Bisfenol: cientistas da USP criam 'caneta' que detecta poluente BPA na água
Pesquisadores dos institutos de Física (IFSC) e de Química (IQSC) da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos desenvolveram um sensor com formato alongado e cilíndrico, semelhante a uma caneta, para análise de poluentes químicos eliminados na água.
Fabricado com grafite, nanopartículas de prata e poliuretano, o sensor detecta bisfenol-A (BPA) —composto químico considerado um marcador molecular da presença de contaminantes emergentes, como produtos farmacêuticos, hormônios e pesticidas, entre outros.
Resultados da pesquisa, financiada pela FAPESP, foram publicados na revista Materials Science and Engineering: C.
Paulo Augusto Raymundo-Pereira, coordenador do trabalho, explica que entre os poluentes químicos eliminados no meio ambiente destacam-se os denominados interferentes endócrinos (também conhecidos como desreguladores ou disruptores endócrinos). O BPA, comumente utilizado na produção de policarbonato (um tipo de plástico duro) e em vernizes (como o que reveste latas de alumínio), se enquadra nessa classificação.
Mesmo em baixas concentrações, essas substâncias são capazes de interferir no sistema endócrino dos organismos, que compreende um conjunto de glândulas responsáveis pela síntese de hormônios, e causar prejuízos à saúde, como desequilíbrio hormonal, infertilidade e câncer em órgãos reprodutores.
O Brasil proibiu a importação e a fabricação de mamadeiras e outros utensílios para lactentes que contenham BPA, considerando a maior exposição e suscetibilidade dos usuários desses produtos. Pela regra vigente desde janeiro de 2012, mamadeiras em policarbonato não podem mais ser vendidas no país.
Para as demais aplicações, o bisfenol-A ainda é permitido, mas a legislação estabelece um limite máximo de migração específica da substância para o alimento, definido com base nos resultados de estudos toxicológicos.
"Acontece que o resíduo da produção pode ser descartado em córregos e atingir a estação de água, na qual o tratamento não é 100% eficiente para remover todos esses poluentes. Eles podem, portanto, migrar para a torneira das nossas casas, sendo consumidos por nós."
Esse cenário exige o monitoramento constante da qualidade da água. Hoje, a determinação de poluentes emergentes pode, em princípio, ser realizada com análises que envolvem coleta e condicionamento de amostras, além de longas etapas de limpeza. Já a determinação do BPA é normalmente feita por técnicas como cromatografia e espectroscopia. Esses métodos convencionais de monitoramento são caros e demorados.
"Não há uma maneira simples para a análise de poluentes emergentes e, talvez, essa seja a principal razão pela qual os testes com o bisfenol-A ou outros contaminantes ainda não estão disponíveis para as empresas de saneamento, agências de controle ambiental ou pelo menos não nos serviços públicos dos países em desenvolvimento. Esse cenário pode mudar se essas substâncias puderem ser analisadas a partir de sensores sensíveis e robustos, com um dispositivo simples e de baixo custo", avalia Raymundo-Pereira.
Pen sensor
A escolha dos materiais usados no dispositivo - chamado pelos pesquisadores de pen sensor - levou em conta as vantagens obtidas pela combinação entre eles, incluindo estabilidade, facilidade de limpeza da superfície, simplicidade e baixo custo de preparação. Além disso, o poliuretano utilizado é um polímero ecologicamente correto, obtido a partir do óleo de mamona.
"Já tínhamos certa experiência com esses materiais. O grafite é bom condutor elétrico. As nanopartículas de prata, já sabíamos, melhoram a condutividade do grafite, evitam que outras substâncias 'grudem' no sensor, além de funcionar muito bem na detecção dos compostos fenólicos, como é o caso do bisfenol."
A detecção é realizada pela geração de um sinal elétrico produzido por reações químicas de oxidação e/ou redução que ocorrem na superfície do sensor quando em contato com uma amostra contendo o bisfenol-A. Métodos baseados no uso de sensores podem fornecer resultados rápidos e confiáveis ainda nas estações de tratamento, dispensando a coleta da amostra, o uso de equipamentos sofisticados ou a necessidade de pessoal treinado.
Ineditismo e versatilidade
Raymundo-Pereira explica que tanto o desenho do sensor quanto a sua composição são inéditos. "Ele pode ser usado como alternativa às técnicas tradicionais, que são mais caras, consomem mais tempo, geram resíduos e exigem conhecimento técnico de alto nível. Nosso dispositivo pode ser usado por qualquer pessoa, mesmo sem treinamento. Acoplado a um analisador menor do que um celular, possível de ser conectado a um smartphone, forma um conjunto portátil, que pode ser levado a uma estação de tratamento, por exemplo. Não há necessidade de colher uma amostra de água para analisar em laboratório."
Também é possível utilizá-lo em um rio, em um córrego, um contêiner, um poço e até na torneira. "Em menos de um minuto de contato da amostra com o sensor é possível saber o resultado da análise. Os testes convencionais demoram semanas, até meses. Além disso, a caneta pode ser usada na posição vertical, mas com o sensor virado para cima, e nesse caso apenas 25 microlitros (?l) de amostra - a metade do volume de uma gota - seriam suficientes para realizar o teste", conta Marina Baccarin, primeira autora do artigo.
A patente do sensor foi submetida recentemente pelo grupo, por meio da Agência USP de Inovação. "A tecnologia está pronta para ser produzida e transferida. Tentamos usar material barato, nada de equipamentos supersofisticados ou importados; tudo pode ser encontrado aqui. E isso exatamente para facilitar essa transferência tecnológica", ressalta.
A pesquisa teve apoio da FAPESP por meio de três projetos (16/01919-6, 17/04211-7 e 18/22214-6).
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