Mutante e caríssimo? Por que talvez você queria o tomate editado por Crispr
Quem mora no Japão vai notar um novo produto em alguns supermercados e feiras. Começou a ser vendido um tomate, aparentemente normal a olho nu, mas que possui propriedades únicas: altíssimo teor de GABA (sigla em inglês para ácido gama-aminobutírico). Este aminoácido conhecido como um neurotransmissor inibitório é recomendado para quem tem pressão alta ou deseja aliviar o estresse.
Para mudar o gene do tomate, os japoneses usaram a técnica Crispr, que edita a sequência do DNA usando uma enzima de bactéria. O "recorta e cola" nas informações genéticas do tomate permitiu turbiná-lo.
É a primeira vez que um alimento alterado pela edição da genética está nas prateleiras japonesas, segundo comunicado da startup Sanatech Seed e da Universidade de Tsukuba, que estão por trás do feito.
As vendas começaram em setembro e, por enquanto, ocorrem apenas em terras nipônicas.
Comparado aos tomates comuns, não é nada barato. A NHR, serviço de rádio e TV estatal do Japão, informou que uma caixa com três quilos de tomate, chamado de "Sicilian Rouge High GABA", custa a bagatela de US$ 68 (cerca de R$ 365).
De acordo com a startup japonesa, já existem tomates com alto teor de GABA sendo vendidos, mas isso era feito na hora do cultivo, o que tornava a produção trabalhosa e de baixo retorno financeiro. Agora, eles oferecem kits de sementes já editadas. Também montaram um site para compartilhar técnicas de cultivo do tomate em casa.
A edição do gene do tomate deixou o nível de GABA "consideravelmente mais alto do que o das variedades geralmente cultivadas no Japão e geralmente comercializadas", podendo ainda "esperar que previna hipertensão leve e hipertensão normal", diz a empresa.
Apesar do anúncio, ainda não existe um consenso na comunidade científica sobre se realmente existem benefícios do GABA.
É perigoso?
A alteração do nível de GABA no tomate é novidade, mas o método Crispr-CAS9, usado pelos pesquisadores japoneses, é altamente aceito pela comunidade científica e considerado o que há de mais moderno e revolucionário hoje. Cientistas brasileiros são pioneiros na edição dos genes do tomate.
"O poder desta técnica é que podemos editar o DNA de uma maneira bastante precisa, escolhendo o lugar do genoma onde queremos que o DNA seja cortado e mutado", explicou, em reportagem a Tilt, o professor de genética bioquímica Vagner Augusto Benedito, da West Virginia University (EUA).
Ou seja, diferentemente de outras técnicas, nesta não são inseridos genes de outras espécies. Os cientistas "ligam ou desligam" ou trocam pedaços do DNA para prevalecer uma ou outra característica —como garantir mais nutrientes ou resistência a um tipo climático.
Este é considerado um jeito mais seguro de acelerar mudanças que poderiam acontecer naturalmente.
O professor Lázaro Eustáquio Pereira Peres, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), em Piracicaba SP), por exemplo, trabalha para que uma antiga espécie de tomate selvagem do deserto do Atacama, no Chile, e das Ilhas Galápagos, no Equador, funcione para nos alimentar hoje.
Essa espécie era naturalmente mais rica em nutrientes e resistente a secas e ao sal, mas essas características se perderam ao longo da história.
Em vez de ajustar uma variedade domesticada de tomate, o pesquisador voltou à estaca zero e usou o Crispr para eliminar um punhado de genes de uma vez do tomate que parecia uma erva daninha e dá frutos do tamanho de ervilhas. O desafio era recuperar as características dos ancestrais que pudessem servir para os alimentos do futuro: sobreviver ao frio, sol e sal. Vai saber como será nosso futuro...
Mas a ideia é conseguir um tomate maior, numeroso e nutritivo que dê conta de nos alimentar e seja comercializável.
"Se fosse um livro, em vez de você inserir uma página nova [como acontece nos transgênicos], você só edita uma letra ou palavra", exemplificou Martín Bonamino, pesquisador do grupo de imunologia tumoral do INCA (Instituto Nacional do Câncer) e especialista em Crispr da Fiocruz, no podcast Deu Tilt.
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