Como o Sol pode fazer você errar o caminho para o churrasco
Antes de programar um churrasco no sítio com os amigos, é sempre bom dar uma olhada na previsão do tempo para ver se há risco de um temporal estragar seu programa. Agora, se você vai precisar do GPS (sistema de posicionamento global) para chegar lá, o ideal mesmo seria checar as condições do Sol.
Isso porque uma explosão solar é capaz de interferir nos satélites, colocando em risco não só as informações do seu aparelho, mas até mesmo as que chegam para os pilotos de avião.
As explosões solares são liberações de grande quantidade de energia na atmosfera do Sol em todas as frequências do espectro: rádio, óptica, ultravioleta, raios-X e raios gama. "Além disso, são ejetadas partículas carregadas (elétrons e núcleos atômicos) para o espaço interplanetário", explica o astrofísico Joaquim Costa, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Na verdade, a emissão acontece de forma contínua, no chamado vento solar. Já as explosões solares são mais intensas e esporádicas.
"O Sol, assim como a Terra, possui um campo magnético, que se estende até a superfície solar e lá pode gerar 'loops'. Esses loops de campo magnético de alta intensidade podem se quebrar e reconectar, e, quando isso acontece, eles funcionam como um chicote, acelerando as partículas em alta velocidade", afirma Douglas Galante, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP (Universidade de São Paulo).
Ciclo de 11 anos
As explosões solares, com suas consequentes ejeções de massa coronal, são bem comuns: podem ocorrer uma vez por semana ou mais, dependendo do nível de atividade do Sol, que tem picos a cada 11 anos. Para entender esse ciclo, é preciso considerar que os gases ionizados (carregados eletricamente) do interior do Sol giram, movidos pelo movimento de rotação, gerando correntes elétricas que, por sua vez, criam o campo magnético.
"Como o movimento do gás não é totalmente ordenado, o campo não é homogêneo, mas tem uma dinâmica complicada, que se altera com o tempo. Diversos modelos tem mostrado um comportamento regular desse movimento, também associado a um aumento da intensidade do campo. É essa oscilação periódica, mantida pela rotação do Sol, que gera o ciclo regular de 11 anos", esclarece Galante.
Para se ter uma ideia da violência das explosões solares, basta dizer que a energia é milhões de vezes maior a que é emitida em erupções vulcânicas. Essa radiação felizmente não nos afeta na Terra porque existe a atmosfera para nos proteger. Há dúvidas, no entanto, se pilotos e comissários que vivem sobrevoando os polos (regiões em que as partículas atravessam com mais facilidade) teriam algum prejuízo. Já os astronautas da Estação Espacial Internacional (ISS) podem até vir a ter câncer caso estejam do lado de fora, durante uma tempestade solar.
Para quem está a turismo na Islândia ou em algum outro país próximo ao polo norte, essas explosões solares são muito bem-vindas. Quando as partículas emitidas interagem com os átomos da atmosfera terrestre, formam as chamadas auroras boreais, uma tempestade de cores no céu. Já para as telecomunicações, elas podem ser um problema.
Interferência no GPS
O GPS utiliza duas frequências em rádio que são transmitidas dos satélites para os receptores, e estes medem a distância do satélite até eles em comprimentos de onda, como explica o especialista do Inpe. "As ondas que vêm dos satélites podem ser absorvidas, refletidas e desviadas pela ionosfera (parte ionizada da atmosfera) da Terra. Quando isso ocorre, a distância do satélite até os receptores modifica-se e deve ser conhecida, ou a posição determinada fica errada", continua.
Em geral, os algoritmos dos receptores já têm correções para isso. Porém, quando a ionosfera sofre mudanças rápidas e desconhecidas, as distâncias satélite-receptor ficam muito erradas e o GPS não faz um bom serviço. Se as perturbações forem muito intensas, até o 'lock' é perdido (condição mínima para que o receptor considere o sinal do satélite como útil para o cálculo). A consequência? Se você não tiver um mapa, não vai conseguir alcançar seu destino.
Evitar essa interferência é difícil. Os satélites teriam que ter uma blindagem muito espessa para não serem afetados, mas isso os tornaria pesados demais e seria muito caro colocá-los em órbita. "Infelizmente não é viável, com os materiais que temos, criar uma blindagem adequada a um preço e peso razoáveis", acredita Douglas Galante.
Uma possível solução para minimizar problemas, segundo o especialista da USP, é construir sistemas eletrônicos redundantes e mais robustos a erros. "Mesmo que um circuito ou memória queime pelo impacto das partículas, haveria um circuito alternativo para manter o satélite funcionando", sugere. De qualquer forma, seria preciso ter sistemas de dados alternativos em Terra para o caso de um grande blackout espacial gerado por uma tempestade intensa.
Tempestades históricas
A maior explosão solar já registrada, segundo os especialistas, ocorreu em 1859, época em que ninguém dependia dos satélites. Mas, em 1989, as partículas emitidas pelo Sol chegaram a causar um apagão no Canadá. A tempestade magnética deixou Montreal sem energia elétrica por um dia inteiro.
Outra tempestade solar forte ocorreu em 2012 e passou muito perto da Terra. Segundo a Nasa (agência espacial norte-americana), por pouco não houve uma tragédia tecnológica. A agência ficou sabendo do ocorrido pelo observatório solar Stereo-A, que recolheu informações sobre o evento sem ser destruído.
"Não há uma forma infalível de proteger os satélites, eles estão realmente em um ambiente arriscado, que é o espaço", observa Galante. É por isso que as empresas de tecnologia estão sempre de olho na previsão do clima espacial. O Noaa (sigla em inglês para Administração Oceânica e Atmosférica Nacional), nos Estados Unidos, é a referência para isso. No Brasil, há o Centro de Previsão do Clima Espacial (Embrace), no Inpe.
Quem quiser também pode acompanhar o clima espacial pelo site Space Weather. Talvez, um dia, o hábito se torne tão frequente quanto checar a previsão do tempo.
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