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Brasileiro 'previu' metaverso do Facebook ao acertar nome de app de VR

Escritor Jean Gabriel Álamo é autor do "Poder absoluto", que aborda um mundo em que humanos e androides convivem - Arquivo pessoal
Escritor Jean Gabriel Álamo é autor do 'Poder absoluto', que aborda um mundo em que humanos e androides convivem Imagem: Arquivo pessoal

Giacomo Vicenzo

Colaboração para Tilt, em São Paulo

18/11/2021 04h00

A ideia de um metaverso, um universo alternativo digital, com tudo que existe nesse, de móveis e menores pertences até pessoas, é uma proposta um tanto assustadora, e que por vezes inspirou obras, séries de televisão e filmes. Mas é longe do roteiro de ficção os planos ambiciosos para esse mundo online previstos por Mark Zuckerberg, presidente-executivo do conglomerado Meta [chamado antes de Facebook].

No Brasil, distante do Vale do Silício (região nos Estados Unidos que abriga as maiores empresas de tecnologia do mundo) e tendo como vista de sua janela uma parte da Serra da Mantiqueira, o mineiro Jean Gabriel Álamo, 28, 'previu' esse metaverso há mais de três anos e até acertou o nome do aplicativo do Facebook usado para que humanos possam experimentar o ambiente alternativo.

Chamado de Horizon, o app da empresa de Zuckerberg promete oferecer atividades que fazemos no mundo real, que vão de dançar até ter reuniões de trabalho, com ajuda da tecnologia de realidade aumentada (RA) e virtual (VR).

E Horizon também é o nome de um app idealizado por Álamo em seu livro de ficção, de produção independente, chamado 'Poder Absoluto, concluído em 2017. Na obra, a plataforma é capaz de reproduzir no universo virtual ambientes e sensações humanas, como uso de drogas e contatos físicos, como beijos.

Tilt bateu um papo com o escritor para entender como a ideia criar o metaverso descrito em seu livro surgiu e o que ele acha do mundo online pensado por Zuckerberg. Acompanhe a seguir.

O mundo distópico do escritor

O livro, segundo explica Álamo, se passa no ano de 2257. Os rumos do mundo são um tanto distópicos e uma inteligência artificial criada a partir do 'cérebro' de um cientista, que passou sua consciência para a tecnologia pouco antes de morrer, domina e governa a humanidade.

Esse ambiente complexo foi foi referenciado pelo autor como "singularidade tecnológica", que logo se integra a todos os sistemas de computadores da Terra. Na história, humanos e androides dividem o mesmo espaço. As máquinas são a maioria da população do planeta.

O livro aborda um sistema de simulação, emulado através de óculos de realidade virtual por meio do aplicativo Horizon.

Intrigados com a administração do governo mundial e seu líder sobre a nova tecnologia, os protagonistas entram em uma grande investigação para descobrir o que há por trás do investimento nessa inteligência artificial e na realidade virtual paralela.

Tilt: Como você descobriu que tinha 'previsto' o nome do aplicativo do metaverso do Facebook?

Álamo: Estava navegando pelas redes sociais quando vi no feed uma autora grande amiga minha fazendo chacota do Facebook. No meio da piada, ela mencionou que a empresa mudaria de nome [para Meta]. E descobri que não só mudaria de nome, como um possível candidato ao nome desse metaverso era uma plataforma de realidade virtual lançada pelo Mark Zuckerberg com o mesmo nome da que existe em meu livro e com a mesma proposta. Fiquei bastante surpreso.

Tilt: O que é metaverso na sua história?

Álamo: É interessante que esse metaverso, sob o nome da plataforma Horizon [do Facebook], tenha surgido em meio a uma pandemia, porque na obra o Horizon é incentivado pelo governo como troca de relações sociais físicas [como substituição do mundo real para o virtual].

Segundo a premissa de um filósofo francês chamado Pierre Lévy, que gosto muito: 'o virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual'. Dessa forma, você não só obtém uma realidade virtual, ou metaverso, mas uma relação humana instantânea e cria novas dinâmicas sociais.

Hoje, executamos online diversas atividades reconfiguradas para o virtual que existem no mundo material, mas nada surge da internet, apenas é ali reproduzido.

Tilt: E quais são os resultados da criação do metaverso e do Horizon na sua ficção?

Álamo: Nesse futuro, a taxa de transmissão de ISTs [Infecções Sexualmente Transmissíveis] e viroses é praticamente zerada porque o sexo dentro de um metaverso foi naturalizado.

