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Censura, violência e lucro: o que dizem novas denúncias contra o Facebook

Gerd Altmann/ Pixabay
Imagem: Gerd Altmann/ Pixabay

Aurélio Araújo

Colaboração com Tilt, de São Paulo

25/10/2021 14h35Atualizada em 25/10/2021 18h55

Mais uma onda de denúncias atinge o Facebook. Todas elas turbinadas pelo vazamento de documentos confidenciais da empresa de Mark Zuckerberg cedidos pela delatora Frances Haugen, ex-gerente de integridade da companhia. Um consórcio de veículos de imprensa se formou para investigar o caso e, desde sexta-feira (22), novos desdobramentos ganharam foco.

O caso é chamado de "Facebook Papers" (Documentos do Facebook, em tradução livre). As novas reportagens destacam como a rede social foi usada, por exemplo, como estratégia para inflar a violência na Índia e o ataque ao Capitólio nos Estados Unidos. Há denúncias ainda de que o Facebook contribuiu para com a censura no Vietnã contra opositores do governo.

Além disso, os documentos vazados e fontes envolvidas indicam que:

  • Administradores do Facebook minaram esforços contra desinformação por "medo de irritar Trump";
  • Algoritmo de recomendações de conteúdos em poucos dias passou a oferecer conteúdo enganoso e com potencial de estimular a polarização;
  • Ações foram feitas para a empresa não perder usuários para mantê-la lucrativa.

Compilamos a seguir um resumo com tópicos e explicações dos desdobramentos recentes que o Facebook e Zuckerberg estão enfrentando.

1. Eleições dos EUA e invasão do Capitólio

De acordo com o jornal americano The New York Times, funcionários do Facebook denunciaram uma série de problemas sobre desinformação na rede social, desde quando ainda faltava pelo menos um ano e quatro meses para as eleições presidenciais de 2020 nos Estados Unidos.

Em novembro do ano passado, quando ficou claro que o democrata Joe Biden havia derrotado o então presidente, o republicano Donald Trump, um cientista de dados do Facebook avisou aos colegas que 10% de todas as visitas a material político nos EUA se deram em postagens na rede social que afirmavam que a eleição havia sido fraudada. O número é considerado bastante alto.

Pouco depois do ataque e invasão ao Capitólio com atos de violência, em 6 de janeiro deste ano, o Facebook foi rápido em se distanciar da questão. Zuckeberg disse ao Congresso, por exemplo, que sua empresa havia "feito sua parte" para garantir a integridade do pleito.

No entanto, segundo o New York Times, a rede social tinha ciência de que grupos extremistas estavam tentando polarizar os eleitores antes da eleição, e que estavam espalhando mentiras após a derrota de Trump dentro da plataforma. Porém, não tomou medidas contra isso pela preocupação com a perda de engajamento e prejuízos à reputação do Facebook.

2. QAnon

Ainda de acordo com o New York Times, em julho de 2019, uma pesquisadora do Facebook que estudava a questão da polarização na rede criou um perfil falso para fazer um teste. A pessoa fictícia criada por ela seria uma mãe conservadora, do Estado da Carolina do Norte, que tinha interesse em assuntos como o presidente Donald Trump e o canal de TV Fox News.

Somente uma semana depois de criar o perfil, ela já passou a receber conteúdo relacionado ao QAnon, uma teoria da conspiração de extrema-direita que afirma que um grupo de pedófilos canibais e satânicos comandam uma rede de tráfico sexual infantil e conspiram contra Trump.

A incursão da pesquisadora era alimentada pelo próprio algoritmo do Facebook, que fazia a ela recomendações automáticas de páginas e grupos que pudessem agradar sua respectiva conta. O perfil, segundo escreveu ela em relatório interno da rede social, rapidamente se tornou um "fluxo constante de conteúdo enganoso, polarizador e de baixa qualidade".

3. Lucro acima de moderação

Segundo o The Washington Post, um outro ex-funcionário do Facebook também acusa a empresa de colocar o "lucro acima de moderação". O homem, cuja identidade ainda não foi revelada, foi membro da equipe do rede social encarregada da integridade física da plataforma.

De acordo com o seu relato, os administradores do Facebook minaram regularmente esforços do combate à desinformação, ao discurso de ódio e a outros conteúdos problemáticos por "medo de irritar Trump", além de não querer perder usuários, já que eles movimentam a rede e ajudam a mantê-la lucrativa.

