Email do príncipe da Nigéria: como surgiu e o que está por trás do golpe
Você acorda pela manhã e liga o computador. No primeiro clique, se depara com a seguinte mensagem na caixa de email: "Olá, bom dia. Meu nome é John Bright, um dos três príncipes herdeiros da monarquia Tulu, da Nigéria. Escrevo esse email pois estou em contato com autoridades do seu país a respeito de uma quantia de dinheiro depositada em uma conta nacional que diz respeito a minha família."
No restante do texto, John Bright, ou qualquer outro nome de falso estrangeiro de um país distante no continente africano, vai pedir que você o ajude na tarefa de recuperar a fortuna. Esse tipo de golpe é tão popular que Tilt decidiu investigar o que está por trás dele.
Segundo o professor Hasnain Bokhari, especialista em cibersegurança e titular no curso de políticas públicas da Willy Brandt School, na Alemanha, o golpe do príncipe nigeriano nada mais é do que uma variação histórica de séculos atrás.
"Primeiro, usava prisioneiros espanhóis como personagens. Depois da Revolução Francesa, pessoas mal-intencionadas realmente escreviam cartas à mão pedindo ajuda financeira a uma nobre falsamente aprisionada", diz.
Bokhari explica que foi somente nos anos 1980 que a história que conhecemos hoje tomou forma, no que ficou conhecido na Nigéria como "full 409", em referência ao código da tipificação penal nigeriana por fraude. Desde então, o país passou a ser usado como contexto para as mais diversas formas de golpes financeiros ao redor do mundo.
Mas a Nigéria é epicentro do cibercrime mundial?
Em 2019, a jornalista Melisaa Mordi, do jornal nigeriano The Guardian, se fez a mesma pergunta e chegou a uma conclusão bem prática: não, a Nigéria não chega nem perto dessa classificação. Pelo contrário, países como Rússia, EUA, China e Brasil estão entre os locais com maiores cifras obtidas por fraudes online.
Segundo a publicação, o que torna a Nigéria famosa é a visibilidade dos crimes.
Ao contrário dos cibercriminosos russos que preferem práticas mais silenciosas, como fraudes financeiras com criptomoedas e ransomware (programa que sequestra dados e pede resgate em troca), os nigerianos apostam em golpes sociais.
O clássico email do príncipe nigeriano entra nessa categoria e envolve o convencimento da vítima para que faça depósito em moeda estrangeira. Mas também há outros exemplos, como golpes de falsos romances e emails de esquemas comerciais.
O pesquisador Lucas Castro, do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS-RJ), acredita que, em muitos casos, esses golpistas estão bem longe da Nigéria.
"Eles podem até usar ferramentas como VPN (para esconder a origem do golpe) para simular que estão lá, mas não acredito que o país seja o epicentro do crime digital no mundo", diz Castro, que realiza pesquisa nos campos de educação e tecnologia.
De fato, não são raras as informações de criminosos apreendidos em diferentes partes do mundo por aplicar o golpe do príncipe nigeriano. Em 2018, a polícia dos EUA prendeu um homem de 67 anos responsável por 269 contas bancárias usadas para lavagem de dinheiro e transferências fraudulentas por esse tipo de golpe.
Dados da empresa de segurança digital McAfee mostram que Alemanha, Reino Unido e Brasil ocupam lugar de destaque entre os países de onde partem os ataques onlines.
"A Alemanha é sede da economia de internet clandestina mais sofisticada da União Europeia. O Brasil é a segunda fonte de ataques cibernéticos e o terceiro alvo mais atingido", diz Paula Xavier, líder de consumidores online da McAfee na América Latina.
Conta do banco em troca de afeto digital
Entre os golpes sociais, o catfish tem lugar de destaque. Nesse tipo de crime, a vítima é iludida por um falso perfil que se diz apaixonado, o que leva a pessoa a abrir sua vida e conta bancária em troca de afeto digital.
Foi o que aconteceu com o jogador de vôlei italiano Roberto Cazzaniga, que passou 15 anos acreditando que namorava uma pessoa idêntica à supermodelo brasileira Alessandra Ambrósio. O falso romance custou mais de R$ 4 milhões ao esportista.
Como bem lembrou o The Guardian nigeriano, o cenário de cibercrimes não começa nem termina nos chamados golpes sociais. Eles são apenas a pontinha de um iceberg gigantesco, capaz de afundar inúmeros Titanics.
"O maior problema dentro do crime digital atualmente está relacionado ao ciberbullying e a pornografia infantil", diz Bokhari. Ele lembra que o tema é tão grave que as Nações Unidas vêm se debruçando sobre o problema, a ponto de propor soluções a nível de governança global.
O acadêmico ainda destaca o lucrativo campo dos ataques à infraestrutura digital de indivíduos e empresas, como o sequestro de dados de servidores em troca de um resgate, em geral na casa dos milhões de reais.
Faltam políticas públicas
"Quando acontece um crime comum, na vida real, qual sua primeira reação? Ligar para a polícia. Quando você é vítima de um crime digital, para quem você pode ligar? Não há mecanismos de resposta, não há ninguém que você possa contatar se tiver uma falha de segurança que possa responder ao problema", destaca Bokhari.
Ele afirma que muitos países ainda carecem de leis nacionais que tipifiquem o cibercrime e lembra o caso brasileiro. "O país só aprovou uma lei de proteção de dados recentemente, em 2018. É importante ter políticas públicas que guiem as instituições sobre como utilizar diferentes softwares e, ainda mais importante, quais softwares não utilizar", diz.
Vários estados brasileiros já possuem uma Divisão de Crimes Cibernéticos entre suas polícias. Contudo, criminosos conseguem driblar os mecanismos de identificação da origem dos ataques com facilidade, o que dificulta o rastreio dos crimes, segundo os entrevistados.
"Nós precisamos da participação das vítimas, denunciando os golpes sofridos e até mesmo as possíveis tentativas de golpes já devem ser relatadas para os órgãos competentes. Lembrando que o código penal brasileiro já prevê estelionato digital", ressalta Lucas Castro.
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