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Sem desperdício: apps salvam comida que viraria lixo e ajudam o seu bolso

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Imagem: Pixabay

Juliana Stern

Colaboração para Tilt

18/12/2021 04h00

Novas plataformas online estão buscando alternativas para diminuir o desperdício de alimentos no Brasil. Aplicativos como o Comida Invisível, Appétit Delivery e B4Waste conectam estabelecimentos que possuem frutas e legumes, por exemplo, que vão sobrar a consumidores e ONGs (Organizações Não Governamentais) que desejam adquiri-los.

Um relatório da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) de 2018 aponta perdas alimentares globais e desperdício alimentar como problemas sociais e ambientais. Ele estima que 26,3 milhões de toneladas de alimentos sejam desperdiçados anualmente no Brasil.

Em abril deste ano, a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Pessan) divulgou um estudo que aponta que metade da população brasileira sofre algum nível de insegurança alimentar e quase 20 milhões passam fome.

Tecnologia no combate à fome

Estima-se que a Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo), por exemplo, desperdice cerca de 45 mil toneladas de alimentos anualmente.

Como uma alternativa para combater esse problema, ao notar pilhas de frutas e legumes ainda bons para consumo em caçambas de lixo no local, que Daniela Leite desenvolveu o Comida Invisível, uma plataforma para conectar quem tem alimentos para doação com quem precisa.

"Estava com meu filho em casa e queria fazer geleia, precisávamos de frutas mais maduras. Fomos até o Ceagesp e comecei a ver pilhas e mais pilhas de mamão, abacaxi, manga, tomate, abobrinha próprias para consumo, no ponto de mesa, jogadas na frente dos estabelecimentos ou já no lixo", diz.

"Com tantas pessoas em situação de vulnerabilidade social no Brasil foi um choque para mim quando me deparei com o tamanho do desperdício", acrescenta.

A startup social, chancelada pela FAO com o selo Save Food, utiliza geolocalização para aproximar empresas que possuem alimentos bons e ainda adequados para consumo com ONGs que atendem pessoas em situação de vulnerabilidade.

Desde o início da plataforma, em 2019, Leite diz que mais de 150 toneladas de alimentos foram doados, beneficiando cerca de 2,5 milhões de pessoas. Hoje, a startup conecta mais de 120 empresas com 400 ONGs cadastradas.

Além de construir um caminho mais sustentável para os alimentos, a iniciativa também oferece métricas e indicadores para que as empresas parceiras possam gerenciar melhor suas perdas e impactos no meio ambiente, explica ela.

"Orientamos as ONGs que recebem visitas das nossas nutricionistas para garantir a segurança jurídico-sanitária em todo o processo da doação. Para as empresas, oferecemos métricas como a mensuração do carbono evitado, que aponta a quantidade de toneladas de carbono que deixaram de ser emitidas com a doação, já que o alimento não chegará até o aterro [sanitário]", afirma Leite.

Disponível tanto na versão web quanto mobile, o Comida Invisível atente todo o Brasil. Para ser um doador de alimentos, o estabelecimento precisa se cadastrar no site e optar por um dos planos de acesso.

Para quem quer receber os alimentos é necessário um cadastro na plataforma e ficar atento aos avisos de doação que chegam pelo app ou email cadastrado.

"Os doadores têm a opção de realizar a doação de forma pública. Nesse caso, todos que estiverem num raio geolocalizado serão informados e poderão requerer os alimentos. Outra forma são doações direcionadas para ONGs específicas", diz Leite.

Refeições mais baratas

Já a franquia Appétit Delivery traz um modelo que pode ajudar restaurantes a diminuírem a quantidade de comida jogada fora por dia e ainda oferecer vantagens para os consumidores.

Desenvolvido pela Rhede Sistemas, uma empresa de tecnologia sediada em Cascavel, no Paraná, o aplicativo incentiva os restaurantes a oferecerem preços mais baixos em seus pratos a partir de um determinado horário.

"Digitalizamos uma medida já comum em ambientes físicos. Alguns locais alteram os valores do seu buffet após o horário normal de almoço para vender o que possivelmente sobraria", diz Juliano Matias, presidente-executivo e sócio da franquia.

O restaurante Cia do Sabor, localizado em Cascavel, é um dos que aderiram à iniciativa. Após as 13h30, os pratos do estabelecimento ganham descontos de R$ 2 a R$ 7 e ainda fornecem R$ 1 de cashback [dinheiro de volta] para o consumidor. O novo preço fica muito mais atraente, principalmente ao comparar o mesmo prato em aplicativos concorrentes.

App Appétit Delivery - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

"É o mesmo produto que era vendido no preço normal, porém, quanto mais o tempo passa, maior a chance da comida ir para o lixo. Por isso, vale a pena para o estabelecimento colocar um preço menor e para o consumidor, porque possibilita a compra a um preço mais acessível", afirma.

A franquia está ampliando seus serviços para cidades de até 150 mil habitantes. Hoje, o app funciona em 150 municípios, de 13 estados brasileiros.

Medidas como as da Appétit Delivery, de acordo com o economista e gestor do curso de ciências econômicas da Universidade Municipal de São Caetano do Sul, Volney Gouveia, são promissoras e ajudam a pensar em formas de alocar os recursos produtivos de forma mais eficiente e sustentável.

"O desperdício de alimento tem várias implicações. Do ponto de vista econômico, quando há o desperdício significa que os recursos disponíveis para a produção de riqueza estão sendo usados de maneira inadequada", afirma.

Gouveia também diz que essas iniciativas são promissoras por iniciarem uma conscientização no consumidor em relação ao próprio desperdício. "Nas praças de alimentação nos shoppings, por exemplo, o preço dos pratos são definidos já considerando que haverá desperdício, portanto são mais caros", afirma.

Além de encarecer a alimentação para o consumidor final, incluir o desperdício na conta também faz com que restaurantes gastem mais com insumos e diminuam sua margem de lucro.

Segundo relatório da FAO, as perdas e desperdícios têm grande impacto na sustentabilidade dos sistemas alimentares, geram menores recursos para os produtores e aumentam os preços para os consumidores.

Na venda, o Brasil desperdiça 22 bilhões de calorias, o que seria suficiente para satisfazer as necessidades nutricionais de 11 milhões de pessoas e permitiria reduzir a fome em níveis inferiores a 5%.

Reduzir desperdício em supermercados

Outra solução tecnológica que visa diminuir o desperdício alimentar é o aplicativo B4Waste, voltado para supermercados. Nesse ramo, um dos motivos do desperdício é a necessidade da troca de estoque devido ao prazo de validade dos produtos não adquiridos pelos consumidores.

Segundo a Abras (Associação Brasileira de Supermercados), o desperdício em alimentos no ano passado custou R$ 3,6 bilhões às lojas.

O aplicativo funciona assim como os demais apps de comércio online e de entregas de alimentos. Porém, ele só disponibiliza produtos próximos da validade. Os supermercados devem informar a data limite do alimento e oferecer preços abaixo dos 50% do praticado em lojas físicas.

app B4Waste - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Alguns dos adeptos ao aplicativo são o hortifruti Mambo, da unidade localizada em Moema, na capital paulista, e a unidade Vila Madalena do Natural da Terra, também em São Paulo.

"Os estabelecimentos deveriam investir mais em programas de combate ao desperdício porque, hoje, eles compram recursos sabendo que uma parte vai direto para o lixo. Ou seja, estão trabalhando e gastando mais enquanto ganham menos e ainda ajudam a perpetuar uma cadeia insustentável de produção e consumo", conclui o professor.