases em decorrência da atividade humana. Os dados são da agência das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Agricultura e pecuária, por sua vez, também se destacam negativamente quando o tema é óxido nitroso, sendo responsáveis por 66% das emissões desses gases na atmosfera, segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep). Aqui, é considerado o processo como um todo, desde a produção de fertilizantes, manejo de esterco e da criação em si.
Além disso, há de se considerar outros pontos. A produção de ração animal, por exemplo, incentiva a adoção de monoculturas - como para a produção de soja - em grandes áreas, o que empobrece o solo.
A derrubada de mata nativa para a instalação de lavouras e pastos, por sua vez, representa um dano duplo, já que retira-se vegetação capaz de capturar o carbono da atmosfera para, no lugar, desempenhar atividades que aumentam a emissão de gases. E, claro, há o consumo de água: para se produzir meio quilo de carne, são usados em torno de sete mil litros de água.
A solução mais viável para diminuir esses impactos, portanto, seria a adoção de atividades mais sustentáveis no campo, com a redução de rebanhos — e do consumo de carne, por tabela —, o uso de técnicas como a criação de boi solto e, claro, a preservação de áreas nativas.
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