Ela descobriu o par de buracos negros mais perto da Terra: 'meu bebê'
A astrônoma alemã Karina Voggel é apaixonada pelos misteriosos buracos negros, também conhecidos popularmente como devoradores de estrelas. No começo de dezembro, ela e uma equipe de pesquisadores viraram notícia com a descoberta do par de buracos negros supermassivos mais próximos da Terra já identificado pela ciência.
Ela se surpreendeu com a repercussão, mas o que chamou mais sua atenção foram algumas manchetes sensacionalistas sobre isso representar algum perigo para a Terra. "Eles ainda estão numa galáxia muito, muito distante", brinca Voggel, usando a famosa frase da saga "Star Wars".
Em entrevista a Tilt, Voggel ressalta que gostaria de ser uma "diretora de relações públicas" dos buracos negros, que os chama de "fascinantes". "São locais em que há tanta massa que nem a luz pode escapar deles. A luz é tão rápida que consegue orbitar a Terra nove vezes por segundo, e nem ela consegue escapar", afirma.
Buracos negros supermassivos costumam estar no centro das galáxias. Quando se encontra um par deles, é um sinal de que aquela galáxia pode ser, na verdade, o produto da fusão de outras duas.
Com seu estudo, Voggel pôde comprovar que a galáxia identificada como NGC 7727, na constelação de Aquário, foi formada assim. Para se ter uma ideia, antes disso, o par de buracos negros supermassivos mais próximos da Terra que já havíamos mapeado estava a 470 milhões de anos-luz. Agora, a pesquisa recente mostra dados que indicam que o par mais perto de nós está a "apenas" 89 milhões de anos-luz.
"Na astronomia, alguns milhões de anos são um tempo curto. Mas os humanos vivem 80, 90 anos. Não temos como seguir um único buraco negro e acompanhar todo seu ciclo de vida. Quem dera. Mas podemos observar vários buracos negros em diferentes estágios do mesmo processo e tentar montar uma linha do tempo de como eles evoluem", afirma Voggel.
Outras surpresas dos buracos negros
A astrônoma diz que, nas imagens feitas da galáxia NGC 7727, ela aparenta ter uma estrutura não tão bem definida, o que indica que a fusão que deu origem a ela foi "recente", há apenas alguns bilhões de anos. A cientista então buscou confirmar se havia um segundo buraco negro por ali.
"Pode-se chamar de uma descoberta feita com um pouco de sorte", diz.
Esses buracos também são detentores de um outro recorde, segundo o artigo da astrônoma: é o par com a menor distância entre eles, separados por apenas 1.600 anos-luz.
Para efeito de comparação, a Terra está a 26 mil anos-luz do núcleo da nossa galáxia, a Via Láctea. Ou seja, os buracos negros estão realmente bem perto e a caminho de se fundir, num processo que ainda assim levará milhões de anos.
Os dois recordes, de proximidade com a Terra e de proximidade entre eles, são importantes, destaca Karina Voggel. Agora a ciência poderá estudá-los em maior detalhamento, já que, antes, não era possível sequer medir a massa de um par de buracos negros supermassivos.
Assim, espera a pesquisadora, entenderemos mais a fundo como uma galáxia se forma. O fato de estarem próximos um do outro deve nos ajudar a compreender melhor como funciona a fusão entre buracos negros.
O caminho até a descoberta
Desde a observação da misteriosa região do espaço em que ela suspeitava haver um buraco negro supermassivo até a publicação do seu artigo científico, a astrônoma teve de esperar três anos e meio. Nesse tempo, desenvolveu um carinho pelo par de buracos negros, que chama de "meu bebê".
Ela identificou os objetos em 2018, o que a levou a requisitar o uso do VLT, sigla em inglês para "telescópio muito grande", um equipamento pertencente ao Observatório Europeu do Sul e que está instalado no deserto do Atacama, no Chile.
Depois, Voggel recebeu os dados de observação dos objetos, avaliou-os, modelou uma teoria, escreveu o artigo, aplicou ajustes solicitados pelos avaliadores e, enfim, publicou.
"A ciência é demorada e complicada. É preciso ter certeza que o que se está publicando é correto, o que é muito difícil, porque há tantas camadas de detalhes e questões técnicas", afirma.
Apesar disso, ela diz que o princípio usado para confirmar a presença de um segundo buraco negro na galáxia NGC 7727 é relativamente simples.
Em geral, astrônomos identificam buracos negros porque, ao se alimentar de gases, eles emitem uma radiação brilhante. Sabia-se que havia um buraco negro supermassivo no centro daquela galáxia, mas o buraco "oculto" não era detectado porque não tinha esse brilho característico.
Ao analisar esses dados, Voggel notou que as estrelas que chegavam perto da região onde ele estava se moviam muito mais rapidamente. Era um indicativo de que havia um objeto ali de massa muito significativa.
"Há muitos buracos negros supermassivos que não gritam 'ei, eu estou aqui!'. Mas temos que começar a localizá-los e levá-los em conta em nossos cálculos", afirma.
Como uma autêntica "caçadora de buracos negros", ela prevê que o número deles conhecidos pela astronomia pode subir em até 30% ao fazer esse tipo de estudo.
O ingresso na astronomia
Karina Voggel se interessou por física pela primeira vez ainda na escola, quando ganhou um livro de um professor sobre a teoria da relatividade de Albert Einstein, lembra ela. "Minha mente explodiu. Como assim, o tempo e o espaço não são, tipo, universais? O tempo pode ir mais devagar se você estiver se movendo muito rápido e o espaço pode ser curvo?"
Bem-humorada, ela admite que foge ao padrão alemão de comportamento, mais sério. Mestra pela Universidade de Heidelberg, ela obteve o título de PhD em Munique, numa instituição parceira do Observatório Europeu do Sul —daí vem a sua ligação com a organização. Fez também um pós-doutorado nos EUA, na Universidade de Utah, onde passou a estudar mais de perto os buracos negros.
Ela conta que a vida de astrônoma não é o que a maioria das pessoas espera: a maior parte do tempo, ela trabalha em seu notebook, redigindo documentos. Mas há a parte mais fascinante que é a da observação, como a que ela fez no deserto do Atacama.
Voggel diz que os vários telescópios que compõem o VLT ficam do lado de fora, enquanto ela se senta numa sala com várias grandes telas em que as imagens captadas são projetadas. "Esse é o laboratório dos astrônomos", resume.
Para os jovens que querem seguir nessa área, ela diz que o requisito número um não é ser bom em matemática, mas sim ter muita curiosidade. Todo o conhecimento restante é apenas uma ferramenta para satisfazer essa curiosidade.
Ainda assim, para mulheres, ela diz que há um outro obstáculo na ciência: o machismo. "Já me perguntaram por que eu estava gastando o dinheiro do contribuinte para estudar se eu ia acabar me tornando uma dona de casa", afirma.
Na ciência, ela completa, também há outras formas mais sutis de discriminação, como o fato de ser menos levada a sério por colegas cientistas mais velhos. "O que eu posso fazer? Não é como se eu pudesse mudar de gênero para ser mais bem recebida. Só porque meu nome é Karina e não Matthias, o olhar que me dirigem é diferente."
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