"Zuckerberg e outros executivos do Facebook alegaram repetidas vezes, para legisladores, reguladores e investidores, que tinham alta taxa de sucesso em restringir conteúdo ilegal e tóxico — quando, na verdade, sabiam que a empresa não poderia remover esse conteúdo e continuar lucrativa", explicou ao Washington Post a jornalista Gretchen Peters, responsável por investigar as denúncias desse novo delator anônimo.

4. Lista com "escolhidos"

A reportagem do Washington Posta diz ainda que o Facebook chegou a ter uma lista de pessoas e publicações que estariam isentas das regras da rede contra a difusão de notícias falsas. Na lista, estaria o site Breibart News, comandado pelo ex-estrategista da Casa Branca de Trump, Steve Bannon.

A lista teria sido formulada pela equipe de política pública do Facebook, comandada por Joel Kaplan, que, segundo o delator, disse que a rede social não deveria "provocar uma briga" com Bannon. Kaplan nega que a lista branca tenha existido.

5. Ódio contra muçulmanos

Outra denúncia grave partiu da Associated Press, e tem relação com as operações do Facebook na Índia. Por lá, diz a agência de notícias, a rede social tem falhado em combater discurso de ódio, em especial contra muçulmanos.

A Índia, além de ser o maior mercado do Facebook, com 340 milhões de frequentadores, é um país de tensões religiosas entre hindus e muçulmanos. Os muçulmanos são maioria no Paquistão, país vizinho com quem a Índia tem disputas territoriais há décadas.

Os documentos vazados apontam que parte do problema de radicalização política associado à rede social está ligado ao algoritmo do Facebook, que promove e recomenda páginas com discurso de ódio. Além disso, internamente, a empresa classifica a Índia como um dos países mais "em risco" do mundo, dando prioridade a idiomas como o hindi e o bengali em sua moderação de discurso.

6. Censura a dissidentes no Vietnã

Nesta segunda-feira (25), mais uma denúncia partiu do Washington Post: a de que o governo do Vietnã fez pressão no Facebook para que censurasse postagens dos dissidentes do regime, e que a empresa de Zuckerberg cedeu ao pedido.

Segundo o jornal, isso ocorreu em 2020, quando a rede social então mais do que dobrou o número de postagens censuradas de um semestre para outro: as postagens bloqueadas passaram de 834 nos primeiros seis meses para mais de 2.200 no segundo semestre do ano passado.

A denúncia é importante porque, nos Estados Unidos, o Facebook se coloca como uma empresa que luta pela liberdade de expressão, razão pela qual diz não apagar vários de seus conteúdos. O Vietnã, porém, é um dos seus mercados mais lucrativos na Ásia, tendo faturado, por exemplo, US$ 1 bilhão (R$ 5,5 bilhões) por lá somente em 2018.

Segundo fontes ouvidas pelo jornal, Zuckerberg defendeu que não cumprir os pedidos do governo resultaria no fim do Facebook no Vietnã, o que seria "ainda pior para a liberdade de expressão" no país.

O que diz o Facebook

Procurado por Tilt para comentar as mais recentes denúncias, o Facebook encaminhou dois textos escritos por seus executivos. O primeiro, assinado por Miranda Sissons, diretora de políticas de direitos humanos da plataforma, e por Nicole Isaac, diretora internacional de resposta estratégica, diz que a rede "age rapidamente para remover conteúdo que viola nossas políticas" em países que estão sob "risco de conflito ou violência".

O texto afirma que o Facebook possui, desde 2018, equipes com experiência em questões como direitos humanos, discurso de ódio, desinformação e polarização. Dessa forma, explicam, "quando respondemos a uma crise, implantamos suporte específico de país conforme necessário".

"A complexidade desses temas", segue o comunicado, "significa que nunca haverá uma solução única que funcione para todos. Nosso trabalho nunca estará concluído e exige vigilância e investimentos constantes".

O outro texto encaminhado é assinado por Guy Rosen, vice-presidente de integridade do Facebook, e detalha o que foi feito pela rede social para "proteger a eleição de 2020 nos EUA". De acordo com Rosen, foi desenhada uma estratégia para a eleição que duraria desde antes do início do ciclo eleitoral até o dia da posse presidencial.

Em seguida, o executivo lista medidas tomadas pelo Facebook para a defesa das eleições, que incluem ter ajudado a registrar "mais de 4,5 milhões de eleitores", incentivando a população a participar do processo eleitoral, montar um Centro de Operações para Eleições, com especialistas de diversas equipes da plataforma, e buscar operações encobertas de influência que tentavam interferir no Facebook, chegando até a derrubar redes de "comportamento inautêntico" vindas da Rússia, do Irã, da China e dos próprios EUA.