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Só pedalando: como seria se bicicletas substituíssem os carros no trânsito?

Imagem: Arte UOL

Rodrigo Lara

Colaboração para Tilt, em São Paulo

07/12/2021 04h00

Apesar de já ser realidade em diferentes partes do mundo, ver as bicicletas como meio de transporte —e não como forma de lazer— é algo relativamente recente nas grandes cidades brasileiras. Aqui, há uma série de fatores que impactam essa adoção, sendo que a infraestrutura, com a instalação de ciclovias de maneira mais abrangente, é uma das principais.

Também entram nessa lista questões culturais, uma (boa) dose de politização e, claro, as particularidades geográficas de cada região. Cidades grandes com muitas ladeiras tendem a tornar o uso das bicicletas menos atraente do que em áreas planas e menores, por exemplo.

Ainda assim, a venda de bicicletas está em alta no Brasil. Segundo a Aliança Bike, que reúne lojistas e empresas relacionadas a esse meio de transporte, no primeiro semestre de 2021 a venda de bicicletas cresceu 34,17% no país em relação ao mesmo período de 2020.

Neste cenário, é quase inevitável pensar sobre como seria um mundo no qual todos os carros fossem substituídos por bicicletas. Será que daria certo?

Espaço de sobra

Considerando um mundo no qual as bicicletas substituíssem totalmente os carros, o maior impacto ocorreria em locais onde há mais pessoas concentradas. Ou seja, nas grandes cidades.

E, dessas diferenças, a mais perceptível seria no uso do espaço.

A comparação entre as áreas horizontais ocupadas por um carro e uma bicicleta é até desnecessária, mas vamos colocar em números: um modelo popular, como o Chevrolet Onix, tem 4,16 m de comprimento e 1,73 m de largura. Já uma bicicleta aro 29, um tamanho popular, costuma ter em torno de 1,80 m de comprimento (de uma extremidade da roda até a outra) e cerca de 65 cm de largura.

Ou seja: no espaço ocupado por um carro compacto cabem pelo menos quatro bicicletas, com uma distância segura entre elas.

É claro que um carro pode transportar, normalmente, até cinco pessoas. Cheio, portanto, ele mostraria mais eficiência no uso do espaço, mas a realidade tem se mostrado diferente.

Ainda que se trate de um levantamento antigo, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) de São Paulo mediu a média de ocupantes dos carros que circulam pela capital paulista em 2011 e chegou a 1,4 passageiro por veículo. É pouco provável que essa média tenha mudado tanto em uma década.

Avenidas, portanto, teriam mais espaço livre, o que também permitiria um reforço no número de faixas destinadas a transportes coletivos, como ônibus.

De maneira geral, essa realidade "100% bike" tornaria o transporte urbano como um todo muito mais eficiente e dinâmico.

Cidades teriam que mudar

De nada adianta termos um exército de bicicletas se as cidades nas quais elas circulam não oferecerem estrutura para isso.

Vamos tomar São Paulo como exemplo. O último Plano Diretor Estratégico, apresentado em 2014, deu bases para a expansão da estrutura cicloviária na cidade e originou alguns planejamentos como o Plano de Mobilidade do Município de São Paulo (PlanMob), o Plano Cicloviário 2020 e o Plano de Ação Climática (PlanClima 2021).

Neles, estipulou-se a meta da cidade ter, até 2028, uma malha cicloviária de 1.800 km. Até o momento, apenas 37,8% desse objetivo foi cumprido.

Uma cidade hipotética na qual apenas bicicletas circulem teria que criar condições para tal, mesmo que elas passassem a ocupar o espaço que hoje é destinado aos veículos convencionais.

Como o cenário proposto aqui apenas substitui os carros, é de se imaginar que as vias continuariam tendo caminhões de diversos portes e outros veículos como ônibus e motos.

Neste caso, o melhor a se fazer por questões de segurança seria separar o espaço destinado às bicicletas daquele para circulação de veículos de maior porte ou velocidade.

A saúde agradece

Em médio prazo, a troca de carros por bicicletas também tornaria melhor a saúde das pessoas como um todo.

Considerando quem pedala, deslocamentos diários acabariam se transformando em exercícios diários que, por tabela, diminuiriam os efeitos negativos do sedentarismo.

Já para quem não pedala, o principal ganho seria na qualidade do ar que se respira e também no estresse, uma vez que bicicletas não emitem poluentes nem fazem barulho. Isso seria especialmente notado por moradores de regiões centrais, que passariam a respirar um ar mais puro e a viver em ambientes mais silenciosos.

Esses benefícios, inicialmente, seriam mais notados na esfera particular, porém a saúde pública —e, consequentemente, os cofres públicos— também seriam beneficiados em médio e longo prazo.

Pedalando por quilômetros?

É importante salientar que usar uma bicicleta no cotidiano não é algo viável para muita gente. Um exemplo são pessoas que têm que se deslocar por longas distâncias no dia a dia. Afinal, não é todo mundo que tem fôlego de atleta para pedalar por mais de 20 km todos os dias, certo?

Algumas atividades, como ir às compras, também seriam consideravelmente mais complexas sem um veículo motorizado, seja seu carro próprio, o de aplicativo ou um ônibus— o que só evidenciaria a necessidade de investimento massivo em transporte coletivo nesta realidade proposta.

Outras situações também adicionariam um desafio extra nesse mundo sem carro, como os perigos de violência, com assaltos, e acidentes, caso não exista uma educação de trânsito melhor e fortalecida para proteger os ciclistas.

Deixando de lado a fantasia, as bicicletas já se mostraram que são, sim, viáveis para uso diário como meio de transporte, mas algumas limitações intrínsecas ainda inviabilizam uma substituição mais profunda.

A melhor solução, portanto, ainda é que elas e os carros convivam em um mesmo ambiente. Aí, além de harmonia, a receita depende de uma boa dose de respeito entre as partes envolvidas.

Fonte:

Paula Katakura, engenheira civil e coordenadora do curso de Pós-Graduação do Instituto Mauá de Tecnologia

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