O que muda com a inclusão de proteção a dados pessoais na Constituição?
Aprovada no plenário do Senado na quarta-feira (20), a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 17/2019 torna a proteção de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, um direito fundamental, a colocando no mesmo nível de importância do direito à educação, saúde e segurança pública. Mas o que isso significa na prática?
A primeira coisa a ser destacada é que, mesmo aprovada pelos senadores após passar pelo crivo dos deputados federais, a matéria só começa a valer a partir de sua promulgação, que ocorre em sessão do Congresso Nacional, ainda sem data definida — isso significa que não precisa de sanção pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido).
Para o autor da PEC, o senador Eduardo Gomes (MDB-TO), agora o cidadão brasileiro terá na Constituição a garantia de que seus dados devem ser protegidos pelo estado, responsável por criar mecanismos para efetivar esse direito.
"Os dados hoje são um ativo mais valioso que ouro. Eles são diariamente utilizados por meio de captação formal por empresas ou órgãos públicos. Devido a vazamento ou invasões, essa PEC dá uma segurança formal e sistêmica ao cidadão, pois está amparado legalmente", afirmou a Tilt.
Especialistas ouvidos pela reportagem destacam que esse direito vai além do que estar apenas escrito na Constituição.
Reforço à LGPD sobre responsabilidade do estado
A inclusão dos artigos da PEC na Constituição é mais um reforço sobre a responsabilidade do estado em relação ao que prevê a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), que regula a proteção de dados no país. Ou seja, entra como um complemento para que as regras sejam efetivamente seguidas.
"O rito da proteção já estava na LGPD. Tudo o que a sociedade poderia fazer caso tivesse seus dados violados, já estava nela. Porém, a PEC veio mais como um reforço e eleva esse status da proteção de dados para a mesma importância de outros direitos fundamentais", explicou Antônio Carlos de Freitas Júnior, advogado e professor de direito constitucional.
Sérgio Sigobbi, diretor executivo da Brasscom (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais), diz que a PEC acentua ainda mais o papel do estado em zelar pela privacidade dos dados, algo já regido pela LGPD.
Para ilustrar a aplicação do novo direito determinado na Constituição, Sigobbi usa o caso do vazamento de fotos íntimas da atriz Carolina Dieckmann, em 2012.
"Se a gente tivesse, à época, a LGPD e esse novo direito fundamental garantido, a privacidade dela [da atriz] poderia ser motivo de processo de ressarcimento contra o Estado [Governo Federal, no caso], pois haveria legislação que o obrigaria a zelar por isso", afirma.
"Em outras palavras, a Constituição agora dá ao Estado a obrigação de zelar pelos nossos dados, mesmo que possa falhar nessa missão", acrescenta.
No caso de uma rede social, por exemplo, se ela vazar ou permitir uso dos dados por terceiros sem o consentimento do internauta, a empresa poderá responder para a Justiça comum junto com a União.
"Existem duas responsabilizações neste exemplo. A primeira é a própria rede social de maneira direta. Já o Estado tem a responsabilidade indireta porque deveria fiscalizar. Se for omisso, também poderá sofrer [processo judicial]", afirma Fabrício Mota, membro indicado pelo Senado para o CNPD (Conselho Nacional de Proteção de Dados).
Unificação para aplicação de regras
A PEC também impõe ao Governo Federal a única competência para legislar sobre privacidade de dados. Atualmente, de acordo com o Senado, existem em Cariacica (ES), João Pessoa (PB) e Vinhedo (SP) leis semelhantes à LGPD. "Não tem sentido ter leis sobre o mesmo assunto no país inteiro. Isso cria diversas interpretações", destacou Mota.
Freitas Júnior, professor de direito constitucional, aponta que a PEC não permite mais que novas leis sejam criadas com entendimento contrário à privacidade de dados em nenhum âmbito.
"Agora, como este direito estará explicitado na Constituição, impedirá que uma nova lei vá de encontro a isso. O que acontece? Sobe de patamar a privacidade de dados. Nada agora pode ir contra isso porque elevamos este status que antes era garantido apenas como uma lei ordinária pela LGPD", explica.
Com isso, qualquer nova lei contrária a esse direito poderá sofrer pedidos de anulações no STF (Supremo Tribunal Federal) com base em um amparo legal.
"Com a previsão na Constituição, definitivamente se abrem as portas para o STF analisar eventualmente alguma violação a esse direito fundamental. Isso não é pouca coisa", destaca Bruno Bioni, consultor na área de regulação e tecnologia e diretor da Data Privacy Brasil.
Estratégias para efetivar o direito
Outro ponto que muda com a PEC, segundo especialistas ouvidos por Tilt, é a obrigação do Estado de criar mecanismos para colocar em prática o direito dos brasileiros de terem seus dados protegidos.
Como comparação, para garantir o direito à saúde, por exemplo, algo imposto pela Constituição, o Estado adotou diversos mecanismos, sendo um deles o SUS (Sistema Único de Saúde). No caso da moradia, a criação de programas habitacionais. São essas estratégias esperadas da União a partir de agora para garantir a privacidade das informações dos seus cidadãos.
A ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) é a agência reguladora e fiscalizadora da LGPD, sendo também responsável pelas políticas públicas.
"Será necessário que o Estado tenha políticas públicas para que esse direito seja materializado, como campanhas de educação ou até celebração de contratos somente com empresas de tecnologia que sejam pelas pró-privacidade dos dados. Isso agrega muito", conclui Bioni.
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