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Congelar e acordar depois é só para Capitão América ou pode rolar com você?

Imagem: Arte UOL

Rodrigo Lara

Colaboração para Tilt

09/11/2021 04h00

Quem conhece a história do Capitão América sabe bem como ocorre a ligação entre o surgimento do herói, em plena Segunda Guerra Mundial, e a sua presença nos dias atuais. A explicação é que ele, após se sacrificar para salvar os Estados Unidos de um bombardeio, caiu em uma geleira no Ártico, onde acabou sendo congelado. Seu corpo foi achado décadas depois e, uma vez descongelado, ele simplesmente voltou à vida.

Com devidas adaptações, essa habilidade de congelar humanos para que eles sejam descongelados no futuro é relativamente comum em obras de ficção, sejam filmes, livros ou games. Mas, na prática, seria isso possível?

O que impede que seres humanos —e outros animais— passem pelo processo e continuem vivos? E como seria se fosse descoberta uma forma eficaz de fazer isso?

Bom, se fosse possível realizar esse processo, uma série de questões que esbarram na longevidade humana seria resolvida. Vamos pensar, por exemplo, em viagens espaciais.

Um planeta próximo, caso de Kepler-186f —que foi detectado em 2014 pela Nasa (agência espacial dos Estados Unidos) e reúne algumas características similares às da Terra— fica a 500 anos-luz de distância de onde estamos no momento. Ainda que os humanos descobrissem uma forma de viajar na velocidade da luz, o passeio levaria 500 anos.

Considerando que a expectativa de vida humana média fique em torno de 70 anos, seriam necessárias várias gerações de tripulantes para que a nossa hipotética nave chegasse tripulada ao destino. Isso sem contar que as novas gerações teriam que ser treinadas para isso. E, claro, mostrar o mínimo de aptidão e disposição para dedicar uma vida a tal feito.

Desconsiderando algumas implicações morais, uma solução mais prática seria congelar um grupo de astronautas, partir nesta expedição, e descongelá-los quando estiverem próximos ao destino. Para a viagem de volta, o processo poderia ser refeito.

Outra aplicação dessa tecnologia seria em pessoas com doenças sem cura conhecida, que poderiam ficar congeladas até que seus problemas de saúde tivessem uma solução.

Corpo humano é maior adversário

Se na teoria a ideia parece boa, na prática ela se mostra, ao menos até o momento, inviável. E o maior adversário é justamente quem precisaria ser congelado: o corpo humano.

Uma vez congelado, o corpo humano tende a ser danificado. A principal causa disso é que somos compostos majoritariamente por água. Essa substância, quando congelada, se expande —você já deve ter passado por uma situação de ver uma garrafa de bebida estourando quando esquecida no congelador, certo?

No corpo humano, a água congelada expandiria e isso causaria danos irreversíveis em diversos tecidos, como veias e órgãos. Imagine ser rasgado de dentro para fora por cristais de gelo. Pois é mais ou menos isso que aconteceria.

Uma opção para evitar esse problema seria utilizar substâncias chamadas crioprotetoras, o que permitiria, ao menos em tese, um congelamento controlado, sem a formação de cristais.

Há exemplos disso na natureza. Um deles é o da rã madeira, típica do Alasca, que fica congelada durante o inverno e retoma a vida quando o clima fica mais ameno. A questão aqui é que em nenhum momento o corpo dela fica totalmente congelado.

O processo só é possível porque o corpo desse anfíbio possui alta concentração de substâncias como ureia e glicose, que agem como protetores para que o congelamento não cause danos irreversíveis a seus corpos.

O corpo humano é mais complexo. Hoje até existem técnicas que permitem um congelamento seguro, por exemplo, de células embrionárias.

Em alguns países, há empresas especializadas no tema, que realizam o processo em doentes que estão em fase terminal e em pessoas que acabaram de morrer. O processo segue alguns passos, como a suplementação com antioxidantes e vitaminas durante a fase terminal da doença, para diminuir lesões em órgãos vitais.

Após a morte, o corpo precisa ser resfriado o quanto antes, evitando a deterioração de tecidos. Usa-se anticoagulantes e o sangue precisa ser bombeado pelo corpo por meios artificiais.

Uma vez no laboratório de criogenia, remove-se todo o sangue do corpo, que é substituído por uma substância anticongelante, de maneira que não haja a expansão citada acima. Feito isso, o corpo é colocado em um recipiente hermeticamente fechado, com a temperatura sendo reduzida gradualmente até -196 ºC.

Se congelar é possível, o grande problema é o processo reverso.

Na prática, congelar alguém vivo significa matar essa pessoa e o processo reverso seria, portanto, reviver alguém. Ainda não há meios conhecidos de se fazer algo do tipo e, no momento, esse é o maior desafio para que a criogenia seja usada com sucesso.

No caso das células embrionárias, a água que as compõe é substituída por substâncias crioprotetoras. Contudo, ampliar esse processo para todo o corpo ainda está longe de acontecer. Imagine um cenário no qual é descoberta uma forma de reviver um corpo congelado, mas, ao fazer isso, algum órgão pode simplesmente não "voltar à vida"?

Dada a limitação de técnicas e a complexidade do corpo humano, congelar alguém para que essa pessoa seja ressuscitada tempos depois deverá permanecer por muito tempo como um cenário possível apenas em obras de ficção.

Fontes:

Lucas Rosa, biomédico, mestre em biologia funcional e molecular e comunicador científico no Mural Científico e Nunca Vi 1 Cientista

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