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Como problema em roteadores causou apagão de 7h nos apps do Facebook

Marcella Duarte

Colaboração para Tilt, em São Paulo

05/10/2021 11h30Atualizada em 05/10/2021 14h01

Sete horas fora do ar: esta foi a maior pane de redes sociais da história. Facebook, Instagram e o serviço de mensagens WhatsApp ficaram indisponíveis no mundo todo até o início da noite de ontem (4), para desespero dos usuários. Nesta terça-feira (5), as três plataformas parecem operar normalmente. Mas o que pode ter causado essa pane geral?

O Facebook afirma que, desta vez, não foi detectada nenhuma falha de segurança ou ataque hacker. Foi um erro interno de sistema, que ocorreu durante uma mudança de configurações e atingiu os roteadores do backbone ("espinha dorsal", no sentido de rede de transporte) —uma estrutura que coordena o tráfego entre os centros de dados da empresa.

Ou seja a falha interrompeu a comunicação com todos os data centers da empresa, o que gerou um efeito cascata e levou ao apagão. A última vez que o Facebook teve uma interrupção dessa magnitude foi em 2019.

O Facebook não diz exatamente qual a origem da falha, mas vários especialistas em segurança cibernética acreditam que o incidente pode estar relacionado a um problema de manutenção do "Border Gateway Protocol" (BGP), que cria um caminho entre um computador e um site.

Como um controlador de tráfego aéreo que revisa regularmente as rotas, "o Facebook fez uma atualização dessas estradas", explica Sami Slim, operador do data center da Telehouse, mas "entrou no caminho errado" —o que deixou todas as plataformas inacessíveis.

"A causa subjacente dessa interrupção também afetou muitas das ferramentas e sistemas internos que usamos em nossas operações diárias, complicando nossas tentativas de diagnosticar e resolver o problema rapidamente", explicou Santosh Janardhan, vice-presidente de infraestrutura do Facebook, em comunicado divulgado ontem.

A empresa disse que não encontrou qualquer evidência de vazamento de dados.

"Queremos deixar claro que não houve atividade mal-intencionada por trás dessa interrupção —sua causa raiz foi uma alteração de configuração defeituosa de nossa parte. Também não temos evidências de que os dados do usuário tenham sido comprometidos como resultado desse tempo de inatividade", acrescentou.

A empresa pediu desculpas aos mais de 2,7 bilhões de usuários dos aplicativos do grupo (também dono do Instagram e WhatsApp).

Caos na empresa

WhatsApp, Facebook e Instagram saíram do ar no mundo todo por volta do meio-dia (horário de Brasília). Ninguém conseguia enviar mensagens no WhatsApp ou postar e reagir a publicações no Instagram e no Facebook. A partir das 19h, os serviços foram gradativamente retornando — o último a ser normalizado foi o mensageiro.

A demora na solução do problema estava relacionada também ao apagamento dos próprios sistemas internos da empresa. Funcionários do Facebook não conseguiam acessar seus emails, crachás não funcionavam nas portas de entrada dos prédios e as ferramentas de configuração que poderiam corrigir o problema estavam inacessíveis. Eles tiveram que usar aplicativos concorrentes da empresa, como LinkedIn e Zoom para manter a comunicação.

Com as equipes impedidas de trabalhar, ficou difícil e demorado restabelecer os serviços. Uma equipe foi enviada ao centro de dados da empresa, em Santa Clara, na Califórnia, para tentar reinicializar manualmente o sistema dos servidores, segundo o jornal New York Times, que disse ter recebido de uma fonte anônima um memorando interno do conglomerado.

Quedas não são incomuns nas redes sociais, mas nunca houve um blecaute com tantos aplicativos interconectados fora do ar simultaneamente e por tanto tempo. As redes que absorveram a demanda de comunicação e compartilhamento de informações foram, principalmente, o Twitter e o Telegram — que, devido ao aumento expressivo de acessos, também apresentaram lentidão e instabilidades.

Dependência da "família Facebook"

A pane desta segunda-feira mostrou que as plataformas do Facebook têm um papel mais profundo no próprio funcionamento da internet e estes pilares não estão protegidos de um colapso mundial.

"É a prova de que o 'too big too fail ('muito grande para falhar') não funciona na computação", disse à AFP Pierre Bonis, CEO da Afnic, a associação responsável pelo gerenciamento de nomes de domínio na França.

"A rede como um todo acaba sendo impactada, o que faz a gente perceber como essas empresas estão espalhadas (neste sistema)", explica disse à BBC Thoran Rodrigues, engenheiro de computação, mestre em informática e diretor da BigDataCorp, empresa especializada na gestão de dados digitais.

"Primeiro, o Facebook tem uma série de serviços que outras empresas, sites e aplicativos usam: desde serviços de login, que permitem o acesso com uma conta do Facebook ou o envio de códigos de confirmação por WhatsApp; e também ferramentas de analytics (métricas sobre a audiência). Quando você tem um problema generalizado como o desta segunda-feira, esses serviços também param de funcionar."

Além dos serviços de login e ferramentas analíticas, o Facebook tem investido também no ramo de vendas online (com o Marketplace) e de pagamentos (WhatsApp Pay). Há cerca de uma década, a empresa já tem um mercado consolidado na publicidade — frentes que mostram a ramificação da companhia na internet.

"Essa abordagem permite que a empresa ganhe eficiência operacional e se isole de um eventual desmantelamento por parte dos reguladores. Mas também expõe o Facebook ao risco de concentração. Digamos que seja como as velhas guirlandas elétricas de Natal: se uma das luzes se apaga, todas as outras se apagam", explica Mike Proulx, vice-presidente e diretor de pesquisa da empresa de pesquisa e consultoria Forrester.

Com a falha no Facebook, as pessoas vão buscar massivamente alternativas. "Então você começa a ver picos de utilização em outros serviços", aponta Rodrigues como mais um impacto da pane para toda a rede.

O Downdetector, que monitora a instabilidade e interrupção de outros sites, registrou nesta segunda-feira um marco de 14 milhões relatos de erro, um dos maiores de sua história.

Além do Facebook, Facebook Messenger, Instagram e WhatsApp, plataformas de outras empresas também registraram problemas, em menor escala — como o TikTok e o Twitter.

Era da plataformização

"A gente vive um momento na internet da plataformização, em que as grandes inovações acabam sendo adquiridas por grandes empresas. O sonho de uma startup de sucesso hoje virou ser adquirida por uma grande empresa — quando, no final das contas, poderia ser que ela se tornasse uma grande empresa do futuro", afirma Carlos Affonso Souza, colunista de Tilt, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS) e professor de direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Embora os impactos destes conglomerados digitais para os internautas ainda estejam em discussão, o especialista diz que esta segunda-feira pode ficar como ensinamento.

"O brasileiro se acostumou a ver o Facebook, WhatsApp e Instagram como uma espécie de 'cesta básica' do acesso à internet", afirma Souza, apontando que a experiência dos internautas hoje está muito restrita às redes sociais.

"Acabamos usando esses três aplicativos de uma mesma empresa e de uma forma que a integração entre eles oferece muito conforto. Quando esses três aplicativos saem do ar, subitamente muitas pessoas não sabiam o que fazer. Esse é um ponto muito preocupante — diz muito sobre a empresa Facebook, mas também sobre a maneira pela qual nós nos acostumamos a confundir rede social com internet".

"No final das contas, a gente teve um dia em que a mensagem para todo mundo que usa internet foi: você precisa ter um plano B. Você não pode depender de aplicações que são administradas pela mesma empresa", recomenda o diretor do ITS.