As relações sexuais físicas tradicionais que não servem para a reprodução humana são malvistas. É preciso também estar casado numa união fechada, seja um casal, trisal ou outra configuração de família. Essas relações dentro do ambiente virtual são criadas pelo próprio governo da trama.

Tilt: Como funciona esse controle no metaverso na sua obra?

Álamo: O controle da Terra passa a ser uma inteligência artificial, que é criada a partir do upload de consciência de um cientista chamado Eric Anno. Podemos atribuir a ele e a sua visão de mundo a criação desse metaverso, chamado de Horizon no livro.

Tilt: Você acha que a ideia de criar um metaverso pode levar a uma espécie de controle ou fuga da realidade?

Álamo: Qualquer coisa criada para atingir grande margem de pessoas terá efeitos positivos e negativos ao mesmo tempo. Tanto no livro quanto na vida real, algumas pessoas buscarão fugas da realidade e outras buscarão uma ferramenta de controle. Nesse contexto, o problema mais óbvio é quando a fuga da realidade se torna uma ferramenta de controle.

Não é preciso ir muito longe para ver exemplos disso, como o escândalo da Cambridge Analytica, que usou da fuga da realidade como ferramenta de controle social e modificou contextos eleitorais de diversos países, incluindo o Brasil.

E lanço o questionamento: até que ponto as crenças ideológicas que sustentam uma perspectiva favorável [para determinando político] foram uma narrativa induzida por algoritmos e a realidade não é drasticamente diferente? A ameaça que os algoritmos hoje representam é nova, e o problema se encontra justamente nesse poder de se criar narrativas.

Se ele [o algoritmo] é capaz de transformar a sua percepção da realidade, como isso interferirá em suas crenças pessoais a nível político, social, comportamental e talvez até religioso? E como cada crença sua, cada fake news, cada narrativa gerada artificialmente ou impulsionada por alguém irá gerar lucro para grupos seletos de pessoas que mal fazemos ideia de quem são?

Tilt: O que você espera da criação do metaverso feito por Zuckerberg?

Álamo: Vejo como uma ferramenta de grande potencial positivo. Porém, que dificilmente não será utilizada de forma danosa à sociedade. Pegue como exemplo todos os escândalos de invasão de privacidade, engenharia social aplicada para interferir no processo democrático, a forma como nossos dados são facilmente comercializados, a maneira como esses mesmos dados são coletados e a profundidade do que eles dizem sobre nós.

Tilt: Você acredita que o avanço exponencial da tecnologia pode melhorar a vida humana nas próximas décadas?

Álamo: Pensando nisso, já existem algoritmos que buscam prever quais locais e em quais dias da semana determinadas ocorrências policiais podem se desenrolar. É uma ideia legal você gerenciar as patrulhas policiais de modo a maximizar a eficiência da segurança pública, desde que não haja uma política racista inerente aos algoritmos.

Outro exemplo são certas montadoras de automóveis, que já utilizam um 'metaverso' para simular em tempo real o ambiente de trabalho, possibilitando ferramentas de controle corporativo sobre as forças de trabalho ou especulando outras logísticas que maximizem o lucro.

Contudo, qualquer especulação sobre isso [avanço da tecnologia], do meio corporativo ao público, cria possibilidades terríveis e é preciso uma fé cega na humanidade para que se acredite que a vida não vá piorar.

Tilt: Acha que é possível o metaverso do Facebook um dia chegar ao nível do que você retrata em sua trama?

Álamo: Acredito que o metaverso superará em capacidade de possibilidades o que apresento na minha trama muito antes do que pensamos. Quase todos nós estaremos vivos para ver essas mudanças. Nós já estamos experimentando por meio dos algoritmos em redes sociais uma singularidade de tecnologias da informação.

Ao contrário da maioria dos livros de Cyberpunk, em "Poder Absoluto", a grande distopia não é o governo em si, que comete erros apesar de se projetar numa idealização de bem maior, mas o próprio ser humano enquanto ele é vítima de uma inevitável entropia social. E, como qualquer problema social de grande complexidade, não existem soluções fáceis ali.

O escritor Jean Gabriel Álamo é formado em letras pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Ele tem 18 livros com a mesma temática publicados. Sua obra 'Poder Absoluto' está disponível para venda na Amazon em versão digital ou de forma física no site Clube de Autores.